Como afirma o teatrólogo e pensador guatemalteco Manuel Galich na abertura do livro Nuestros primeros padres (2004), os latino-americanos nascem de uma tripla e violenta mestiçagem entre indígenas, europeus e africanos. Mais de cinco séculos testemunham, numa vasta e policrômica geografia, o árduo processo seguido pelos povos do continente na busca de suas identidades. Tal busca teve em manifestações culturais como o teatro uma de suas ferramentas e expressões.
As regiões do Rio Bravo à Patagônia compartilharam condicionantes históricas e culturais: a língua espanhola, exceto no Brasil e em parte do Caribe; a presença “oficial” da religião católica, salvo no Caribe anglófono, embora qualquer generalização desconheça uma condição sincrética na qual predomine a religiosidade popular; trezentos anos de colonialismo, desde o “descobrimento”, a conquista e a colonização até a independência, no século XIX. A partir daí, a América Latina sofreu o impacto do neocolonialismo, do subdesenvolvimento, das sangrentas ditaduras militares, das democracias dependentes do grande capital e, a partir das duas últimas décadas do século XX, do neoliberalismo, que agrava as diferenças na concentração de riquezas e na distribuição de renda, a corrupção e a dependência.
Também a globalização – com base colonialista e assentada na unipolaridade do mundo depois da queda do socialismo europeu e nos avanços tecnológicos e das comunicações –, juntamente com a vertiginosa circulação do capital, reforça a ameaça das culturas hegemônicas. Em meados dos anos 1990 evidenciou-se a crise da opção neoliberal na área econômica e seu debilitamento nas esferas da cultura, da consciência pública e da política. Explodiram novos movimentos sociais – urbanos e com participação de camponeses e indígenas – e chegaram ao governo líderes progressistas e de esquerda (Venezuela em 1998, Brasil em 2002, Argentina em 2003, Uruguai em 2004 e Bolívia em 2006). Ecos sociais e humanos, coletivos e individuais desses avatares afloram na criação cênica.
Pretender abarcar a complexa realidade do teatro nessa região conturbada envolve certos riscos. Há quem pense que não existe ainda um estudo sistemático dos processos do teatro latino-americano, pois, durante bom tempo, o fato de descrevê-lo e pensá-lo como conjunto esteve monopolizado por estudiosos e acadêmicos de outros continentes, que impuseram seus próprios conceitos e juízos de valor. Ainda hoje, há quem pretenda oferecer um olhar “objetivo” a partir de uma observação eventual e não participante, alheia às condições essenciais dos contextos históricos e culturais.
Outro risco relaciona-se com a natureza expressiva da manifestação: a teatralidade – que se afirma em sua condição sintética, coletiva, audiovisual, simultânea em espaço e tempo, viva e única – é só relativamente apreensível e foi por muito tempo relegada pelo estudo do texto dramático que, graças à sua característica perene, conduziu histórias e recontos. Por sua vez, como discurso cultural assentado na contradição, o teatro se insere numa rede de sistemas e imaginários em boa medida interdependentes, que contextualiza e reformula permanentemente seus códigos.
A diversidade da América Latina como conjunto múltiplo e heterogêneo, que compartilha, também, características históricas e culturais próprias e que encontra na cena uma complexa variedade de expressões, é outro risco. O mexicano Carlos Solórzano propõe três categorias principais para entender a heterogeneidade: a dos países hispano-americanos com forte presença indígena, a dos do Cone Sul, formados com o influxo de sucessivas migrações europeias, e os que receberam uma essencial herança cultural africana (as Antilhas e o Brasil). Trata-se de uma generalização válida em seu caráter histórico, mas que não abarca a complexidade de processos internos e “fronteiriços” nem a permeabilidade atual.
Periodizações
No final dos anos 80, o teatrólogo peruano Lucho Peirano referiu-se a uma herança múltipla expressa em vertentes que deveriam ser entendidas em suas singularidades locais: manifestações vivas derivadas de rituais originários; teatro “bárbaro” do interior – ele citou a argentina Beatriz Seibel, historiadora do teatro; teatro tradicional e urbano de companhias seguidoras da tradição espanhola, com formas herdadas, como o sainete e o melodrama; e grupos de teatro independente, experimental e universitário, marcados pelas revoluções sociais e pela influência de vanguardas europeias.
Três quinquênios depois, a professora e atriz brasileira Márcia Falabella prefere distinguir o teatro da América Latina por meio de “traços e características marcantes de uma identidade continental”, ao enunciar quatro processos de mestiçagem, a saber: primeira mestiçagem, que vai do teatro pré-colombiano ao marcado pela prática religiosa das primeiras décadas da conquista; segunda, do período de colonização; terceira, o teatro produzido depois da independência, que abarca grande parte do século XX e inclui o neocolonialismo imposto por formas de dominação imperialista; e a quarta mestiçagem, produto do diálogo intercultural (ou transcultural) gerado pela globalização neoliberal.
A essa consideração, que entende a arte cênica como forma mestiça que interatua simultaneamente com indivíduos e sociedades, e estende pontes entre a cultura, os movimentos sociais e a política, há que acrescentar o viés marginal do teatro latino-americano, como espaço ativo – metafórico e imaginal – de resistência e questionamento de injustiças e da ordem estabelecida pelo poder autoritário.
O ator e diretor argentino Juan Villegas, ao tentar historiar o teatro e as teatralidades latino-americanas por uma perspectiva multicultural, distingue quatro sistemas de produção teatral estreitamente relacionados com a história das culturas, dos processos de conflitividade de poderes, das tensões entre culturas hegemônicas e marginais e da funcionalidade da cultura como instrumento de poder e legitimação. Para ele,
os pontos de referência são aqueles acontecimentos históricos que alteraram profundamente os setores produtores dos objetos culturais e, em consequência, a construção dos imaginários representados nos textos e nos sistemas de preferência de códigos estéticos e teatrais legitimados.
Esses quatro sistemas são as culturas indígenas anteriores à chegada dos europeus (macrossistema) – o sistema colonial (conquista e colonização): os discursos da legitimação do poder (da cultura europeia e do regime colonial) e a diferenciação de discursos para espectadores das culturas hegemônicas e das marginais subjugadas, a coexistência de formas marginais, especialmente indígenas, e as novas, provenientes dos escravos africanos, o que gera um processo de hibridação; os discursos das burguesias ilustradas, que se subdividem em republicana e agrário-industrial, e que têm a ver com a abertura para valores “republicanos”, a definição do nacional, a influência do pensamento ilustrado, os valores da sociedade e da família e os conflitos entre criollos e estrangeiros; e a modernidade, marcada pela hegemonia dos setores médios – portadores de novos sistemas de valores e de grupos politicamente emergentes. Essa última, por sua vez, divide-se em quatro períodos: a encruzilhada dos séculos XIX e XX, que o autor designa como crise da utopia da burguesia oligárquica, com preferência por códigos de realismo e naturalismo; a nova modernização, 1930-1950, com a chegada dos códigos da vanguarda; a nova revolução, da Guerra Fria à pós-modernidade, com o discurso da revolução; e, finalmente, o período da pós-modernidade à globalização, a partir dos anos 1980, com discursos distanciados do poder e de compromissos políticos, negação da história e ênfase no teatro como objeto cultural. Em cada um dos sistemas e subsistemas, esclarece Villegas, há especificidades nos diferentes espaços e variantes regionais e/ou nacionalidades.
Raízes de uma expressão cênica
Galich afirma que até os anos 60 do século XX só se podia falar de teatro latino-americano como exceção, pois foi então que se produziu “um grande movimento de renovação, busca, combate e afirmação” que sacudiu até seus alicerces a atividade cênica. Antes, a maioria dos autores nacionais evitava a abordagem da realidade, deslumbrada com os modelos hegemônicos e cosmopolitas do teatro europeu ou norte-americano, que se impunham nas cidades como resultado de migrações e por meio da presença de companhias estrangeiras. Até boa parte do século XX, muitos dos que se propunham a criação de um teatro nacional não podiam superar os traços costumbristas e pitorescos.
Quando os conquistadores europeus chegaram à região da atual América Latina e Caribe, existiam expressões teatrais aborígenes, fruto do desenvolvimento cultural – desigual – das sociedades pré-hispânicas. Dos numerosos povos e culturas existentes nessas terras, o Tahuantinsuyo inca, o Estado asteca e os maias eram os que haviam alcançado maior florescimento. Eram sociedades classistas e teocráticas, nas quais a religião exercia um papel dominante.
Cronistas mexicanos do século XVI deram conta dos mitotes praticados pelos astecas – cerimônias nas quais centenas de homens dançavam, de braços dados, e entoavam poesia religiosa ou épica. Esses e outros rituais, como os taquis no Peru, turas na Venezuela, areitos em Cuba, República Dominicana e Porto Rico, tocontines (danças alegóricas à caça), pochob (vinculada ao matrimônio), sayí ou tapir (na qual atuavam só anciãos) e colombé (que culminava com a embriaguez de todos os bailarinos e espectadores), oriundos de várias culturas, como a maia-quiché e a asteca, são considerados manifestações pré-dramáticas. Eram combinações de danças grupais com textos vinculados às práticas comunitárias de caráter econômico e religioso.
Muito mais elaborado é o que se conserva como primeiro texto do teatro latino-americano: o Rabinal Achí ou Xahoj Tun, conhecido no século XVI como Dança do Tun, do Uleutum, do Tum Teleche. Classificado como dança, especula-se que nasceu no século XII, no que é hoje a Guatemala, representado por homens com trajes e máscaras, que recitavam textos dialogados e dançavam durante interlúdios musicais. O texto foi publicado em Paris em 1862, pelo clérigo e etnólogo Charles Etienne Brasseur de Bourbourg, em edição francês-quiché, depois de convencer um octogenário da cidade de Rabinal, Bartolo Zis, que o ditasse e traduzisse. Com ação, personagens e jogo dramático, apesar de ter sido proibido na colônia e conservado clandestinamente, cada janeiro é representado em San Pedro de Rabinal, aos cuidados de um responsável auxiliado por outros membros da comunidade.
Diferentes danças-dramas são conservadas na Guatemala, como testemunho de rebeldia em face da dominação e como evidência do esforço por preservar as tradições nativas.
Outras expressões próprias dessas terras sobrevivem em festas como a de Los Chicaleros, em Novo León, México, alimentada por recursos de cena que recriam fontes originárias, no trabalho de grupos, como o também mexicano Laboratório de Teatro Camponês e Indígena, cuja prática funde o legado pré-hispânico com outras tradições populares e dialoga com Federico García Lorca e a dramaturgia mexicana contemporânea.
Inspira essa festa a investigação iniciada nos anos 1970 pelo grupo peruano Yuyachkani sobre expressões artísticas que se mantêm vivas e renovadas como resistência à dominação cultural e que modificaram a concepção cênica do coletivo. Tais expressões alimentam a prática de outros grupos, como os colombianos Viento Teatro, Teatro Taller de Colombia e Teatro Itinerante del Sol, o boliviano Los Cirujas e o venezuelano Acción Creativa.
Mestiçagem, colonialismo e protesto
Na região da Mesoamérica, hoje Nicarágua, apareceu, entre fins do século XVI e princípios do XVII, a primeira obra do teatro latino-americano, que deve tanto ao legado pré-colombiano como ao enxerto hispânico: El güegüense o macho-ratón, transmitida pela memória oral até sua transcrição em 1947. Galich a considera o primeiro esboço satírico do teatro latino-americano e joia do picaresco popular, por ser pioneira em protestar com astúcia contra a imposição do poder estrangeiro. A peça é portadora da mestiçagem náuatle-espanhol e de sinais de sua linhagem americana: a dança, a música e a máscara, como um personagem que o ator anima.
Enquanto avançavam a conquista e a colonização no século XVI, como parte da dominação e do genocídio cultural, se impôs um teatro evangelizador que somou à perda de liberdade a do sentido original da identidade dos indígenas. Com o fim de difundir a doutrina cristã, os frades adaptaram autos sacramentais, mistérios e moralidades para serem representados pelos nativos, que incluíam ricos efeitos visuais.
Pouco a pouco, as representações saíram para o átrio e a praça pública, e foram construídas as primeiras edificações teatrais no vice-reinado de Nova Espanha, por volta de 1535. Em fins do século XVI já existiam casas e pátios de comédia e companhias teatrais. Reconheciam-se autores como Cristóbal de Llerena, natural da atual República Dominicana e autor de um entremez inconcluso, de orientação anticolonialista, com um monstro com corpo de cavalo, cabeça de mulher, rabo de peixe e penas de ave, ou o missionário das Ilhas Canárias radicado no Brasil, José de Anchieta.
Os jesuítas trouxeram sua tradição pedagógica e inauguraram o que o historiador cubano José Juan Arrom classificou como teatro escolar: obras alegóricas sobre temas sagrados representados em latim por ocasião de festividades religiosas. E mais tarde, com a mescla de raças – somados nas Antilhas e no Brasil os negros escravos trazidos da África para substituir a dizimada população indígena –, nasceu o teatro criollo.
Com sua presença forçada, os escravos trouxeram manifestações teatrais das culturas africanas – também em desenvolvimento desigual –, ligadas a fontes rituais, que marcaram o teatro das ilhas do Caribe e do Brasil e contribuíram para o rico sincretismo de muitas expressões populares que formaram a dramatização atual dessa região.
A obra da mexicana Soror Juana Inés de la Cruz, poeta e humanista, figura de destaque das letras dos vice-reinados do século XVII e do barroco americano, revela outras coordenadas. Ela escreveu comédias de costume, uma comédia mitológica, autos sacramentais inspirados na poética de Calderón de la Barca (1600-1681) e loas nas quais enfrentou o dogma católico ao reivindicar as práticas religiosas sacrificiais dos astecas, vistas como selvagens pelos europeus.
Durante muito tempo se discutiu a origem inca da obra Ollantay, cujo texto reconhecido, escrito em quíchua, é atribuído ao padre Antonio Valdés, provavelmente em 1780, ano de um grande levante indígena. Reveladora da rigidez classista da sociedade incaica e já reconhecida como drama colonial, próximo do drama romântico europeu, Ollantay é tida como inspirada em uma fábula pré-hispânica. Recria a saga de Ollantay, um alto chefe militar que pretendia a filha do inca, Coyllur, com o que quebrou o severo código religioso-social. Com a prisão e o perdão do protagonista, depois de sucessivas vicissitudes, a obra reafirma a cultura indígena e, no contexto do século XVIII, representa uma reivindicação anticolonial.
Nascimento de um teatro popular
Por mais de três séculos, os modelos teatrais da Espanha e de Portugal marcaram o teatro latino-americano. Embora se gestassem processos libertadores depois da independência e se construíssem teatros, nos centros urbanos, que buscavam uma expressão nacional ou revelavam intenções marcadamente sociais ou políticas, não eram ultrapassados a abordagem temática e os traços costumbristas. O colombiano Enrique Buenaventura observa que “raríssimo é o caso no qual as ricas formas populares marginais que […] incluem danças, canto, música, máscaras etc. chegam a tentar autores e diretores”.
Na Argentina, em 1884, quando o circo dos Podestá, convidado a trabalhar com uma companhia italiana, representou a pantomima Juan Moreira, baseada na reconhecida novela de Eduardo Gutiérrez, deu-se um importante passo na recuperação de uma genuína raiz popular pelo conteúdo e expressão formal. Depois, ao incorporar discurso e novos personagens típicos, a montagem alcançou desenvolvimento dramático e maior desenvoltura coreográfica, até que, em 1890, se converteu em autêntico êxito, com notável repercussão social.
Assim se abriu o período do “drama gauchesco”, que converteu em intérpretes dramáticos os antigos mímicos, palhaços e trapezistas, e alcançou respaldo popular com o “zarzuelismo criollo”. Este operava uma espécie de versão local, com conventilhos e arrebaldes portenhos, dos modelos do gênero curto, e deu lugar ao “sainete portenho”, que teve em Florencio Sánchez um de seus mais notáveis autores e chegou a ser uma atração profunda.
A exploração comercial impiedosa levou o gênero à crise, até que, da linha de conteúdo dramático do “sainete portenho”, gestou-se – já avançado o século XX – o “grotesco criollo”, fundado por Armando Discépolo, tendo também Defilippis Novoa e Samuel Eichelbaum como cultores. O “grotesco criollo” abordava o drama de integração do imigrante, por meio de tramas que se desenvolviam em interiores, e desmascarava convencionalismos e conflitos íntimos de seus personagens, imersos na crise geral que vivia o país. Assim, a linha aberta pelo teatro gauchesco converteu-se em base imprescindível no teatro rio-platense contemporâneo.
Também em fins do século XIX, no meio do Caribe, nasceu, em Cuba, uma expressão mestiça e típica do sainete: o bufo, imitação dos bufos madrilenos fundida com ecos dos minstrels shows. Populista e redutor, mas oposto à estética oficial, não tardou a se chocar com o regime político da colônia, quando em plena gesta independentista, em janeiro de 1869, uma de suas representações foi utilizada para lançar uma expressão de afirmação nacional e foi massacrada pelas tropas espanholas.
Mas o bufo degenerou e morreu com o século e a transformação da ilha em neocolônia dos Estados Unidos. Seus mecanismos de comunicação prolongaram-se ao século XX no Teatro Alhambra, que o lutador anti-imperialista Julio Antonio Mella qualificou como útil “para divertir o povo de Cuba e para corrompê-lo”. Mas seus expedientes paródicos foram reapropriados uma ou outra vez e hoje são recursos de um teatro crítico em pleno período revolucionário.
Os últimos anos da ditadura de Porfirio Díaz viram nascer, no México, tentativas de crítica social por meio de uma expressão que recriou a tipologia e o folclore nacionais, superou a influência espanhola e incorporou uma atitude contrária aos Estados Unidos. Trata-se da revista política, que derivou para o reacionarismo no período de Lázaro Cárdenas, ao não alcançar uma profundidade política que lhe permitisse entender o processo de mudanças, caindo em franca decadência e degenerando em espetáculos de variedades. No entanto, é talvez uma entre muitas das raízes que sustentam formas de cabaré político desenvolvidas atualmente por artistas como Jerusa Rodríguez, Liliana Felipe e Astrid Hadad.
Teatro independente
As lutas pela independência, que haviam mobilizado a maior parte do subcontinente, conduziram à libertação política entre a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX, mas só relativamente, pois o poder imperialista instrumentou formas mais sofisticadas de domínio, e o processo para a libertação cultural tem transitado por um caminho árduo. O modelo de civilização das novas nações, marcado pela cultura ocidental e branca, acrescenta aos herdados padrões coloniais a influência dos países europeus desenvolvidos e dos Estados Unidos, como polos de poder econômico e referências de avanços tecnológicos que se expressam em sua cultura, e os projetos nacionais marginalizam expressões populares e indígenas, obrigadas a manter uma resistência subterrânea.
As primeiras expressões da dramaturgia nacional, surgidas sob o influxo da corrente romântica, estiveram marcadas pela inclinação para um teatro de costumes, que potencializou um espaço de reflexão sobre a realidade. Referindo-se à literatura dramática, afirmou Carlos Solórzano:
[…] se o teatro costumbrista desfrutou do êxito de ser uma nova forma, por repetir os mesmos tipos, costumes e formas de linguagem, carregou a semente de sua própria destruição ao começar a distanciar o teatro de uma visão mais universal dos problemas políticos e sociais. É por isso que depois da Primeira Guerra Mundial, em todos os países da região, os autores começaram a reclamar seu direito de se expressar em qualquer estilo e forma, incluída a vanguarda. Movimentos como o surrealismo, o dadaísmo e o expressionismo encontraram grande aceitação nos escritores latino-americanos.
A renovação no terreno do texto potencializou também as linguagens cênicas, a concepção do espaço e as técnicas de atuação.
Nesse contexto, e em plena crise econômica e social, nasceu na Argentina o movimento de teatro independente, quando Leónidas Barletta criou, em 1930, o Teatro del Pueblo, como reação à mediocridade cênica reinante, e com o propósito de dotar o teatro de um permanente significado sociocultural e superar a escassez de espetáculos e a baixa qualidade dos repertórios. Seguiram-no muitos outros grupos em seu país, e seu influxo estendeu-se a outros pontos da geografia latino-americana, para se cruzar com outras experiências abertamente renovadoras.
Embora um dos seus grandes continuadores – que enriqueceu artisticamente a proposta ética de Barletta –, o mestre Atahualpa del Cioppo, tenha advogado pela profissionalização do artista, uma singularidade, adotada desde então por boa parte da arte cênica latino-americana, obrigada pelas condições econômicas e sociais, é que a definição de profissional não corresponde àqueles artistas e grupos que vivem exclusivamente de seu trabalho artístico, com um salário estável. O termo costuma referir-se aos que amam e “fazem profissão” da criação cênica, com sua inteligência, talento, sensibilidade e energia.
Ao longo da década de 1930, no terreno político, afloraram importantes movimentos populares em alguns países – Nicarágua (1930), El Salvador (1932), Cuba (1933), Haiti e outros países caribenhos – ao mesmo tempo que em outros, como Brasil, México e Chile, tomaram o poder governos orientados para a defesa de interesses nacionais, e parte da América Central começou a perceber a influência do fascismo nascente na Europa. A luta de classes se agravou e os partidos socialistas e comunistas intensificaram sua atuação.
Vanguarda política, ética e artística
Em fins da década de 1950, o triunfo da Revolução Cubana – popular, anti-imperialista e que não tardaria em se proclamar socialista – irradiou para o restante do continente. O teatro assumiu uma insurgência revolucionária e uma radicalidade que se expressou na afirmação da cultura própria, e na vocação anti-imperialista e de integração latino-americana, preocupada em revelar os fatores do processo libertador. Os artistas empenharam-se em fomentar (ou criar) uma dramaturgia própria e democratizar o teatro com a formação de um público popular e uma nova maneira de se relacionar com ele.
Foi nesse contexto que a obra de Bertolt Brecht tornou-se conhecida na América Latina, quase imediatamente depois do conhecimento das teorias de Konstantin Stanislavski em torno do trabalho do ator e do papel do diretor na conformação de uma linguagem cênica. Esses fatores reforçaram a necessidade de renovação em direção a um teatro de arte, que validasse os diversos componentes da teatralidade e o impulso para uma dramaturgia que abordasse os conflitos sociais de seu entorno.
O mais importante do legado brechtiano se deu, menos na representação de suas obras – iniciada nos anos 40 no México e na Argentina, primeiro em outras línguas, por companhias de imigrantes judeus ou alemães, e estendida ao restante da América Latina nas décadas seguintes –, do que na análise e assimilação de seus pressupostos estéticos e ideológicos na prática sistemática dos grupos. Com Brecht, a leitura dos clássicos – de recorrente presença no período da modernização (1930-1950) – readquiriu um outro sentido à luz da dialética materialista e se traduziu em renovadas perspectivas de historização.
Durante os anos 60 chegou também a influência de Antonin Artaud, Peter Brook e Jerzy Grotowski sobretudo, com seus respectivos textos O teatro e seu duplo, O espaço vazio e O teatro pobre, que encontraram notável ressonância por suas proposições éticas essenciais acerca do sentido do teatro e para o trabalho do ator.
Outras figuras estrangeiras que influenciaram a arte cênica latino-americana, como o mestre japonês Seki Sano, discípulo de Stanislavski e Eugeni Vajtangov, e assistente de Vsevolod Meyerhold, que desde fins dos anos 30 visitou vários países, entre eles Guatemala, Colômbia – onde marcou o início do teatro moderno, a ponto de a sala da Corporação Colombiana de Teatro levar o seu nome – e México, país em que trabalhou durante 25 anos como diretor e formador. O diretor austríaco Ludwig Schajowicz, formado no Reinhardt Seminar, que contribuiu para o desenvolvimento de um teatro de arte em Cuba – ao fundar, em 1940, a Academia de Artes Dramáticas da Escola Livre de Havana –, estabilizou o Teatro Universitário, entre 1941 e 1946, quando viajou a Porto Rico para dirigir o Teatro da Universidade de Río Piedras. No Brasil, destacam-se o polonês Zbigniew Ziembinski, que com sua inovadora montagem de Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, inaugurou o teatro moderno, em 1943, e o crítico alemão Anatol Rosenfeld, que impulsionou notavelmente o desenvolvimento das salas de teatro.
Grupos teatrais
Foi a partir dos anos 60 que se consolidaram de grupos estáveis, herdeiros do teatro independente. Em geral dirigidos por um mestre, que une qualidades pessoais com uma singular concepção do teatro, eles seguem uma orientação ideológica e estética, interessados em encenar uma dramaturgia nacional comprometida com os problemas da realidade. Sustentam-se na defesa de uma ética de sobrevivência e de um modelo de desenvolvimento pessoal e coletivo, praticam um sistema de ensaio próprio e validam o processo de criação como fase tão importante quanto o resultado que se confronta com o espectador e, em alguns casos, incluem a convivência cotidiana.
Entre os grupos mais importantes nascidos nesse período pode-se citar La Candelaria, dirigida por Santiago García, o Teatro Experimental de Cali (TEC), dirigido por Enrique Buenaventura, o Teatro Popular de Bogotá (TPB), dirigido por Jorge Alí Triana e hoje inexistente, assim como o El Local, de Miguel Torres, e o Teatro Libre de Bogotá. O maior florescimento de grupos que de companhias na Colômbia, se deve à ausência de uma tradição de teatro comercial ou estatal.
No Brasil, o Teatro de Arena de São Paulo -- fundado por José Renato, e do qual fizeram parte Augusto Boal, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e Gianfrancesco Guarnieri – e o Teatro Oficina, dirigido por José Celso Martinez Corrêa, desempenharam um papel de vanguarda artística ligada ao compromisso ideológico desde finais dos anos 50. Tais grupos foram seguidos pelo Grupo Opinião, pelo Teatro da Universidade Católica (TUCA), pelo Teatro da Universidade de São Paulo (USP), pelos Centros Populares de Cultura (CPC) da União Nacional de Estudantes (UNE) e, depois pelo Grupo de Teatro de Ciências Sociais. Nos anos 70, Antunes Filho criou o Teatro Macunaíma e o Centro de Pesquisa Teatral (CPT), surgiu a Cooperativa Paulista de Teatro e César Vieira organizou o Teatro Popular União e Olho Vivo para trabalhar com setores marginalizados.
Embora no teatro argentino as buscas individuais de autores e diretores ocupem lugar definitivo, e os grupos costumem ter vida mais intermitente, agravada pelo impacto de sucessivas ditaduras militares, há que mencionar o Libre Teatro Libre, formado em Córdoba por María Escudero, com uma importante trajetória até 1976, quando teve que se dissolver por causa da repressão política, e, na capital, os grupos La Máscara, ETEBA e Teatro de la Fábula, entre os seguidores do Teatro del Pueblo, o IFT e outros. Em seu contexto peculiar, também logo marcado pela ditadura, no Uruguai haviam sido fundados o Teatro El Galpón, em 1949, o grupo La Máscara, em 1953 e o Teatro Circular de Montevidéu, em 1954. Depois apareceram o Teatro Uno, La Gaviota, Teatro del Centro e El Tinglado.
Em Cuba, onde existia desde 1958 o Teatro Estudio, despontaram com a Revolução grupos dramáticos e infantis em todas as províncias, subvencionados pelo Estado. Embora alguns tivessem vida efêmera, como o Conjunto Dramático Nacional, que deu lugar ao Taller Dramático e ao La Rueda, também transitórios, o Teatro Escambray e o Cabildo Teatral Santiago foram os mais notáveis nessa nova corrente. Fundaram-se também o Teatro Cubano, o Teatro Popular Latinoamericano, o Teatro Musical de La Habana, o Teatro Político Bertolt Brecht, entre outros.
Em Porto Rico surgiram grupos compostos de artistas de uma nova geração com perspectiva crítica: Teatro del Sesenta – hoje mais próximo de uma companhia comercial – e, com orientação política anticolonialista, El Tajo del Alacrán, Anamú e Moriviví, dissolvidos nos anos 70.
Na República Dominicana nasceram nessa década o Gratey, o Teatro Estudiantil, o Teatro Popular del Centro, o Nuevo Teatro e, mais tarde, a Coordinadora Colectiva de Teatro Popular.
No Chile, o Teatro Universitário, do qual se formara o Ictus em 1955, tivera um importante papel. Dele se originou o Teatro Aleph, que se exilou depois do golpe de 1973, e criou-se o Imagen.
No Peru, organizaram-se o Homero Teatro de Grillos, o Audaces, o Telba, o Yawar e o Teatro da Universidade Católica. Nos anos 70, surgiram o Cuatrotablas, o Yuyachkani, o feminista Quinta Rueda e o infantil Los Tuquitos. No Equador, foram criados o La Rana Sabia e o Los Saltimbanquis.
No México, apareceu o Tatuas, e Mario Ficachi e dois ex-membros do Galpón, Raquel Seoane e Blas Braidot, fundaram o Contigo América, em um espírito latino-americanista.
Na Venezuela, o Compás veio de 1955 e o Tilingo de 1968, e surgiram nos anos 70 o Rajatabla, dirigido pelo argentino Carlos Giménez – que dirigiu, em Córdoba, o El Juglar –, El Nuevo Grupo, Altosf, Bagazos, Contradanza, o infantil El Chichón, a desaparecida Sociedade Dramática de Maracaibo, o Theja, o Teatro Estable de Barcelona e o Teatro para Obreros.
Na Guatemala, o Grupo Diez, o Teatro Centro, Los Comediantes e o Teatro Vivo. Em Honduras, o Club de Teatro Casa de Cultura de Choluteca, o Teatro La Fragua, o Teatro Taller Tegucigalpa e o Obrero Pueblo Unido. Na Nicarágua, com a Revolução Sandinista, uma explosão de grupos invadiu o país, entre eles o Nixtayolero, o Teyocoyani, o saltimbanco Guachipilín, dos quais só sobreviveu o Taller de Actuación Justo Rufino Garay. Formou-se também o Movimento de Expressão Camponesa (Mecate), reunindo coletivos camponeses. Na Costa Rica, o Teatro Carpa, o Santamaría e o Tiempo. Em El Salvador, o Sol del Río 32. No Panamá, Los Trashumantes, o Teatro Taller Universitario, o Teatro Equipo e o Laberinto.
Grupos versus companhias teatrais
Criou-se o postulado teatro de grupo, em relação mais ou menos direta com outros conceitos como novo teatro e criação coletiva – aos quais não se agregam do mesmo modo todos os mencionados –, e geraram-se certas tensões entre texto e imagem. Manifestou-se também uma oposição à noção de companhia, definida mais em razão da produção de espetáculos, da primazia do diretor e do propósito de exploração intensiva de um repertório. A esse respeito, são úteis as definições que, com base na realidade peruana, propõe Ernesto Ráez Mendiola (1989):
Por companhia entendemos o conjunto de pessoas reunidas para uma montagem teatral específica e que não compartilham a vida teatral em outros momentos que não sejam os dedicados ao processo de montagem. Ligam-se pelo contrato específico ou não, e sua permanência se corresponde com os termos desse contrato, que pode ou não ser renovado. Há companhias estáveis, caracterizadas por um núcleo de atores e uma diretriz permanente e outro núcleo de artistas ocasionais. Geralmente existe um empresário encarregado do financiamento das montagens. O grupo, ao contrário, é um conjunto de pessoas mais ou menos estáveis, que se reúnem para fazer teatro, a partir de uma declaração de princípios compartilhada, que discutem seus objetivos e linhas de ação, e todos são responsáveis pelo destino do grupo. Compartilham os gastos de financiamento da montagem. Se chegam aos limites da convivência, chegam aos limites do Living Theatre. Em nossos países, estes são a continuação dos grupos de teatro de arte dos anos 1960.
O teatro de grupo na América Latina dialogou também com experiências como a desenvolvida pelo italiano Eugenio Barba com o grupo Odin Teatret, na Dinamarca, em torno da antropologia teatral e da noção de Terceiro Teatro, com a qual compartilhava alguns princípios éticos e profissionais. Tais experiências se converteram em uma importante referência formativa, por meio de suas difundidas demonstrações e ensaios, de materiais teóricos publicados em revistas de teatro, de participação em oficinas da Escola Internacional de Teatro da América Latina e do Caribe (Eitalc) e em sessões da International School of Theatre Antropology (ISTA). Barba e o Odin visitaram pela primeira vez a América Latina durante o Festival de Teatro de Caracas, em 1976. Foi o início de um permanente intercâmbio que, segundo Barba, se mostrou fundamental nos anos 80 para definir a identidade do Odin e, depois, cada vez mais importante para a conquista de sua resistência.
Os grupos mencionados, entre outros, relacionam-se de maneira mais ou menos criativa com alguns outros que correspondem a modos de organização mais tradicionais, de acordo com a força alcançada pelo teatro de cada país, como movimento. Que sirva a extensa relação como menção a algumas células impulsionadoras da vida teatral latino-americana nesses anos, promovidas por companhias nacionais e teatros estatais de diferentes projeções artísticas.
Em busca de novas linguagens cênicas
O alento do futuro frustrou-se com uma onda de golpes militares que começou no Brasil, em 1964, e se estendeu a Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile, em franca escalada fascista que marcou os anos 70. O teatro teve que modificar suas estratégias para sobreviver à repressão, e muitos artistas foram assassinados e outros obrigados a se exilar. Buscas de linguagem coexistiram com alternativas para burlar a censura e manter uma atividade precária.
Nesse contexto, sobressaiu a resposta do Movimento Teatro Aberto, que reuniu mais de trezentos artistas de diversas gerações e formações com o único compromisso de se referir em seus textos à problemática argentina contemporânea, com independência de estilo. Na opinião do coletivo, o teatro argentino havia processado “uma boa mescla de realismo criollo e vanguarda, de poesia e prosa, de metafísica e denúncia”. O Teatro Aberto celebrou quatro edições, nas quais incluiu até figuras oficialmente proscritas, e com a volta da democracia mudou seus rumos e encerrou suas atividades.
O retorno da democracia nos anos 80 representou apenas a recuperação da decadente ordem burguesa e a evidência da falta de projeto, o que provocou ceticismo e desorientação. Isso, unido à situação de continuada dependência, à dívida externa e à corrupção que se instaurou, provocou uma crise que chegou às formas de organização e luta políticas tradicionais. O teatro atravessou um período de confusão e insatisfação, no qual os mais comprometidos sentiram que passaram para a defensiva e que os procedimentos conhecidos se mostraram insuficientes para explicar e recriar a complexidade dos processos sociais. A arte cênica antecipou sintomas do caos que seria gerado pela quebra do bloco socialista e a crise de valores humanos e da utopia.
Da experiência coletiva daqueles grupos, nasceram outros que assumiriam – sempre com vínculo singular com seu contexto – variadas formas que compõem o universo atual do teatro latino-americano.
Na Argentina, onde – como reflexo da crise neoliberal que chegou ao fundo do poço em 2001 – são cada vez mais movediças as fronteiras entre teatro independente, oficial e alternativo, trabalham El Baldío Teatro, Viajeros de la Velocidad, El Muererío Teatro e o Teatro del Vértice (os quatro reunidos em uma aliança chamada El Séptimo, interessada na experiência de laboratório), Diablomundo, Delbúscar Teatro, La Cordura del Corpete, Periférico de Objetos, Catalinas Sur, Teatro de la Libertad, Alberto Sava e a Frente de Artistas del Borda, La Banda de la Risa, Ricardo Bartís e o Sportivo Teatral, Los Melli, La Organización Negra, Grupo Teatral Dorrego, Agrupasión Humorística La Tristeza, Los Calandracas, El Patrón Vázquez, Teatro El Cuervo, Sudestada, El Portón de Sánchez, La Noche en Vela, La Cochera, Metateatro, La Fronda, Nómade, Los Sin Cojinetes del Apocalipsis, Comedia de Hacer Arte, El Rayo Misterioso, Troupe Trueque, Galpón de las Artes e Séptimo Fuego. No Uruguai, o Grupo Ensayo, Teatro del Notariado, Teatro del Establo, La Comuna Teatro, Italia Fausta. No Chile, o Abril, El Nuevo Grupo, o Gran Circo Teatro, Teatro de la Memoria, La Troppa, La Mancha, Teatro Escuela Q.
Na Bolívia, o Casateatro e Amalilef nasceram nos anos 80. Na década seguinte surgiram o Teatro de los Andes, o Kikinteatro, e os jovens Panicum, Los Cirujas, Opsis Teatro Ditirambo e La Oveja Negra.
Na Colômbia, o Matacandelas, Taller de Artes de Medellín, o mambembe Teatro Taller de Colombia, Tecal, La Fanfarria, La Libélula Dorada, Emsamblaje Teatro, Acto Latino, Rapsoda, La Mama, Oficina Central de los Sueños, El Tablado, Mundo Teatro, a Corporación Casa de Teatro, Punto de Partida, El Juete, El Aguijón, Alcaraván e muitos mais. Na Venezuela, Rio Teatro Caribe, Naku, Delphos, o Teatro Estable de Portuguesa, Teatrela, Danzata, Purto Teatro, Caracas Roja. No Equador, El Juglar, Malayerba, Mudanzas, Ollantay, Zero no Zero, El Callejón de Agua.
No Brasil, surgiram, nos anos 70: Giramundo Teatro de Bonecos, Asdrúbal Trouxe o Trombone, Teatro do Oprimido, Teatro Ventoforte, Teatro do Ornitorrinco, Teatro dos 4, Grupo Piollin, Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, e Grupo Tapa; nos anos 80: a multiartista Denise Stoklos, Tá Na Rua, Grupo Galpão, Cemitério de Automóveis, XPTO, Pia Fraus, Lume, Boi Voador, Cia. Circo Mínimo, Os Satyros, Intrépida Trupe, e Cia.Teatro Autônomo; e a partir dos anos 90: Os Fodidos Privilegiados, Companhia Ensaio Aberto, Cia. dos Atores, Bando de Teatro Olodum, Parlapatões, Patifes e Paspalhões, Teatro da Vertigem, Grupo Folias d’Arte, Caixa de Imagens, Companhia do Latão, Cia. São Jorge de Variedades, Companhia do Feijão, Companhia Livre de Teatro, Tablado de Arruar e Grupo XIX de Teatro.
Em Cuba, desde os anos 80, nasceram o Irrumpe, Buscón, Teatro 2, Ballet Teatro de La Habana, Almacén de los Mundos, Teatro 5, Luminar, Teatro a Cuestas, Teatro Obstáculo, Teatro El Puente e Teatro en las Nubes, muitos já inativos; e Buendía, o Pequeño Teatro de La Havana, El Mirón Cubano, Jueguespacio, Papalote, DanzAbierta, Argos Teatro, El Ciervo Encantado, Estudio Teatral de Santa Clara, Vivarta, Teatro d’Dos, Teatro de las Estaciones, Teatro de los Elementos, Macubá e vários outros.
Em Porto Rico, surgiram os Teatreros Ambulantes de Cayey, já desaparecidos, Agua Sol y Sereno, Teatro Taller La Camándula, Taller de Otra Cosa, Yerbabruja e Aspaviento. Na República Dominicana, o Gayumba, Guloya, Jaqueca, Katarsis e Simarrón.
Em Honduras, o Camino Real, Ekela Itza, Frijolito, Danlidense, La Comuna e Teatro Experimental Cacharros. Na Costa Rica, o Diquis Tiquis, o Núcleo de Experimentación Teatral, Abya Yala, Quetzal, Giratablas, Ubú, Net, Contraluz, La Comedia.
Tradição e utopias versus globalização
Ao propor uma leitura do teatro latino-americano “em um contexto heterogêneo e em crise permanente”, já em fins dos anos 80, Lucho Peirano declarava que ele
vive tanto do peso de sua herança como do empenho irredutível pela utopia e, em certas ocasiões, da operatividade do ceticismo, que nos permite seguir trabalhando em um dos ofícios mais vitais e cada vez mais efêmeros que tem o ser humano.
Entre os que defendem a busca de novas linguagens, precisamente sua chancela mais legítima é a pluralidade de modos expressivos. Mas, para tentar resumir alguns signos, pode-se dizer que, em geral, excedem as vias realistas e rejeitam os discursos lineares e retóricos; experimentam com as estruturas, a linguagem e as noções de personagem. Costumam preferir reescritos e alguns criam dramaturgias espetaculares nas quais o ator joga um enorme papel criativo (com heranças sempre assumidas da criação coletiva). Incorporam as linguagens midiáticas e o conceito da montagem.
As novas vertentes assumem textos clássicos que recriam e/ou subvertem desde a fragmentação até a fusão com fontes da cultura popular e das mais variadas procedências, frequentemente não teatrais. Também experimentam com o espaço e as formas de relação com o espectador. O acento crítico vale-se amiúde da paródia, da ironia e do cinismo. Nada é novo e tudo o é. A tradição se refuncionaliza e o teatro se erige como uma nova utopia que valoriza a diferença, o singular, o cotidiano.
Continuam aparecendo, aberta ou veladamente, temas como a família, uma vez mais desconstruída e reedificada; a memória, muitas vezes por meio do horror, como prevenção ou por metáforas e parábolas profiláticas, para que determinados fatos não se repitam; a política, o questionamento da autoridade e do poder econômico; a migração e os deslocamentos humanos – fenômenos de dramática recorrência motivados por diversas causas, predominantemente do sul para o norte, do campo para a cidade e às vezes forçados pelas guerras sujas e pela violência institucionalizada –, com seus efeitos, na consciência individual, de perda e desenraizamento.
A persistência do discurso político contido nas linguagens artísticas se dá por meio de procedimentos menos diretos, mais ligados ao processamento individual, essencialmente humano, dos acontecimentos da história. O sociológico integra-se com o intuitivo. O sensorial pode ser tão efetivo como o racional, na produção de uma trajetória mais complexa e rica na recepção. A exploração sobre a identidade se converteu em reflexão sobre as identidades, entendidas cada vez mais como conceito dialético e não unívoco. O nacional pode levar em conta espaços da marginalidade social antes não legitimados e transgredir fronteiras.
O discurso feminino ocupa um espaço destacado, analisa a condição de mulher como construção social e cultural, invade o espaço público, questiona, desafia e parodia a hegemonia patriarcal, vale-se conscientemente do corpo para denunciar a violência exercida sobre ele e descobre uma nova forma de prazer na consciência física de algo que é para cada um, enraizadamente próprio e identitário, parte íntegra da totalidade humana, que se põe em risco por uma nova perspectiva política. De modo semelhante, a problemática do negro é debatida no contexto caribenho.
As formas de organização e produção também são extraordinariamente móveis e, talvez, consequência do êxodo de atores para outros meios, capazes de oferecer maior reconhecimento social e remuneração econômica. Há um fluxo maior ou mais orgânico entre o teatro e outros meios, embora permaneçam laboratórios fechados e experiências em tempo integral que exigem a exclusividade de seus membros.
Reconfiguração de signos e renovação
A arte cênica latino-americana, como parte da cultura do continente, atravessa uma época em que se têm debilitado formas de representação e organização dos tempos em que, sem abandonar sua projeção artística, poética e metafórica – “não há eficácia política sem eficácia artística”, defendia Sergio Corrieri, diretor fundador do cubano Teatro Escambray –, a criação teatral constituiu um importante espaço de debate político e ideológico sobre o destino do homem e seus ideais emancipadores. Mas, tanto no chamado “período especial”, que contraiu a vida cubana, como na crise econômica que sacudiu a Argentina, ou nos momentos de maior violência na Colômbia, floresceram mais propostas teatrais como uma maneira de afirmar a dimensão utópica do teatro como instância problematizadora que se realiza no encontro vivo.
A atriz colombiana Patricia Ariza, membro de La Candelaria e líder da Corporação Colombiana de Teatro, fala de crise e atomização do pensamento independente; o diretor e dramaturgo argentino Ricardo Bartís refere-se à estabilização das lutas tão dinâmicas que animaram o campo da linguagem nos anos 1990 com o arrefecimento das linhas mais revolucionárias. O dramaturgo, ator e diretor Arístides Vargas, diretor do Teatro Malayerba, acredita que é o momento de realicerçar os modos de trabalhar em grupo, de edificar-se e reedificar-se em experiências coletivas em nível profundo, de potencializar a poética das diferenças, de ensaiar a liberdade.
Santiago García vai muito além do teatro e aposta no espírito que subjaz em muitos movimentos populares de jovens, de mulheres, de indígenas, dos invisíveis, aos quais considera bastões de resistência cultural que, com novas estratégias e formas de organização, com base em racionalidades alternativas – contra formas de pensamento economicistas e reducionistas –, possam salvar a cultura e a humanidade. E invoca, seguindo a ideia de um antropólogo de seu país, Arturo Escobar, o surgimento de um tipo de ativismo transnacional, que supera a questão do global e do local e que sugere formas de pensar o mundo com base em localidades, fluxos e redes.
Sua montagem mais recente, NaYra La memoria, recusa fórmulas provadas e incorpora a incerteza como procedimento e como discurso. É, como diz um dos criadores participantes, uma indagação no espelho quebrado da memória, um encontro com a mestiçagem sagrada, e nessa ação de não atuar e de procurar se despojar do ofício está uma busca de renovação essencial a partir do popular, do mais autenticamente próprio, que pode estruturar a utopia de todo um movimento. O teatro latino-americano reconfigura suas estratégias e estrutura relatos nos quais o sentido político elude afirmações dogmáticas, estratégias gastas e verdades conhecidas, para propor formas de reflexão mais elaboradas, nas quais a recriação de procedimentos da cultura popular ou dos meios pode coexistir com uma boa dose de ironia e até com um pouco de cinismo; uma perspectiva questionadora que pode fundir distanciamento crítico com o absurdo e com a crueldade ou misturar o confessional e o público, que resgata valores em crise por intermédio de posições não necessariamente afirmativas. Múltiplas teatralidades, que resistem a ser reduzidas a um conjunto de características gerais, insistem, no entanto, em indagar a identidade, móvel e mutável, e em validar a memória para refletir sobre o papel do ser humano neste mundo.
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