Fernanda Gdynia Morotti (texto de atualização do verbete, 2006-2015)
Nome oficial |
República de Colombia |
Localização |
Norte da América do Sul, banhada pelo mar do Caribe entre o Panamá e a Venezuela e pelo oceano Pacífico norte, entre o Equador e o Panamá |
Estado e Governo¹ |
República presidencialista |
Idiomas¹ |
Espanhol (oficial) |
Moeda¹ |
Peso colombiano |
Capital¹ |
Bogotá |
Superfície¹ |
1.138.910 km² |
População² |
46,44 milhões (2010) |
Densidade demográfica² |
41 hab./km² (2010) |
Distribuição da população³ |
Urbana (75,04%) e |
Analfabetismo³ |
6,3% (2013) |
Composição étnica¹ |
Mestiços de brancos (84,2%), afro-colombianos (10,4%), ameríndios (3,4%), roma (<0,01%), não especificados (2,1%) (2005) |
Religiões¹ |
Católica romana (90%) e outras (10%) |
PIB (a preços constantes de 2010)⁴ |
US$ 333,2 bilhões (2013) |
PIB per capita (a preços constantes de 2010)⁴ |
US$ 6.888,2 (2013) |
Dívida externa⁴ |
US$ 91,92 bilhões (2013) |
IDH⁵ |
0,711 (2013) |
IDH no mundo |
98° e 21° |
Eleições¹ |
Presidente e vice-presidente eleitos por voto direto para mandato de 4 anos, com direito a uma reeleição imediata. Poder Legislativo bicameral composto por um Senado de 102 membros, sendo 100 eleitos num distrito eleitoral único nacional e 2 pelas comunidades indígenas; e, uma Câmara de Deputados (Camara de Representantes) composta de 166 deputados eleitos direta e proporcionalmente em distritos eleitorais plurinominais. Senadores e deputados cumprem mandatos de 4 anos. |
Fontes:
¹ CIA World Factbook
² ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Database.
³ ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision
⁴ CEPALSTAT
⁵ ONU/PNUD. Human Development Report, 2014
Depois de quebrados os laços coloniais com a Espanha, a Colômbia iniciou, como a maioria das sociedades latino-americanas, a corrida para a construção nacional, sem os antecedentes históricos do mundo continental europeu, mas com uma ideologia associada à modernidade capitalista.
Nos primórdios não havia nada definido como povo nem como território. As delimitações políticas remetiam às divisões coloniais espanholas existentes na época da independência. A partir disso, surgiu a ideia do libertador Simón Bolívar de uma nação integrada pelos territórios que, com algumas diferenças, correspondem hoje ao Equador, à Venezuela, ao Panamá e à costa ocidental da Nicarágua, que se concretizou na chamada Grã-Colômbia. Tal integração fazia parte do projeto bolivariano de maior unidade entre os povos e os espaços que foram colonizados pela Espanha.
A Grã-Colômbia dissolveu-se em 1830, e o território que depois viria a ser a Colômbia foi organizado como Estado de Nova Granada. Essa denominação mudou em 1858 para Confederação Granadina e, em 1863, para Estados Unidos da Colômbia. Em 1886, no período político conhecido como A Regeneração, liderado por Rafael Núñez e Miguel Antonio Caro, adotou-se o nome que o país tem até hoje, República da Colômbia, e outorgou-se ao Estado um caráter unitário e central.
Em 3 de novembro de 1903, a Colômbia foi amputada da porção territorial que passou a ser a República do Panamá. Tal separação ocorreu em boa parte como consequência do conflito conhecido como a Guerra dos Mil Dias (1899-1902), o último de uma sucessão de confrontos civis que caracterizaram a Colômbia ao longo do século XIX, e que opuseram os partidos e movimentos políticos, especialmente os tradicionais partidos Liberal e Conservador.
O interesse geopolítico dos Estados Unidos pelo istmo, no qual começava a construção do canal interoceânico, determinou efetivamente que a política do grande garrote do presidente Theodore Roosevelt provocasse e apoiasse a revolta separatista, um fato a mais acrescentado à infinita corrente intervencionista dos EUA. A nova República do Panamá celebrou um tratado que permitiu aos norte-americanos continuar a construção do canal interoceânico e assegurar sua exploração, e reservou para si a respectiva zona geográfica, que permaneceu sob controle norte-americano até 31 de dezembro de 1999.
Em 1911, redefiniram-se os limites com o Peru, e o país recebeu em troca extensas zonas entre os rios Putamayo e Napo e uma saída limitada para o rio Amazonas, com a qual fazem limite Colômbia, Peru e Brasil. A solução de um conflito bélico com o Peru, em 1932, ratificou essa fronteira.
Do ponto de vista da formação de um povo nacional, o longo e difícil trajeto pelo século XIX – com numerosas guerras civis e múltiplos ensaios de formas de governo – conduziu, no final do século XIX e princípios do XX, à conformação de uma comunidade política integrada por grande diversidade étnica e cultural, emergente de um mesmo passado histórico e com identidade própria. Atualmente a população colombiana representa 0,7% da população mundial (cerca de 46 milhões em 2005). É um dos países menos povoados do planeta: sua densidade demográfica de 40 habitantes por quilômetro quadrado é inferior à média mundial, o que o coloca no segundo grupo das nações menos povoadas. Mas é o terceiro país em população da América Latina, depois do Brasil e do México, e o segundo da América do Sul.
Estima-se que 75% dos habitantes vivam em núcleos urbanos, concentrados majoritariamente nas zonas andina (70%) e atlântica (22%). Em apenas quatro departamentos (Bogotá-Cundinamarca, Antioquia, Vale do Cauca e Atlântico) localiza-se a metade da população, em um território que representa menos da décima parte da sua superfície continental.
A população indígena é muito significativa: atinge cerca de 750 mil habitantes, distribuídos em 80 grupos étnicos e 11 famílias indígenas. A população negra perfaz aproximadamente 550 mil habitantes, sem incluir os afro-colombianos (com influência racial e cultural da África negra), estimados em 10 milhões de pessoas. O conjunto da população distribui-se mais ou menos em partes iguais entre os sexos (49,45% homens e 50,55% mulheres). Nos últimos vinte anos aumentou a proporção de adultos, que já ascende a mais de 50%, e reduziu-se a porcentagem de jovens (40%). A taxa da expectativa de vida é de 69,2 anos para os homens e 75,3 para as mulheres.
Essa unidade de território e povo nacionais foi concebida, no início, sob organizações jurídico-políticas de conotação federal, pois a realidade social e econômica do século XIX impunha essa tendência. Entretanto, na segunda metade do século XIX e nos primórdios do XX, colocaram-se circunstâncias que abriram espaço para uma modalidade central, ou unitária, de governo – formalizada pelas Constituições de 1886 e 1910 e conservada até hoje com poucas modificações.
Industrialização e República Liberal
No começo do século XX, a sociedade colombiana possuía uma economia mercantil simples, baseada na atividade de produtores independentes e de trabalhadores diretos sujeitos a relações pré-capitalistas. Estava inserida em uma divisão internacional do trabalho, que lhe conferia as funções de fornecedora de matérias-primas para os países metropolitanos e de mercado de bens de consumo pessoal não produzidos localmente.
No entanto, pouco a pouco, surgiram as bases de um desenvolvimento industrial incipiente, sobretudo devido a certas condições favoráveis como a mão de obra barata, os altos custos de transporte que oneravam os produtos estrangeiros, e o abandono do mercado pela Inglaterra e a Alemanha, em virtude da Primeira Guerra Mundial. Os primeiros setores da atividade manufatureira centralizaram-se em torno da produção de têxteis, cerveja e cigarros. Com o tempo progrediram outros setores indiretamente produtivos, como o transporte e o embarque de produtos, o que beneficiou a infraestrutura de comunicações e de portos.
Na década de 1920, novas circunstâncias favoreceram o processo de industrialização. A expansão da economia cafeeira, os empréstimos externos e a indenização reconhecida pelo Canal do Panamá proporcionaram à economia uma expressiva capacidade de importação de bens de capital, para alimentar a nascente indústria manufatureira.
Foi a crise mundial de 1929, porém, que abriu definitivamente o caminho para a decolagem industrial mais significativa. Diante do menor fluxo de capitais do exterior, do repatriamento dos capitais norte-americanos, da redução do valor e do volume das exportações de café, da contração da capacidade de importação e da ausência de produtos importados, surgiram possibilidades de a indústria nacional controlar o mercado interno e de retomar as condições adquiridas nos anos anteriores.
Essas circunstâncias afloraram no cenário político com a chamada República Liberal, que se estendeu de 1930 a 1946, e cuja expressão especial ocorreu durante a Revolução em Marcha, liderada pelo presidente Alfonso López Pumarejo (1934-1938 e 1942-1945). A estrutura e o funcionamento do Estado foram reorganizados, criando condições para uma série de medidas.
Em primeiro lugar, definiu-se uma política agrária voltada para a transformação da fazenda tradicional em explorações de corte moderno. As reivindicações e as organizações camponesas (em cena desde o início do século XX, sujeitas a políticas repressivas e fatos brutais como o Massacre das Bananeiras, que deu um final sangrento à greve nas propriedades da United Fruit Company, em Santa Marta, em 1928) foram capitalizadas pelo Partido Liberal no governo (1934-1938), para baixar a Lei n° 200 de 1936. Tal medida procurava essencialmente atacar o latifúndio improdutivo e favorecer a introdução de relações capitalistas no campo, mediante o mecanismo da extinção do domínio. Com o tempo, porém, instituiu-se uma jurisdição especial para dirimir os conflitos por terra e proteger até certo ponto a economia camponesa existente. Essa tendência foi contida poucos anos depois pela Lei n° 100 de 1944, criada para amparar a modalidade de exploração tradicional conhecida como aparcería.
Foi nesse período, precisamente em 1942, que surgiu a primeira organização de caráter nacional, a Federação Camponesa e Indígena, ligada à Confederação dos Trabalhadores da Colômbia (CTC). A violência bipartidária, que se agravou a partir de 1946, acabou com essa organização, e a maioria dos seus dirigentes perdeu a vida. Com o apoio da Igreja Católica e de uma nova central sindical, a União dos Trabalhadores da Colômbia (UTC), criou-se a Federação Agrária Nacional (FANAL), com uma orientação mais próxima do Partido Conservador. Estima-se que na época cerca de 2 milhões de camponeses foram deslocados e 200 mil assassinados, promovendo uma expropriação violenta de suas terras.
A resistência camponesa ocorreu em regiões muito específicas, como os Planos Orientais, Viotá, Sumapaz, o sul do Departamento de Tolima e o norte do Departamento do Vale do Cauca. Dentre os dirigentes desses anos destacaram-se Juan de la Cruz Varela, de Sumapaz, que logo se tornou membro do Partido Comunista, e Pedro Antonio Marín, conhecido depois como Manuel Marulanda Vélez ou Tirofijo (Tiro certeiro), do sul de Tolima, líder histórico da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), organizada em meados dos anos 1960.
Em segundo lugar, promoveu-se uma clara política de apoio e proteção à indústria nacional, com medidas que garantiam a livre circulação da mão de obra, a redistribuição dos recursos – com ênfase nos impostos diretos sobre a renda, o patrimônio e os bens hereditários – e a intervenção na demanda agregada mediante a destinação dos gastos públicos.
Outra medida foi o estímulo à elevação salarial para ampliar a capacidade de consumo e acelerar o processo de desestruturação camponesa. O governo de López Pumarejo aderiu à tese fundista de que seria necessário manter alto poder de compra para assegurar bom nível de consumo. Para tanto devia proceder à regularização da relação salarial e dos mecanismos de condução da conflitividade (regime sindical e de contratação coletiva). Ao mesmo tempo, devia permitir a integração político-ideológica da nascente classe operária ao regime político conduzido pelas medidas de fomento à industrialização.
Os frutos da obra liberal dos anos 1930 são perceptíveis: entre 1933 e 1938, a taxa média de crescimento foi de 10,8%, o número de estabelecimentos industriais duplicou, o produto bruto industrial elevou-se de maneira significativa, e o investimento público mais que triplicou. Esse processo de decolagem, contudo, encontrava limites, derivados da reduzida diversificação da produção, das dificuldades para ampliar a produção de bens de capital (que restringiam o aprimoramento da capacidade produtiva) e da limitada produção agrária (que forçava o gasto de divisas na importação de matérias-primas). Essas dificuldades foram agravadas pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial, que encareceram as importações de bens de capital e provocaram o fechamento dos mercados internacionais para as exportações nacionais, com as decorrentes consequências da queda dos níveis salariais e o aumento do desemprego.
Ruptura na metade do século XX
Os anos do pós-guerra são considerados o momento do grande salto para o desenvolvimento capitalista colombiano. Isso porque, depois de encerradas as limitações impostas pelo conflito bélico, foi possível direcionar as reservas acumuladas para o consumo produtivo (aquisição de bens industriais). As exportações melhoraram sensivelmente e, em consequência, a disponibilidade de divisas. A atividade industrial adquiriu, portanto, um dinamismo vertiginoso, que se traduziu numa taxa média de crescimento anual de 9,4% durante o período 1945-1953, processo que foi acompanhado pelo aprofundamento de seus traços monopolistas.
Essa situação aconteceu paralelamente à repressão profunda das lutas reivindicatórias, ao processo de descaracterização do regime democrático e ao fenômeno da violência bipartidarista no campo. Uma expressão muito clara dessa degeneração foi o assassinato do líder liberal Jorge Eliécer Gaitán, em 9 de abril de 1948, que provocou uma revolta popular conhecida como Bogotaço.
O processo desembocou no parênteses da ditadura militar de Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957). Colocando-se acima das contradições entre os setores econômicos e políticos, o governo ditatorial antecipou a pacificação e pôs um ponto final na violência liberal-conservadora, que saíra completamente dos trilhos. Firmou compromissos de paz com as guerrilhas liberais de base camponesa, realizou operações militares contra elas, e inclusive assassinou muitos dirigentes que depuseram suas armas, como o guerrilheiro dos Planos Orientais, Guadalupe Salcedo, em 1957.
Os resultados das políticas governamentais sobre o desenvolvimento econômico também foram importantes. Após o esgotamento da política de substituição da importação de bens de consumo e a consequente “fadiga industrial”, começaram as cobranças de dinamismo dos ramos produtores de bens intermediários e de capital. O desenvolvimento industrial consolidou-se e aumentou seu caráter monopolista – por volta de 1958, cerca de 70% do valor agregado fabril e 47% dos empregos estavam concentrados em apenas 367 estabelecimentos com mais de cem trabalhadores. No entanto, no setor agrário fortalecia-se a tendência prussiana de transformação das unidades latifundiárias em formas organizativas capitalistas, generalizando-se o pagamento da renda da terra.
Do lado operário, chegou ao fim a tendência organizativa que acompanhara os governos da República Liberal. Fortaleceu-se o sindicalismo economicista ancorado nas orientações da Igreja Católica e dos próprios agrupamentos empresariais, tudo isso estava sobre a base de medidas repressivas das lutas reivindicatórias e de contenção significativa dos níveis salariais.
Frente Nacional e transição democrática
O período de degeneração da normalidade democrática foi encerrado com um pacto entre os partidos tradicionais e os setores econômico-sociais que eles representavam. O acordo permitiu a restauração institucional sob o regime conhecido como Frente Nacional. Durante os dezesseis anos (1958-1974) desse regime, o acesso às funções públicas ficou reservado aos integrantes dos partidos tradicionais, mediante as regras de sua alternância na presidência da República e de distribuição paritária de todos os cargos e empregos públicos.
Do ponto de vista da economia, assistiu-se à decolagem da produção nacional para a substituição de bens intermediários e de bens de capital. Enquanto isso, o Estado empreendeu um processo de reorganização profunda, cuja maior expressão foi a reforma constitucional de 1968, que introduziu o princípio do planejamento em todos os níveis – para orientar e controlar as políticas públicas – e atribuiu importantes funções econômicas ao presidente do país.
A época também foi marcada pela incidência de vários fatos significativos, como o renascimento das lutas reivindicatórias sindicais, a Revolução Cubana, a política norte-americana da Aliança para o Progresso. Também ocorreu a conversão da antiga guerrilha liberal em movimento armado de conotação política e social, que deu origem às FARC, ligadas ao Partido Comunista, como consequência do ataque militar ao povoado rural de Marquetalia, em maio de 1964. Apareceram ainda movimentos de inspiração castrista, como o Exército de Libertação Nacional (ELN), ao qual se vinculou o sacerdote Camilo Torres Restrepo em 1965; e de inspiração maoísta, como o Exército Popular de Libertação (EPL), surgido em 1967.
Como parte das políticas da Frente Nacional, abriu-se passagem para as tendências agrárias de cunho reformista-redistributivista, e promulgou-se a Lei n° 135 de 1961, da reforma social agrária, sob a responsabilidade de uma entidade especializada: o Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incora). A lei continuou no mesmo caminho de impulsionar a consolidação capitalista no campo a partir da transformação da grande propriedade tradicional, aprimorando o procedimento de extinção de domínio e pressionando os proprietários de terras com o instrumento da expropriação. Simultaneamente, contudo, possibilitou alguns processos de distribuição e colonização de terras.
Em termos de redistribuição, o efeito foi claramente negativo, pois em nada modificou a estrutura da propriedade. Desde então, de 3% a 4% dos donos de glebas superiores a 100 hectares ocupam entre 55% e 60% da propriedade rural, enquanto a grande massa de proprietários com menos de 20 hectares (que representam cerca de 80% do total) possuem somente entre 16% e 18% da terra. Essa situação tornou-se ainda mais desigual no início do século XXI, devido à apropriação de terras pelos narcotraficantes associados a grupos paramilitares.
Anos depois da reforma social agrária, manifestou-se a contrarreforma por meio das Leis n os 4 e 5 de 1973, e mais ainda durante o governo de Alfonso López Michelsen (1974-1978), com a nova política de Desenvolvimento Rural Integrado (DRI), destinada a preservar os setores muito importantes para a oferta de bens agrários de caráter alimentício. Em 1967, essas políticas deram lugar a uma nova organização, a Associação Nacional dos Usuários Camponeses (ANUC), que se dividiu em duas linhas: a oficial e a liderada por movimentos de esquerda. Nos seus momentos de auge, essa organização promoveu tomadas de terras: mais de seiscentas em 1971.
A década de 1970 iniciou-se com a controvertida eleição do presidente Misael Pastrana Borrero, supostamente fraudulenta, pois a vontade popular favorecia o general Rojas Pinilla. Tal fato provocou, no final de 1973, a formação do grupo insurgente Movimento 19 de abril (M-19), assim denominado para associá-lo à data dos controvertidos comícios eleitorais de 1970.
Nesse período, o processo de urbanização ocorreu de forma intensa e caótica, provocando, no final dos anos 1970, grandes problemas de desemprego urbano. A principal resposta foi fortalecer o setor da construção por seu papel gerador de emprego, organizando-se para esse fim um sistema de acesso à moradia com financiamento em Unidades de Poder Aquisitivo Constante (UPAC). No espaço universitário, tomou corpo o debate ideológico-político (grupos maoístas, trotskistas e socialistas), logo sufocado por uma onda repressiva nas universidades públicas.
Após o regime restritivo da Frente Nacional, os governos de Alfonso López Michelsen e Julio César Turbay Ayala (1974-1982) passaram a dar mais ênfase à problemática do desequilíbrio urbano-regional. Inverteram a temática agrária, para apoiar a produção camponesa, de maneira que se tornasse eficiente não somente na oferta de bens alimentícios, mas também contribuísse para a contenção do processo migratório. A isso acrescentou-se a preocupação com a reforma de regime das entidades territoriais (departamentos e municípios), para aproximar a missão do Estado das instituições particulares e reorganizar a Justiça, superada pelos altos índices de ineficiência. Para tanto, formularam-se reformas constitucionais em 1968 e 1979, que não se revelaram viáveis. O debate suscitado por tudo isso afluiu para um novo enfoque das finanças públicas e para a reorganização administrativa territorial – articuladas pela missão Bird-Wiesner, principal precursora do novo regime nessa matéria, adotado pela Constituição Política de 1991.
Ainda nesse mesmo período, deram-se os primeiros passos para revisar a estratégia de substituição de importações, que presumia níveis consideráveis de proteção à indústria nacional. Reduziram-se as barreiras tarifárias, expondo os fabricantes do país à concorrência internacional. Simultaneamente, surgiram os primeiros sinais da economia informal, ligada ao narcotráfico, ao contrabando e à corrupção. Além disso, as ações do M-19 e dos demais grupos armados, como também a vitalidade dos movimentos sindicais e sociais – que chegaram a provocar em setembro de 1977 uma revolta popular em Bogotá e nos principais centros urbanos –, estimularam, no ano seguinte, a adoção de um estatuto de segurança com fortes traços repressivos.
Crise econômica e violência agravada
Na década de 1980, a Colômbia experimentou uma crise econômica e financeira de significativas proporções, associada à brusca queda do preço internacional do café, às práticas corruptas de importantes entidades bancárias e aos efeitos da recessão mundial. A crise ensejou a adoção de um drástico programa de ajuste negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que debilitou a capacidade de intervenção do Estado e estimulou o livre funcionamento das forças de mercado.
A vida no país também foi sensivelmente alterada pelo efeito catastrófico de graves fenômenos naturais – o terremoto que destruiu a cidade colonial de Popayán, em 1983, e a tragédia de Armero, em 1985, provocada por uma avalanche no Nevado de Ruiz – e pelo impacto do holocausto do Palácio da Justiça, ocorrido com a tomada do recinto pelo M-19, em 6 de novembro de 1985.
Mas foi também nessa década que o tráfico de cocaína – obtida pela transformação da matéria-prima oriunda do Peru e da Bolívia – para os EUA atingiu um nível sem precedentes. Isso acrescentou um dado novo ao agravamento da violência, com a formação de bandos urbanos de assassinos, a criação dos paramilitares e o início do financiamento das organizações guerrilheiras proveniente de impostos cobrados ao narcotráfico. O sistema de justiça, por sua vez, tornou-se ainda mais ineficiente, e uma parte importante dos sistemas político e econômico foi corrompida, enquanto constituíam-se os poderosos cartéis do narcotráfico em Medellín e Cali, os dois centros urbanos mais importantes depois de Bogotá.
Nesse ambiente de radicalização, os narcotraficantes assassinaram entre 1984 e 1990 o ministro da Justiça Rodrigo Lara Bonilla; o procurador-geral Carlos Mauro Hoyos; o diretor do diário El Espectador Guillermo Cano Isaza; e Luis Carlos Galán, candidato à presidência da República pelo Partido Liberal. Também foram mortos, com a presumida participação de setores das forças militares ou policiais, os candidatos presidenciais da União Patriótica (UP), Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo; e Carlos Pizzarro, do M-19. Houve também atentados contra o diretor do Departamento Administrativo de Seguridade (DAS); a explosão criminosa de um avião da Avianca, com 110 passageiros a bordo; e a da sede do DAS, com um saldo de mais de quinhentos mortos e enormes estragos.
Todos esses fatos resultaram em forte confrontação repressiva, durante os governos de Belisario Betancourt (1982-1986), e de Virgilio Barco (1986-1990), que restabeleceu o procedimento da extradição para os EUA, mas sem abandonar a busca de saídas negociadas para o conflito. Em 1985, chegou-se a um acordo de trégua com as FARC, cujo rompimento posterior deu origem ao processo de extermínio da UP, com um resultado de mais de 3 mil vítimas, atribuídas a grupos paramilitares em conivência com setores das Forças Armadas governamentais. Ao final da década de 1980, desmobilizaram-se dois dos mais importantes grupos, o M-19 e o EPL, além de outros, como o Movimento Quintín Lame, de formação indígena, e a Corrente de Renovação Socialista.
Em meio a essas circunstâncias, os governos da época continuaram o esforço de ordenar a administração do Estado, sobretudo no que se referia à descentralização. Nessa direção enquadram-se as reformas que instituíram a eleição direta de prefeitos e algumas formas de participação cidadã nas cidades. Tais medidas aumentaram o volume de transferências fiscais para as entidades territoriais e iniciaram as primeiras experiências de substituição de algumas responsabilidades da esfera nacional, transferindo-as para os níveis territoriais, especialmente nas áreas de saúde, educação e serviços de água e saneamento básico.
Além disso, em meio à ativação da luta guerrilheira, renasceu o movimento camponês e indígena na década de 1980, com paralisações, marchas, êxodos em massa e novas invasões de terras. Surgiu também a Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC). Todo esse processo tinha fortes ligações com organizações políticas e sociais como a UP, a A Luchar e a Frente Popular. Em 1988, a ANUC foi redefinida e voltou a liderar marchas e invasões de terras. A resposta estatal, além da repressão, foi o retorno da política agrária a partir da simples aquisição comercial das propriedades, sem a mediação de procedimentos de expropriação e sistemas favoráveis de aquisição. O novo esquema foi conservado no essencial até primórdios dos anos 1990, com a Lei n o 160 de 1993, apesar dos esforços feitos pela Coordenadoria Agrária, que integrou as principais organizações de camponeses e indígenas.
Do ponto de vista do conjunto do desenvolvimento, no entanto, foi no término daquela década, durante o governo de Virgilio Barco, que se acertaram as bases para as mudanças substanciais do final do século, reiniciando-se a liberalização da economia, que se tentava desde os anos 1970. Desta vez, sob o nome abertura econômica e definidas como graduais, as mudanças passaram a apontar para uma maior integração com a economia mundial.
Nova Carta
Como resultado dos processos de paz com alguns grupos guerrilheiros, em particular o M-19 e o EPL, a ordem constitucional passou por substancial transformação. Há tempos almejadas, essas mudanças só ganharam força no final do governo de Virgilio Barco, depois das fracassadas tentativas de plebiscito para realizá-las. A participação cidadã a favor de uma reforma da Carta Política, por meio do instrumento conhecido como a sétima papeleta, nas eleições de março de 1990, culminou com a convocação de uma Assembleia Constituinte, que obteve o aval da Corte Suprema de Justiça, com muitas controvérsias.
O resultado foi a adoção de uma nova Constituição Política em 1991, que introduziu diversas reformas sobre a então vigente desde 1986. As linhas centrais dessa Carta Constitucional consagram uma ampla e profícua declaração de direitos fundamentais e direitos de todas as gerações, a continuidade do processo de descentralização territorial, a minimização da organização do Estado, e a nova ideologia da participação comunitária e cidadã em lugar da democracia representativa. Isso significou uma virada essencial na missão do Estado, que deixou de ser responsável pela prestação direta de bens e serviços. Em seu lugar, em todos os campos introduziu-se a participação do mercado, acima de tudo a partir do reconhecimento explícito do processo de internacionalização da economia.
Nesse contexto, nos últimos quinze anos, a tendência na área da saúde vem sendo a organização de um sistema mercantil, que distingue empresas seguradoras e prestadoras. Como consequência, as unidades de caráter público são progressivamente debilitadas e liquidadas, para permitir a entrada do setor privado concentrado e monopolista, com fortes traços negativos no que se refere à cobertura real, eficiência e equidade social. No campo da educação, apesar de manter alto grau de participação pública nos níveis básico e médio, o sistema submete-se aos princípios da lógica mercantil, que estabelece as condições para a alocação de recursos estatais e, ao mesmo tempo, favorece a crescente monopolização privada da qualidade, em benefício dos estratos socioeconômicos altos. Na educação superior, tudo está orientado para a privatização e para a formação de profissionais, conforme as exigências do mercado de trabalho, em detrimento da qualidade e das verdadeiras necessidades nacionais.
A desvinculação do Estado de suas responsabilidades diretas transparece também na criação de condições para a atuação do setor privado na prestação de serviços públicos, na oferta de moradia social, na construção e condução de obras públicas, no transporte e na comunicação, além da exploração de hidrocarbonetos e outras fontes de energia.
Do ponto de vista do desenvolvimento econômico, abriu-se passagem para a política de abertura econômica, baseada nos postulados neoliberais e no chamado Consenso de Washington. Ao abrir o mercado doméstico à concorrência internacional, o governo de César Gaviria (1990-1994) apagou os poucos vestígios da estratégia de substituição de importações, com medidas de ordem cambial, de comércio externo e relações trabalhistas. No final da década de 1990, vivia-se uma recessão econômica: em 1999, o PIB reduziu-se a 4,5% negativos e o setor financeiro passou por nova e aguda crise. Os endividamentos interno e externo cresceram vertiginosamente – superaram os 80% e elevaram seu montante a mais de 50% do PIB. Paralelamente, o setor industrial, com crescimento negativo desde 1996, enfrentou uma verdadeira débâcle. O poder dos monopólios e oligopólios reforçou-se, o desemprego alcançou cifras nunca antes vistas e as exportações tradicionais cresceram pouco em relação ao significativo aumento das importações – enfim, substituiu-se o valor agregado interno pelo externo.
No governo de Ernesto Samper Pizano, eleito em 1994, o modelo de abertura experimentou uma certa pausa, mas de resultados pouco significativos, pois sua administração foi limitada devido a acusações de suposto financiamento de campanha eleitoral pelas organizações do narcotráfico, o que repercutiu em muitos setores. Essa época foi marcada por atividades criminosas impunes, entre as quais o assassinato de Álvaro Gómez Hurtado, em 1995, principal dirigente do Partido Conservador e um dos artífices da Constituinte de 1991.
Políticas agrárias
Na esfera agrária, agravou-se o conflito armado e aprofundaram-se as atividades ligadas aos cultivos ilícitos. Em meio a esse panorama, coexistem, as culturas tradicionais e um setor desenvolvido. Este último ampara-se nas políticas de substituição de importações de matérias-primas, representado pela denominada agricultura moderna (sorgo, algodão, soja, milho, cevada e arroz) e pela indústria pecuária intensiva (avicultura e suinocultura). Nas culturas tradicionais, destacam-se a do café e outras com vocação exportadora, como banana e flores, ou as que apresentam vantagens competitivas no mercado doméstico (açúcar e palmeira africana). Incluem-se ainda as culturas de produtos não exportáveis (frutas, hortaliças, tubérculos e legumes). Sem sustentação de políticas setoriais voltadas para o mercado interno, essas culturas, típicas da economia camponesa, desenvolvem-se em espaços regionais, mas vêm mostrando grande dinamismo, progresso tecnológico e uma certa articulação agroindustrial. A essas culturas acrescenta-se ainda o setor da criação extensiva de gado bovino, na fronteira agropecuária, amparada pelo latifúndio e graças à concentração da propriedade da terra. Nesse contexto, o setor agropecuário responde por uma exploração produtiva de 27,6% do território, o equivalente a aproximadamente 31,5 milhões de hectares, e representa cerca de 15% do PIB.
As novas políticas agrárias giram em torno de questões referentes às dimensões da infraestrutura básica e da moradia, às alianças produtivas, ao desenvolvimento científico e tecnológico e aos fatores produtivos e financeiros. A ênfase, no entanto, recai em determinadas zonas ou regiões, as mais ligadas às políticas de segurança pública e de controle territorial contra as organizações armadas. Delas estão ausentes quaisquer referências aos problemas de propriedade, do uso da terra, da atenção à produção camponesa e à segurança alimentar.
Os conflitos camponeses continuaram, mas se apresentaram sob novas formas organizativas e reivindicatórias. No final da década de 1990, o Conselho Nacional Camponês, que conseguiu impedir novas leis regressivas na questão agrária, e a Coordenadora Nacional Agrária, representante dos camponeses minifundiários, juntamente com as Autoridades Indígenas da Colômbia (AICO), orientaram uma mobilização pela reforma agrária, que se estendeu por cinco dias, e lideraram manifestações significativas em treze locais, mediante uma convocatória feita em setembro de 2000.
Ainda, formou-se a Associação Nacional da Salvação Agropecuária da Colômbia, a partir da Unidade Cafeeira, grupo que uniu os camponeses e pequenos produtores do setor de cultivo do café e obteve importantes conquistas quanto ao perdão de dívidas, em 1995. Integraram-se também à Associação outros grêmios de minifundiários, pequenos e médios proprietários, especificamente contra a política neoliberal de livre importação de produtos agropecuários.
Diante da gravidade dos efeitos do conflito armado, passaram a surgir organizações de camponeses deslocados e movimentos das Comunidades da Resistência, ao sul do Departamento de Bolívar. Ao mesmo tempo, apareceram as Comunidades da Paz, na região de Urabá, cujo objetivo central é proclamar sua neutralidade e autonomia ante as partes em conflito, para proteger a vida e os direitos fundamentais.
Descentralização do Estado
A virada na missão do Estado deixou para trás o velho lema contra o gigantismo da administração central nacional e a consequente necessidade de aproximar o Estado do cidadão no espaço das entidades territoriais, especialmente as municipais. A descentralização – entendida como deslocamento de competências e transferência de recursos – foi mantida, mas sob diretrizes, orientações e controles centrais muito severos. A cada dia consolida-se mais a ideia de que as entidades territoriais tampouco devem assumir a produção de bens e serviços, mas que passem a operar como correias de transmissão e instâncias de regulação do enfoque privado e mercantil nas atividades que outrora eram de responsabilidade estatal.
Tudo foi projetado para que essas entidades territoriais se servissem, necessariamente, dos recursos tributários arrecadados em cada espaço local e regional, utilizando os organismos privados como contratados ou concessionários, e também para que os próprios indivíduos e as microcomunidades contribuíssem com recursos materiais, aí incluídos os serviços pessoais para a satisfação de suas necessidades básicas, apoiados em uma ordenação e um sistema de execução que os tornassem responsáveis.
No entanto, ainda se acredita ser indispensável uma maior redução do tamanho do Estado, que se estenda além da supressão de entidades nacionais para transferir responsabilidades nos âmbitos territoriais ou ampliar a esfera do setor privado. O avanço nessa direção permanece a ponto de se ter reestruturado quase um quinto do total das entidades públicas e liquidado quase três dezenas delas, além de fundir sete ministérios, criar novas entidades e extinguir outras, com vistas a introduzir o regime mercantil em áreas como a saúde e a habitação.
Com tudo isso, desenvolveu-se um processo de reestruturação das finanças públicas, orientado para o corte de recursos, tanto os transferidos às entidades territoriais como os destinados ao pagamento da folha dos servidores públicos ou dos pensionistas. O objetivo desse processo era reduzir o aparato estatal ao essencial, para cumprir apenas as tarefas de direção, orientação, regulação e controle. O Estado, dessa forma, constitui-se no administrador e adjundicativo dos fundos públicos que, pela via da oferta e da procura, estimula a gestão privada no sentido estrito do termo, uma novidade das entidades oficiais adequadas à lógica mercantil.
Como Estado nacional, opera abertamente na direção traçada pela nova ordem global, pois não apenas segue a estratégia norte-americana predominante para conflitos, como afasta-se dos propósitos integracionistas da Comunidade Andina de Nações (CAN), ou desdenha a possibilidade de aliança oferecida pelo Mercado Comum do Sul (Mercosul), preferindo as supostas vantagens de um Tratado bilateral de Livre-Comércio (TLC) com os EUA, dada a prorrogação indefinida da concretização da Associação de Livre-Comércio das Américas (ALCA). Para tanto, compartilha a flexibilidade do mercado de trabalho, a desregulação indiscriminada dos fluxos comerciais e de serviços, a abertura ilimitada aos investimentos estrangeiros, a liberalização do capital financeiro, e a abertura interna à privatização.
A isso soma-se o complexo panorama do conflito armado e do narcotráfico, que o Estado não só não conseguiu resolver, como vem oferecendo sérias dificuldades para sua superação. De fato, durante o governo de Andrés Pastrana (1998-2002), ganhou força a tendência de negociação com o principal grupo guerrilheiro, as FARC, e, com menor intensidade, com o ELN, que viveu um processo similar sob a administração presidencial anterior, durante o governo Samper Pizano. Por múltiplas razões, contudo, entre as quais a ausência de uma política efetiva de negociação e de concepções alternativas para o Estado e a sociedade, tanto por parte do governo como das FARC, o processo de diálogo desembocou para a ruptura em 2002.
Gênese do regime autoritário
As explicações para a origem do regime autoritário que ganhou corpo sob o governo de Álvaro Uribe Vélez, iniciado em agosto de 2002, remetem a múltiplos fatores e circunstâncias. O primeiro é o agravamento da violência a que o país está submetido há décadas. Muitos tentaram esclarecer o fenômeno recorrendo a diferentes conceituações: guerra civil, violência generalizada ou guerra contra a sociedade e o Estado. O governo, ao contrário, descarta essas qualificações, para reivindicar a defesa da democracia ameaçada pelo terrorismo, negando de maneira absoluta a existência do conflito.
À parte a qualificação do conflito, o aspecto central é que essa amálgama de todos os tipos de violência remete, em última instância, a uma casualidade social, explicável, embora não mecanicamente, pelas características da ordem social vigente. Na Colômbia, como em todas as sociedades contemporâneas, existe um feixe de contradições sociais, que se expressam sob a trágica especificidade da violência histórica. O conflito armado, absolutamente descontrolado, unido à indiscutível generalização da insegurança de todos os tipos, nos campos e nas cidades, é a principal causa do retorno autoritário. O detonador foi o rompimento do processo de negociação com as FARC iniciado durante a administração Pastrana.
Durante mais de três anos, esse processo desenvolveu-se paralelamente a tentativas ambíguas de negociação com o ELN, enquanto de outro lado ampliava-se a influência das organizações paramilitares. Os pretendidos acordos não avançaram além do lugar comum e do vocabulário repetitivo, repleto de manifestações reais ou simbólicas a favor da paz, do clamor generalizado pela existência de vontades coincidentes para interromper, ainda que temporariamente, as ações bélicas e o intercâmbio de propostas a partir das quais não houve esforços eficazes de aproximação. Enquanto isso, ocorriam ações de efeitos devastadores: massacres, desaparecimentos, deslocamentos de populações, sequestros, assassinatos e atentados, exílios, destruição de bens públicos, agressões ao meio ambiente. Tudo isso diante da impotência e da esterilidade absoluta das vozes, das ações e dos símbolos contra a violência.
Nesse contexto, o ponto crucial que tornou impossível o processo empreendido foi a indeterminação a respeito da matéria em negociação. Essa indefinição estava estreitamente ligada à ausência de projetos integrais de organização social e política. Parecia não haver quem gerenciasse o Estado nem quem aspirasse administrá-lo, muito menos os grupos paramilitares, que simplesmente o substituíam, assumindo um comportamento militar.
Em nenhum momento foram apreciadas verdadeiras concepções de Estado e de sociedade, mas apenas apresentadas fórmulas, em muitos casos parciais e conjunturais, para resolver mediante reformas ou mudanças isoladas questões ou assuntos particulares, sem nenhum fio condutor orgânico.
É preciso levar em conta que as organizações subversivas expostas ao confronto paramilitar, tolerado e em determinados casos promovido pelo Estado, eram desprovidas de qualquer formulação coerente sobre o Estado e a sociedade e não possuíam nenhuma fórmula de transição para outros espaços de confrontação. Desvinculadas da problemática econômico-social e das reivindicações e conflitos nas dimensões urbana e rural e aferradas ao fato de que a negociação pudesse ser forçada pela pressão violenta, qualquer que fosse, essas organizações apelaram a fontes de financiamento socialmente inadmissíveis como o sequestro, a extorsão e o narcotráfico. Assim, avançaram de maneira progressiva pelo caminho terrorista, comprometendo indiscriminadamente a população civil e perdendo com isso suas bases de apoio.
O Estado colombiano
Outro elemento causador do regime autoritário colombiano foi a desorganização generalizada dos aparatos estatais. Entre as razões associadas ao elevado grau de ineficácia e ineficiência da máquina estatal destacam-se: a burocratização, a duplicidade de funções, a incompetência dos servidores públicos, a ausência de critérios racionais para o acesso à função pública e a permanência nela, a inexistência ou deficiência de instrumentos tecnológicos renovados de informação e comunicação, a carência de sistemas de planejamento devidamente articulados com a execução das propostas, a ausência de mecanismos idôneos de avaliação e controle, e a imprópria distribuição e gasto dos recursos públicos.
Na gestão pública colombiana, operam dois vícios inocultáveis – o clientelismo e a corrupção. O primeiro passou por diferentes momentos. Inicialmente, transitou do clientelismo tradicional, associado à velha estrutura agrária e ao bipartidarismo, para o chamado clientelismo moderno, próprio da etapa da Frente Nacional e do esquema de manutenção do monopólio bipartidário e do crescimento dos processos de urbanização. Depois, passou para o clientelismo de mercado, ou seja, as práticas de intermediação que conseguiram se implantar sob o amparo das novas instituições da Constituição de 1991.
A corrupção, o segundo vício, é definitivamente um fenômeno complexo, muito enraizado e de características maiúsculas. As estimativas feitas pelo próprio governo indicam que, em 2001, o custo da corrupção chegou a 2,24 bilhões de dólares, equivalente a 80% do déficit fiscal, ou 2,6% do PIB daquele ano. Em subornos nas compras estatais ou licitações, o custo da corrupção foi de cerca de 480 milhões de dólares e os desvios de recursos, de 1,76 bilhão de dólares.
Tudo isso, sem dúvida, erodiu indelevelmente a legitimidade do Estado em todas as suas esferas e aumentou a profunda descrença da cidadania nas instituições. Ao mesmo tempo, converteu os aparatos estatais em estruturas inidôneas para planejar ou executar planos e programas e apresentar resultados, sejam quais forem as orientações políticas governamentais.
O bipartidarismo
Em outra dimensão, um fator importante para o estabelecimento do regime autoritário foi o enfraquecimento da integração e intermediação partidária e sindical. Da rigidez e irracionalidade do esquema bipartidário que prevaleceu ao longo de quase todo o século XX, passou-se a uma crise que atomizou e debilitou ao máximo os partidos tradicionais e permitiu o surgimento de múltiplos movimentos e microempresas eleitorais, sem identidade nem função orgânica definidas. O regime político ficou, de certa forma, privado de um sistema de partidos, mesmo que imperfeito, clientelista e corrupto como o que existia.
Quanto às organizações sindicais, além de sempre ter sido muito limitadas, a amplitude das filiações reduziu-se dramaticamente, devido sobretudo às transformações da organização produtiva e à política de aniquilamento das organizações sindicais, em especial as dos servidores públicos, as únicas que conservaram alguma vitalidade reivindicatória e de convocação social. Da mesma forma que ocorre com os partidos, não existe um mecanismo de renovação da estrutura sindical em seu papel de integração e cooptação. Nesse cenário, no entanto, já começam a representar um papel significativo as organizações nascidas da ideologia da participação comunitária (as ONGs), que agrupam os cidadãos em torno de múltiplas identidades (étnicas e de gênero) ou temáticas específicas, como a paz, a defesa do meio ambiente ou do espaço público etc.
Finalmente, viveu-se, e vive-se ainda, uma crise político-ideológica determinada tanto pela mudança histórica como pela indefinição do rumo da própria crise do regime político. É certo que sob o bipartidarismo não se observavam tampouco alternativas realmente distintas, mas de alguma forma veiculavam-se diferentes propostas programáticas em um ou nos dois partidos. Apesar do baixo grau de participação eleitoral, tais proposições congregavam ideologicamente importantes setores da população, em torno de determinados dirigentes ou das tendências geralmente conhecidas como socialdemocráticas ou autoritárias de centro-direita.
Como as circunstâncias mudaram drasticamente, em virtude das alterações estruturais da fase atual do capitalismo, com ou sem conhecimento de causa, encontram-se propostas idênticas em todos os partidos e movimentos, com raras exceções. Foi devido a isso que o conteúdo da Constituição Política de 1991 pôde, sem maiores debates de fundo, introduzir as linhas centrais do novo Estado. Graças a isso, também tramitaram e foram aprovadas pelo Congresso reformas de todo tipo com o mesmo caráter, e sem maiores reações conferiram-se poderes extraordinários ao presidente da República, para que as implantasse livremente.
No que diz respeito ao futuro do regime político, a concordância é quase completa, sobretudo a partir do momento em que se desencadeou a redução armada da insurgência e o estabelecimento da chamada política de segurança democrática. Não há barreiras ou limites de concepção que permitam falar sequer de partidos em formação. E, neste contexto, a voz da oposição, paradoxalmente, foi forçada a desempenhar um papel defensivo, sem que de seus poucos porta-vozes e organizações ouvissem propostas programáticas alternativas, ainda que como parte do jogo democrático. Nela, sem dúvida, a nova época do capital produziu efeitos destrutivos, de tal modo que a responsabilidade de nenhuma maneira é imputável aos indivíduos, mas às circunstâncias históricas que o país atravessa.
Governo Uribe Vélez
Todas as condições já mencionadas conduziram, a partir de 2002, à instauração de um governo tão marcado pelo caráter autoritário como o de Álvaro Uribe Vélez, que desprezou na prática todas as alternativas de solução política negociada do conflito armado. Ao contrário, optou pela confrontação armada, a chamada política de segurança democrática, que agigantou a função presidencial frente aos demais ramos do poder público. Trata-se de um governo que tentou implantar um esquema para configurar um novo sistema de partidos e que avançou nas linhas centrais do próprio processo de mudança das missões do Estado e de vinculação estreita com os processos derivados da globalização.
A inflexão autoritária do regime político representou, como já ocorreu em meados do século XX, uma pausa que, de outra forma, colocou em recesso o ideal democrático. Não se tratava, no entanto, de uma chamada pela participação direta das cúpulas militares, mas de uma readequação que fortaleceu de maneira excepcional o braço executivo do poder público. Isso evidencia-se nas, na impossibilidade de retomada da negociação política com as organizações insurgentes, na aproximação e no acordo fáceis com os grupos paramilitares, na nova linguagem que tornou ilegítima qualquer voz que discuta a urgência da ordem e no controle midiático da informação.
Essa inflexão encontrou no presidente Álvaro Uribe um personagem que, pelas suas origens e condições, melhor representou as necessidades de mudança do regime de exceção.
O caráter excepcional do novo regime manifestou-se nos fatos, na realidade concreta de seu funcionamento, no reforço exacerbado da instituição presidencial e no exercício quase pessoal do poder, sem admitir dissensões nem competências alternativas da parte de outros braços ou instituições do poder público.
Essa característica manifestou-se quase de imediato, no início do período presidencial, com a declaração do estado de comoção interna, para conferir fundamento constitucional à estratégia de segurança democrática, adotada contra as organizações guerrilheiras e paramilitares. Para tanto, contou com uma fonte de financiamento excepcional, aceita e aplaudida quase sem discussão por todos os setores gremiais da economia, que eram seus principais e praticamente únicos contribuintes. Da mesma maneira, o presidente foi explícito ao subordinar o Congresso, advertindo-o de que teria capacidade de solicitar sua revogatória à população, caso recusasse suas formulações programáticas. Álvaro Uribe anunciou simultaneamente ao próprio Congresso e ao Judiciário as reformas necessárias, orientadas para eliminar o papel obstaculizador desses poderes nas decisões e orientações governamentais. E apresentou sua iniciativa, anunciada na campanha, de um referendo para erradicar os vícios da politicagem, do clientelismo e da corrupção.
O governo assumiu uma clara direção ideológica, em busca de um Estado comunitário. Na prática, isso significou uma efetiva incorporação da sociedade civil, sob a férrea autoridade presidencial: em primeiro lugar, nas funções repressivas do Estado e, em segundo, no desenvolvimento acelerado das tarefas agendadas da nova ordem neoliberal. Nessa orientação, se acreditava ser necessário liquidar os velhos partidos e suas práticas (a classe política associada à corrupção e ao clientelismo) e reestruturar os aparatos do Estado para torná-los eficientes.
No que diz respeito à estratégia militar e policial, o ponto central é que esse não seria um problema apenas do Estado: todos deveriam vincular-se como informantes, pagos ou voluntários, e fazer sacrifícios de toda ordem a fim de alcançar a tão desejada paz, sem permitir que se arranhasse ou se afetasse a autoridade presidencial, para que seus programas e ações tivessem consequências efetivas na vida cotidiana.
Os vícios e as imperfeições do sistema político foram considerados como o inimigo das iniquidades e injustiças sociais, sem qualquer acréscimo para uma explicação mais profunda das contradições sociais e econômicas. Corrigidas essas falhas, seria possível esperar a prosperidade; e entre os remédios para esses vícios e imperfeições, estaria o aprofundamento das orientações neoliberais, também apresentadas como propostas para os problemas fiscais que asfixiavam o Estado.
O regime político tinha, entre outros desafios, de reorganizar os sistemas eleitoral e partidário. Para atingir esse fim, colocou em marcha uma reforma política que reduziu a atomização reinante, estabelecendo limites percentuais de participação eleitoral relativamente estritos para o reconhecimento jurídico dos partidos. Isso impediria o acesso das minorias ao Parlamento. A reforma buscou ainda introduzir mais claramente o princípio da democracia interna nos partidos reconhecidos e regular melhor o financiamento estatal das campanhas, estabelecendo regras para a publicidade política e a utilização dos meios de comunicação. Previu o mecanismo de bancadas para fomentar ainda mais a consolidação dos novos partidos, a fim de tornar mais eficientes os debates, e também substituiu o sistema de quociente eleitoral pelo da cifra repartidora.
As políticas do regime tampouco deixaram de lado a organização da Justiça em duas instâncias: a primeira, estreitamente ligada à conjuntura crítica da violência e, por isso mesmo, à estratégia de segurança democrática; a segunda, orientada para satisfazer as exigências da nova fase do capitalismo, que ainda não puderam ser atendidas em virtude das vicissitudes do regime e da própria estrutura da organização judicial e do sistema normativo.
No que diz respeito à urgência da repressão às diferentes formas de violência, procurou-se legitimar a intervenção dos corpos armados e de segurança nas investigações penais, graças ao aperfeiçoamento do sistema acusatório, à reforma fiscal e à adaptação dos novos códigos penais e de processo penal. Buscou-se também incorporar, como já foi feito com a controvertida lei de justiça e paz, os mecanismos que favorecem a negociação – especialmente com os grupos paramilitares – e seu tratamento penal com altos índices de impunidade. Na segunda instância, as iniciativas reformistas pretendiam conter as tendências sociais da jurisprudência, assim como flexibilizar e privatizar o serviço da justiça.
Álvaro Uribe se reelegeu presidente com ampla maioria no primeiro turno das eleições em 28 de maio de 2006.
Reforma do Estado
A Constituição Política de 1991 era um obstáculo ao desenvolvimento da opção autoritária do regime. Com o objetivo de tornar realidade suas orientações, o governo obteve a aprovação de uma reforma que permitiu a reeleição imediata do presidente em exercício e introduziu de maneira plena o sistema acusatório em matéria penal. Além disso, modificou a Carta, para permitir a adoção de um estatuto antiterrorista, que incluiu restrições importantes à liberdade pessoal e às garantias do processo, e restabeleceu competências judiciais às autoridades militares. A Corte Constitucional declarou tal modificação inexequível, mas o governo tentou em referendo outras modificações, que foram derrotadas nas urnas. Continuou insistindo em mudanças constitucionais para limitar a ação da Corte Constitucional, especialmente no que diz respeito às ações de tutela e ao alcance de suas decisões de inexequibilidade, por acreditar que favoreceriam as tendências sociais e democráticas.
Porém, o regime não se esgotou nas tendências autoritárias e sim atendeu, com eficiência, a necessidade de aceleração das transformações inerentes à nova fase do capital, no contexto de uma limitada e reduzida economia. A esse respeito, seus principais esforços foram voltados a reduzir o tamanho do Estado, enxugar os gastos públicos, adequar o regime tributário, modificar as legislações trabalhista, de pensões e de seguridade social, abandonando definitivamente o cenário social, embora sempre proclamasse o contrário.
O regime, portanto, cooperou com esse processo estrutural que, além das reformas políticas, jurídicas e institucionais, impôs uma inversão radical na missão do Estado, buscando eficiência e eficácia ao menor custo. Para tanto, afastou-o da produção e prestação de serviços e o transformou em um agente regulador dos novos processos produtivos e definidor das novas formas de entrada de capitais, visando reestruturar o modelo de finanças públicas. Essa missão incluiu, ainda, o estabelecimento de novos mecanismos de participação e comunicação com a comunidade.
Nessa direção, o empenho na reestruturação do Estado avançou sem limitações nem barreiras, evidenciado pelas supressões, fusões e transformações de ministérios e outras entidades, e a consequente redução do quadro de servidores públicos, além da privatização das principais empresas públicas. Além de reduzir substancialmente o gasto estatal com o funcionalismo, realizar reformas para contrair os gastos com pensões, propor uma nova regulação das transferências para as entidades territoriais, insistiu-se nas reformas tributárias para diminuir os limitados ganhos da população mediante a elevação e extensão do Imposto de Valor Agregado (IVA), ampliando a base dos contribuintes e agravando os irrisórios proventos dos pensionistas.
Foi um processo avassalador, que avançou sem quaisquer resistências, sem que voz alguma se atrevesse a criticá-lo. Tudo acabou legitimado pelo lema geral de que era preciso combater a corrupção, a politicagem e o clientelismo. A justificativa para o fim de entidades estava em sua ineficiência e na suposição de alimentarem privilégios excessivos de certos servidores públicos. A razão para o aumento dos tributos estava no combate ao terrorismo. Se o gasto público para as finalidades sociais diminui, foi porque o rombo fiscal não o permitiu, além da bolha inflacionária que poderia causar. A urgência autoritária de conquistar a segurança serviu para justificar tudo. Não havia o que discutir. Quem o fizesse poderia ser visto como cúmplice ou conivente com os grupos insurgentes.
No campo da política social, o Estado abandonou progressivamente sua missão de intervenção, que pretendeu exercer em outras épocas, em meio às declarações e manifestações sobre a angustiante situação social das maiorias e a insignificância dos programas para atender o desemprego e a indigência. O que importava era a existência de mecanismos de regulação racionais para uma intervenção sábia do mercado, sem alterações nocivas provenientes do sistema jurídico ou de operadores heterodoxos, como a Corte Constitucional. A normatividade e a Justiça não podiam elevar os custos das transnacionais, não podiam modificar irracionalmente a vida das relações de troca.
Contribuíram para essa política as reformas do Instituto de Seguros Sociais, a Ecopetrol, a Telecom e a Caixa Nacional da Previdência, orientadas a introduzir modalidades não estatais de gestão. A responsabilidade não era mais do Estado, mas do setor privado (que supostamente servia à nação) e da comunidade (que deveria renunciar a seus privilégios e assumir os riscos de sócia da gestão pública). A própria Justiça deveria deixar de ser uma missão do Estado, para tornar-se um serviço financiado por seus próprios usuários, com instituições e mecanismos não necessariamente estatais.
O regime preconizava que a missão do Estado como benfeitor da sociedade, e sobretudo dos mais fracos, era uma pretensão inadmissível. Ele deveria ser, ao contrário, um regulador neutro, capaz de apelar para a responsabilidade dos cidadãos e sua cultura participativa. Educação, saúde, habitação, seguridade social, emprego e serviços públicos não são problemas do Estado, mas da própria comunidade, da intangível sociedade civil, do mercado.
A dramática questão social
Independentemente das discrepâncias técnicas sobre a metodologia analítica empregada, na Colômbia a pobreza ultrapassou em muito 60% da população e a indigência chegou a 25% dela mesmo quando as diferenças são consideradas por regiões. O coeficiente de concentração de riqueza e rendas nos anos 2000 era mais elevado do que o do final da década de 1970. Mais de 60% da população economicamente ativa encontrava-se na informalidade. A renda per capita em dólares havia caído 25% nos últimos anos. Do total de 12,2 milhões de camponeses, 10,6 milhões são pobres. Cerca de 176 mil crianças entre 7 e 17 anos trabalhavam, e muitas em condições subumanas. No início do século XXI, as taxas de desemprego aproximaram-se dos 20%, embora tenha havido uma leve melhora nos últimos anos.
O analfabetismo absoluto (maiores de 15 anos que não sabem ler nem escrever) estava, em média, em 8,4% – porcentagem essa que se elevava quando se considera o analfabetismo funcional. A cobertura da educação básica primária (porcentagem do grupo de idade que frequenta os estabelecimentos educacionais) era de 80%, variando conforme a região. A cobertura da educação básica secundária apresentava variações mais sensíveis, pois somente cinco regiões superavam a casa dos 80% e quase todas as restantes estavam pouco acima dos 40%. Na educação universitária, em 2002, o índice de estudantes chegou a 22 por mil habitantes, com a característica particular de que, diferentemente da maioria dos países latino-americanos, 58% da população era atendida por instituições privadas.
Os homicídios eram a primeira causa da mortalidade, seguidos por tumores e doenças cardíacas, embora existam diferenças significativas entre as regiões. A taxa de mortalidade infantil era de 26,3 por mil nascidos vivos, acreditava-se que a desnutrição global atinja 8,4% das crianças menores de 5 anos, e a desnutrição crônica, 15%.
No que diz respeito à saúde, segundo o Sistema Geral de Seguridade Social em Saúde, só 56,7% da população era filiada (31% pelo regime contributivo e 25,7% pelo subsidiado), ou seja, mais de 43% dos colombianos estavam desprotegidos. Além disso, a cobertura era altamente desigual: enquanto entre os 20% mais ricos da população, 3 em cada 4 pessoas eram filiadas, entre os 20% mais pobres isso somente ocorria para 2 em cada 5. A essa desigualdade somava-se a circunstância de que o grupo mais pobre sempre era o que tem menor probabilidade de ser atendido.
A cobertura dos serviços públicos era satisfatória quanto à energia elétrica, mas mostrava-se deficiente no que se refere às redes de água e esgoto, com as óbvias consequências: problemas de insalubridade pública e enfermidades transmissíveis. Além disso, como se verificava em muitas áreas, as taxas de cobertura eram altamente desiguais no território.
Quanto à violência, a Colômbia apresentava uma das mais altas taxas de homicídios do mundo. No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, a taxa de homicídios passou de 51 para 78, por 100 mil habitantes. Embora seja evidente a elevação do índice devido à violência política, os estudos mostram que esse fator representava apenas 20% do total de homicídios, o que põe em relevo a violência comum.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que apresentava um crescimento mais ou menos contínuo até 1996, entrou em franco declínio, chegando a 0,764 em 1998, o que indica uma sensível deterioração nos últimos anos.
Entraves à solução do conflito armado
Embora a orientação do governo Uribe negue a existência de um conflito (buscando com isso caracterizar a situação como uma agressão terrorista, mais em consonância com a política internacional) o certo é que a violência vincula-se às condições histórico-sociais, que são suas verdadeiras causas.
Os paramilitares entram em negociação com o governo, sob um formato jurídico-político, para tratar de sua desmobilização (lei de justiça e paz), que não corresponde às exigências internacionais da verdade, justiça e reparação. A brandura da lei culmina com alto grau de impunidade aos delitos de lesa-humanidade e aos crimes relacionados ao narcotráfico. As vítimas não são indenizadas pelos danos que lhes foram infligidos e não é possível conhecer verdadeiramente sua organização nem seus financiadores e cúmplices. Além disso, não existe garantia real de que o fenômeno do paramilitarismo desaparecerá, uma vez que poderá subsistir sob formas renovadas.
No caso das históricas organizações guerrilheiras, FARC e ELN, ao contrário, a posição do governo tem sido o enfrentamento militar, negando qualquer possibilidade de solução negociada, salvo no caso de uma rendição incondicional. Nem sequer se procura viabilizar acordos humanitários para a liberação de milhares de sequestrados, ainda que em favor deles se pronunciem importantes dirigentes políticos e mesmo a Igreja Católica. A estratégia militar, adotada com o apoio econômico, técnico e militar dos EUA, demanda enormes recursos, estimados em 4,2% do PIB para o ano de 2005.
Embora as ações governamentais tenham conseguido um êxito relativo, sobretudo do ponto de vista da sensação coletiva de segurança, a capacidade da insurgência guerrilheira não foi realmente abalada e ela, periodicamente, compromete a ordem pública. O prolongamento da guerra por um período de tempo relativamente amplo é admitido pelos analistas, com as consequências econômicas que isso representa, sobretudo para as políticas públicas de alcance social.
Mais incertas ainda são as perspectivas em relação à situação pós-conflito, depois do êxito da ação bélica ou de uma eventual, mas bastante improvável, negociação. A reconstrução das relações em vastas zonas do país e a incorporação à vida civil e política de todos os comprometidos com os grupos armados, ou seja, de amplos setores da população, colocam desafios de magnitude considerável, cuja solução exigirá recursos iguais ou superiores aos que eram destinados à guerra. A isso devem ser acrescentados os efeitos produzidos pela ausência de políticas sociais e pela exposição da economia às tendências da nova ordem global durante o lapso prolongado de vigência do conflito.
Crise da economia cafeeira
Originário da Arábia, o café teve suas primeiras sementes trazidas para a América pelos franceses, para suas colônias da Guiana e das Antilhas. Na Colômbia, foi introduzido durante o século XVII pela Companhia de Jesus, mas a primeira exportação comercial data de 1835, da região de Santander, de onde logo se expandiu para outras regiões como Cundinamarca, Tolima, Antioquia e Vale do Cauca. De uma produção limitada de apenas 30 mil ou 40 mil sacas (em1860), chegou a 600 mil sacas (no final do século XIX), graças ao incentivo dos altos preços. Logo, apesar de os preços caírem no início do século XX, na primeira década assistiu-se a um crescimento muito significativo da economia cafeeira. A participação no mercado mundial passou de 3,5% (no começo do século) para 10% (no final da década de 1920), graças a uma mudança significativa na unidade produtiva: a fazenda tradicional relativamente extensa deu lugar à exploração média e pequena, sobretudo nas regiões de Antioquia e Caldas. Em relação à produção mundial, atingiu 20% no período da Segunda Guerra Mundial e estabilizou-se em 13% nos anos 1960.
A partir de 1962, a economia cafeeira começou a ser regulada por convênios internacionais entre produtores e consumidores, que estipulavam a produção e os preços internacionais, administrados pela Organização Internacional do Café (OIC) e, internamente, pela Federação Nacional dos Cafeicultores. A OIC promoveu e manteve, durante décadas, a política de pacto ou convênio entre países produtores e consumidores, determinando os volumes que se podia exportar e os preços do produto. O pacto entrou em crise em 1989 e, em consequência, derrubou – com estardalhaço – a indústria cafeeira. Em apenas um ano (de 1999 a 2000), as entradas reduziram-se em 50%. O Fundo Nacional do Café (sistema financeiro comandado pela Federação dos Cafeicultores e pelo governo) teve de diminuir seu patrimônio em quase 1 bilhão de dólares, e suas perdas acumuladas ascenderam a 2 bilhões de dólares. Tudo isso causou um grande impacto, pois a Federação dos Cafeicultores não pôde manter seus programas sociais, ambientais e de infraestrutura nas zonas de cultivo.
Depois de um longo período em que o café foi praticamente o único produto de exportação da Colômbia e, portanto, o provedor das divisas para o desenvolvimento econômico e social, a importância do produto reduziu-se progressivamente devido à diversificação das exportações. De 1970 a 2002, o café passou de 50% do total das exportações para apenas 6%, superado amplamente por outros itens como o petróleo, o carvão, os têxteis, as substâncias químicas, a maquinaria e os equipamentos.
Como consequência dessa perda de importância, reduziram-se também a superfície cultivada e a produção do café. As exportações caíram 13%, a área cultivada decresceu 32%, a produção 28%, e o valor de suas exportações representam hoje apenas 6,4% do total exportado.
Assiste-se, assim, a uma verdadeira crise da economia cafeeira que, segundo os últimos estudos, pode excluir do mercado quase um quarto dos produtores de café. Isso teria efeitos negativos nos níveis de produção e emprego, de 0,8% e 1,96% respectivamente; no crescimento da oferta de trabalho e da informalidade; nas condições de vida nas zonas cafeeiras; no aumento da indigência e na diminuição do investimento social.
Narcotráfico
Em 1997, a Colômbia passou a ser a primeira produtora mundial de coca, superando e substituindo outros países andinos. As campanhas de erradicação, especialmente com a fumigação de glifosato, provocaram a redução da área de cultivo nos últimos anos. No entanto, a extensão real ocupada pelo cultivo não pode ser determinada, devido sobretudo às estratégias de dispersão e mobilidade da produção e à sua combinação com plantações tradicionais. Os cultivos ilícitos estão associados às atividades de transformação e de comercialização, que têm repercussão muito grande nos processos políticos e econômico-sociais, principalmente na violência.
Os dados da evolução da economia do narcotráfico, em especial os referentes à superfície cultivada e aos volumes das exportações e das entradas de divisas, evidenciam o pequeno efeito real das políticas dirigidas contra ela, apesar de a ajuda norte-americana à política antinarcóticos ter chegado a quase 1 bilhão de dólares durante a década de 1990.
Considerando esse panorama, tudo indica que as políticas postas em prática são ineficazes e que, caso consigam superar o conflito armado com a guerrilha e os paramilitares, subsistirão as causas e circunstâncias sobre as quais está edificada a atividade do narcotráfico. O Estado colombiano, por sua vez, continuará exposto às mesmas consequências monetárias, econômicas, sociais, ambientais, políticas, de emprego e de corrupção existentes atualmente. Talvez mais do que hoje, porque as medidas da política criminal, incluída a extradição, não têm o poder de impedir ou amenizar um negócio que, por suas características altamente rentáveis, pode bancar todos os custos que ele implica e, além disso, permite uma reprodução e circulação muito ampla dos seus agentes.
O regime político avança, mas não percebe os riscos que corre. A euforia autoritária impede que se apreciem as conseqüências das orientações políticas em curso. Da parte do regime político, é possível redesenhar o Estado à imagem e semelhança da orientação repressiva que exige a segurança democrática, sem maiores dissensos e com o aplauso da opinião pública, como registram todas as pesquisas. E, quanto às transformações estruturais do Estado e sua integração à globalização imperial, seguramente suas políticas e ações terão êxito.
Por mais enfraquecidos que estejam a sociedade, seus sujeitos e suas organizações sociais e políticas, e ainda que se encontrem cegos pelo “feitiço” do regime e inibidos pelo lema antiterrorista, sua passividade tem um limite objetivo, marcado pelas condições reais de existência.
Ao contrário das advertências de porta-vozes ortodoxos e das recomendações de ajuste fiscal do FMI, mais que o rombo fiscal, o que inquieta é o prejuízo social, evidenciado pela taxa de pobreza, pela desigualdade da distribuição de rendas e pelos cinturões de miséria que cercam as cidades.
É prematuro imaginar os cenários que poderão se apresentar. Por enquanto, o regime autoritário não divisa obstáculos para sua ampliação e aprofundamento, se a posição terrorista dos grupos subversivos não se modificar e se não florescerem alternativas capazes de subtrair-se ao discurso ideológico dominante, liberando-se do maniqueísmo da segurança democrática. O regime vigente tem diante de si múltiplas possibilidades de alavancagem e desenvolvimento, não isentas de ameaças, pois é certo, como já foi alertado por alguns, que o excesso de autoritarismo pode saturar a simpatia popular, o afã de unanimidade pode asfixiar toda a oposição, inclusive no âmbito propriamente democrático, e a obsessão pela segurança democrática pode continuar ignorando a pobreza e as péssimas condições de vida da população.
Em síntese, a conjuntura colombiana levou seu regime político a transitar pelo caminho do estado de exceção, sob a modalidade civil autoritária. Os limites temporais de sua transitoriedade estão ainda indefinidos. Mas, sem dúvida, os possíveis cenários que o sucederão terão a ver com a consolidação da nova missão do Estado, com a reorganização do equilíbrio entre os ramos do poder e seus diferentes aparatos, com novos sistemas de intermediação democrática, de caráter partidário ou de outra natureza, com a definição de tendências e orientações político-programáticas, enquadradas ou não no contexto da ordem global e com outras modalidades de expressão e organização dos setores populares.
Os efeitos do processo de globalização
O Estado nacional colombiano segue de maneira aberta e confessa a mesma direção do mundo imperial contemporâneo. A conjuntura interna o coloca ao lado da posição antiterrorista e assim consegue, sem dúvida, algumas vantagens e benefícios dos EUA e dos membros da comunidade internacional, que compartilham com aquele país a direção política atual do império. O governo colombiano apoiou, e apoia, sem restrições ou explicações válidas, a intervenção bélica no Iraque e comunga as mesmas posições políticas a respeito do conflito palestino-israelense.
A articulação com o império e seu principal agente, os EUA, é absoluta. Não há dúvida de que o Estado colombiano, com a ajuda eficiente de seu atual regime autoritário, assume e aceita o lugar subordinado que lhe cabe no império. É indiscutível, portanto, que, para além do conflito interno que determina o curso do regime político e das políticas estatais, a Colômbia não escapa das consequências do inexorável processo de globalização, que restringe a tradicional soberania em muitos campos, especialmente no monetário, no comercial, nas características de suas atividades industriais e agropecuárias, na qualificação e no uso de sua força de trabalho, no controle de seu território e de seu patrimônio natural e cultural, nas particularidades de sua própria ordem jurídica interna e nas suas formas de administração da justiça.Esse panorama afastará, como obsoletas, as incipientes modalidades de integração com os países da área andina (Comunidade Andina de Nações) ou de outras regiões, e afetará sua autonomia nas relações binacionais, ou multilaterais, para dar passagem às inovadoras formas de livre-comércio, como o TLC com os EUA, cuja subscrição é iminente, ou a ALCA.
Em oposição aos que avaliam as vantagens e benefícios derivados desse processo, discute-se, como em outros países, se o resultado será negativo em termos de crescimento do PIB, de distribuição da riqueza e de rendas, de modificação da injusta situação social e de geração de empregos, melhoria dos níveis salariais e proteção ambiental e cultural.
O declínio das lutas trabalhistas
Mesmo que sejam inegáveis as especificidades de países como a Colômbia, as transformações operadas na época conhecida como pós-fordista também tiveram consequências no mundo do trabalho. Esses efeitos determinaram a perda de importância do trabalho formal assalariado, pois as unidades fabris tradicionais cederam lugar às redes que agora integram múltiplos espaços e momentos da vida social. Nelas prevalecem outras formas de emprego da força de trabalho, caracterizadas pela mobilidade, precariedade, interinidade, subcontratação, ausência de vínculo patronal e relação salarial, e pelo controle a distância, com a tendência geral contemporânea de que cada vez mais se torna desnecessário o trabalho vivo sobre os elementos materiais e prevalece o trabalho de informação, comunicação e serviços.
É por isso que a realidade se afasta cada vez mais das formas tradicionais de emprego, embora de maneira obstinada se insista que será possível resgatá-las com medidas como as reformas trabalhista e tributária. As estatísticas oficiais de julho de 2005 mostravam que pela primeira vez a cifra de subempregados (trabalhadores em estabelecimentos com menos de dez funcionários, em serviços familiares ou domésticos ou por conta própria) superou os 7 milhões, o que representa uma elevação da taxa de subemprego de 33,9%, mais de 1 milhão de indivíduos no último ano. Segundo as próprias fontes oficiais, o sistema produtivo está criando mais subemprego e informalidade do que emprego propriamente dito, tudo isso como resultado da mudança produzida no conjunto das unidades fabris, dentro das quais 70% (quase 700 mil) são microempresas com menos de dez trabalhadores, a maioria delas altamente informais.
As transformações pelas quais a sociedade colombiana passou nos últimos vinte anos provocaram o declínio das tradicionais lutas reivindicatórias trabalhistas, substituídas ultimamente, tanto nas cidades como no campo, pelos protestos sociais contra a violação dos direitos humanos e o conteúdo regressivo das políticas públicas.
Seus atores principais são agora os povoadores urbanos, os deslocados pela guerra, os setores camponeses e indígenas, as mulheres, os encarcerados e as minorias étnicas e sexuais. As problemáticas mais sensíveis apresentaram-se em relação ao anseio de paz, às modificações antidemocráticas da Constituição Política e da legislação, às reformas tributárias, às negociações do TLC com os EUA, aos programas de erradicação dos plantios ilícitos com pulverizações, que afetam as condições de vida e o meio ambiente, à liquidação ou reestruturação de entidades públicas, às crises do setor hospitalar público, às mudanças do sistema educacional, à situação dos desmobilizados e deslocados, às ações indiscriminadas dos corpos armados, e ao direito de reclamar autonomia e neutralidade frente ao conflito.
(atualização) 2005 - 2015
por Fernanda Gdynia Morotti
Os governos Juan Manuel Santos
Quando foi eleito presidente pela primeira vez, em 2002, por uma dissidência do Partido Liberal, Álvaro Uribe rompeu com o bipartidarismo que dominava as disputas eleitorais na Colômbia desde os anos 1950. Reeleito em 2006, governou por oito anos consecutivos e foi coerente com a sua principal promessa de campanha: combater a violência. Afinal, durante várias décadas, os crimes perpetrados pelos cartéis do narcotráfico, pelas guerrilhas e por grupos paramilitares dominou o cotidiano colombiano. Uribe, literalmente, atacou o problema.
Assim, o viés autoritário de sua gestão e o preço pago em vidas foi alto. Como um comunicador hábil, o presidente ocupou o centro da cena política colombiana quase que exclusivamente e se manteve popular até o último dia de governo – sua aprovação ao final do segundo mandato chegou a 70%. Ele só não conseguiu dobrar a Corte Constitucional, que lhe negou uma terceira vez na presidência. Contudo, em 2014, foi eleito senador, impulsionando a vitória de vinte parlamentares de seu partido, o Centro Democrático.
No combate à violência, Uribe teve nos Estados Unidos um parceiro generoso. Segundo um relatório do Congresso norte-americano, os EUA teriam investido, durante as gestões Uribe, cerca de US$ 18 bilhões em ajuda militar. Ela foi usada, principalmente, no combate à guerrilha. Desse modo, as Farc viram seu contigente de combatentes cair pela metade e o Ejército de Liberación Nacional (ELN) foi reduzido a mínima expressão. Também houve diminuição dos grupos paramilitares.
Ainda em sua sanha antiguerrilha, Uribe invadiu países vizinhos para atacar bases inimigas, provocando graves crises diplomáticas com a Venezuela e o Equador. As relações chegaram ao limite da ruptura, até que o então recém-fundado Conselho Sulamericano de Defesa, vinculado à União das Nacões Sul-Americanas (Unasul), conseguiu intermediar os conflitos e lograr um acordo de paz.
Sem dúvida, Uribe impôs derrotas consideráveis às guerrilhas e enfraqueceu-as. Mas esse resultado é relativo quando analisado à luz de números como o dos sequestros. Segundo estudos da Universidade de La Sabana, de 2000 a 2007, foram registrados 14.676 sequestros no país. Até setembro de 2007, 1.933 pessoas ainda permaneciam reféns dos guerrilheiros, isso sem levar em conta os cerca de 1.500 prisioneiros não contabilizados nas estatísticas oficiais.
E, ao combater as guerrilhas, Uribe acertou também nas drogas, já que os guerrilheiros acabaram se envolvendo no plantio de maconha e coca. Mas não só eles, é bom que se diga, porque as drogas criaram raízes em todas as esferas da vida colombiana. E, hoje, cerca de 160 mil hectares do território são dedicados ao cultivo de maconha e cocaína, assim como as transações comerciais envolvendo narcóticos movimentam anualmente US$ 20 bilhões. Tamanha força em dinheiro se traduz em poder de barganha, influências e benefícios em todas as instituições, inclusive as do Estado.
Além disso, o presidente reformou o sistema político, que se tornou mais plural, superando de vez o bipartidarismo e enfraquecendo os dois partidos mais tradicionais do país, o Liberal e o Conservador. Já a economia registrou um crescimento médio de 5% ao ano, a inflação permaneceu controlada e o consumo interno prosperou, bem como as exportações. Porém, o bom momento da economia não se refletiu na criação de empregos. Nos grandes centros urbanos, principalmente, a massa de excluídos sociais permaneceu significativa.
Ao ver barrado o seu pedido para concorrer ao terceiro mandato, Uribe abriu espaço para aquele que sempre foi o seu segundo homem em comando e que, ao longo de seus oito anos de governo, ocupou diferentes ministérios: Juan Manuel Santos. Eleito em 2010, Santos deixou claro que considerava a etapa do governo Uribe cumprida. Era hora de a Colômbia ingressar numa nova fase política, em sua opinião. Assim, a luta contra a violência permaneceria, mas a prioridade, então, seria um processo de pacificação interna e externa.
Em seu governo, entrou em vigor o Tratado de Livre-Comércio com os Estados Unidos, assinado ainda no governo Uribe. No primeiro ano de vigência do acordo, o intercâmbio com os EUA aumentou em 20%. A influência norte-americana sempre foi forte na Colômbia, que relegava a relação com os vizinhos continentais a um segundo plano. Mas o governo Santos mudou essa dinâmica. O comércio com o Brasil, por exemplo, teve um incremento significativo. A Colômbia estava rompida com a Venezuela desde o fim da gestão Uribe. Contudo, logo depois da posse, Santos procurou o então presidente venezuelano Hugo Chávez e normalizou a relação entre os dois países. E a tímida participação colombiana na União das Nações Sul-Americanas (Unasul) também prosperou.
No entanto, a prioridade fundamental de Santos foi o acordo de paz com as FARC, cuja negociação tem sido realizada em Havana, capital cubana. As primeiras conversas aconteceram em 2013, ainda durante o primeiro mandato de Santos, e prosseguem em 2015. E dos cinco pontos da agenda de negociação, as partes já chegaram a um acordo sobre três delas: reforma agrária, a representação política das FARC e as drogas e cultivos ilícitos.
Estão em negociação, ainda, a reparação às vítimas e a entrega das armas. As FARC anunciaram um cessar-fogo unilateral em 2014 e fizeram um pedido público de perdão às vítimas da guerrilha. Por outro lado, Santos também reconheceu a responsabilidade do Estado relacionada a violações dos direitos humanos ocorridas em meio século de conflito armado. Por fim, a ELN, numa carta aberta publicada em setembro de 2014, também se mostrou disposta a negociar a paz.
Contudo, Uribe usou as negociações com as FARC para romper com Santos. Justificou sua posição pelo fato de que o presidente, no seu entender, se dobrava à vontade dos guerrilheiros. Uribe fundou seu próprio partido, o Centro Democrático, e se tornou a principal voz oposicionista. Nas eleições de 2014, Santos concorreu à reeleição tendo como principal opositor o candidato do Centro Democrático, Óscar Iván Zuluaga Escobar, um ex-ministro de Uribe.
Prometendo suspender a negociação com as FARC assim que fosse eleito, Escobar venceu o primeiro turno com ligeira vantagem sobre Santos. No entanto, o presidente costurou uma aliança política com os candidatos derrotados e acabou vencendo por pouco no segundo turno, numa eleição que registrou 60% de abstenções.
Neste segundo mandato, Santos busca créditos para a reparação das vítimas do conflito. Até o início de 2015, 8.210 pessoas figuravam no Registro Único de Vítimas. Desse modo, a Colômbia tornou-se o primeiro país do mundo a reparar os camponeses expulsos de suas terras pela guerrilha. O governo já iniciou a entrega de terras, começando a atender parte dos 55 mil pedidos de restituição.
A comissão de paz do Congresso colombiano calcula que terão de ser investidos em todo esse processo, nos próximos dez anos, cerca de US$ 45 bilhões. E os Estados Unidos anunciaram uma ajuda de US$ 160 milhões, por meio da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internaciona (Usaid). Já o Banco Alemão de Desenvolvimento ofereceu um crédito de US$ 100 milhões.
Dados Estatísticos
Indicadores demográficos da Colômbia
1950 |
1960 |
1970 |
1980 |
1990 |
2000 |
2010 |
2020* |
|
População |
12.000 |
16.006 |
21.345 |
26.935 |
33.307 |
39.898 |
46.445 |
52.379 |
• Sexo masculino (%) |
49,78 |
49,79 |
49,81 |
49,78 |
49,61 |
49,34 |
49,21 |
49,08 |
• Sexo feminino (%) |
50,22 |
50,21 |
50,19 |
50,22 |
50,39 |
50,66 |
50,79 |
50,92 |
Densidade demográfica |
11 |
14 |
19 |
24 |
29 |
35 |
41 |
43 |
Taxa bruta de natalidade |
47,41 |
43,88 |
34,62 |
30,33 |
26,34 |
21,98 |
18,9* |
16,10 |
Taxa de crescimento |
2,84 |
2,96 |
2,34 |
2,21 |
1,87 |
1,58 |
1,29* |
0,96 |
Expectativa de vida |
50,64 |
57,94 |
61,75 |
66,85 |
68,66 |
71,68 |
73,9* |
75,90 |
População entre |
42,66 |
46,38 |
45,84 |
40,85 |
36,57 |
32,84 |
28,76 |
25,40 |
População com |
3,40 |
3,20 |
3,43 |
3,83 |
4,27 |
4,73 |
5,62 |
8,0 |
População urbana (%)¹ |
32,70 |
45,03 |
54,82 |
62,12 |
68,28 |
72,08 |
75,04 |
77,77 |
População rural (%)¹ |
67,30 |
54,97 |
45,18 |
37,88 |
31,72 |
27,92 |
24,96 |
22,23 |
Participação na população |
7,15 |
7,26 |
7,42 |
7,40 |
7,48 |
7,58 |
7,79 |
7,92 |
Participação na população |
0,475 |
0,529 |
0,578 |
0,605 |
0,626 |
0,651 |
0,672 |
0,679 |
Fontes: ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Database
¹Dados sobre a população urbana e rural retirados de ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revisio
* Projeção. | ** Estimativas por quinquênios. | *** Inclui o Caribe.
Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados indicada.
Indicadores socioeconômicos da Colômbia
1960 |
1970 |
1980 |
1990 |
2000 |
2010 |
2020* |
|
PIB (em milhões de US$ a |
… |
… |
… |
147.218,5 |
192.491,2 |
287.018,1 |
... |
• Participação no PIB |
… |
… |
… |
5,56 |
5,38 |
5,77 |
... |
PIB per capita (em US$ a |
… |
… |
… |
4.419,9 |
4.824,3 |
6.179,3 |
... |
Exportações anuais |
… |
727,7 |
3.986,3 |
7.079,0 |
13.759,6 |
40.815,8 |
... |
• Exportação de produtos |
… |
8,0 |
19,6 |
25,1 |
32,5 |
23,9 |
... |
• Exportação de produtos |
… |
92,0 |
80,4 |
74,9 |
67,5 |
76,1 |
... |
Importações anuais |
… |
… |
4.283,4 |
5.108,0 |
11.089,6 |
38,475,3 |
... |
Exportações-importações |
… |
… |
-297,1 |
1.971,0 |
2.670,1 |
2.340,6 |
... |
Investimentos estrangeiros |
… |
… |
51,1 |
484,0 |
2.111,1 |
-146,6 |
... |
População Economicamente |
... |
... |
8.381,625 |
12.350.892 |
18.224.961 |
23.006.776 |
27.512.105 |
• PEA do sexo masculino (%) |
... |
... |
70,67 |
65,09 |
58,63 |
57,03 |
55,60 |
• PEA do sexo feminino (%) |
... |
... |
29,33 |
34,91 |
41,37 |
42,97 |
44,40 |
Taxa anual de desemprego |
… |
… |
… |
... |
... |
12,70 |
... |
Gastos públicos em |
… |
… |
1,73 |
... |
3,51 |
4,83 |
... |
Gastos públicos em |
… |
… |
... |
... |
4,68 |
5,00 |
... |
Dívida externa total |
… |
… |
6.805,0 |
17.992,9 |
36.129,9 |
64.723,4 |
... |
Analfabetismo |
… |
... |
... |
... |
... |
6,60 |
... |
• Analfabetismo |
… |
... |
... |
... |
... |
6,70 |
... |
• Analfabetismo |
… |
... |
... |
... |
... |
6,50 |
... |
Matrículas no |
… |
3.286.052 |
4.168.200 |
4.246.658 |
5.221.018° |
5.084.972 |
... |
Matrículas no |
… |
750.055 |
1.733.192 |
… |
3.568.889° |
5.079.732 |
... |
Matrículas no |
… |
85.560 |
271.630 |
487.448 |
934.085° |
1.674.420 |
... |
Professores |
… |
139.995 |
252.652 |
… |
469.041 |
… |
... |
Médicos |
5.970 |
9.299 |
16.600 |
30.743 |
49.406 |
75.008 |
... |
Índice de Desenvolvimento |
… |
… |
0,557 |
0,596 |
0,655 |
0,706 |
... |
Fontes: CEPALSTAT
¹ Calculado a partir dos dados deGlobal Health Observatory da Organização Mundial da Saúde
² Fonte: UNDP. Countries Profile
* Projeções. | ** Se incluem as reexportações no ano 2010. | ° A partir do ano de 1998 os dados de matrícula passaram a ser calculados segundo nova classificação, sendo os dados até 1997 não estritamente comparáveis com os dados dos anos seguintes.
Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados ou no documento indicado.
Mapas
Bibliografia
- GRAN ATLAS Y GEOGRAFÍA DE COLOMBIA. Bogotá: Intermedio, 2004.
- INFORMES Y ESTUDIOS DEL BANCO DE LA REPÚBLICA DE COLOMBIA, vários anos.
- INFORMES Y ESTUDIOS DEL DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTADÍSTICA (DANE). República de Colombia, vários anos.
- INFORMES Y ESTUDIOS DEL INSTITUTO DE INVESTIGACIONES ALEXANDER VON HUMBOLDT, Colombia.
- INFORMES Y ESTUDIOS DEL PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESARROLLO, (PNUD), vários anos.
- NUEVA HISTORIA DE COLOMBIA. v. 8. Bogotá: Planeta, 1989.