Arena, Teatro de

O Teatro de Arena de São Paulo foi uma das primeiras companhias do Brasil a pôr em prática um projeto moderno de coletivização da criação cênica e dramatúrgica com vistas a uma pesquisa contínua da representação da sociedade brasileira. Entre 1953 e 1971, a companhia foi responsável pela disseminação de uma renovação teatral sem precedentes, com a valorização do autor e dos temas inerentes à realidade brasileira, abordados com ênfase nos contextos sociais e políticos, mediante o questionamento do modelo europeu de interpretar e encenar, assim como da adoção de formatos diversos de relação com o público – com base no espaço da arena (como o próprio nome da companhia explicita), no qual os atores são circundados pelo público, e que se presta tanto à produção naturalista como à narratividade do picadeiro circense ou à roda do espetáculo de rua.

O grupo teve origem na primeira turma de atores formados pela Escola de Arte Dramática (EAD), liderada por José Renato. Com a montagem de Esta noite é nossa, de Stafford Dickens, José Renato lançou a Companhia Teatro de Arena de São Paulo em 11 de abril de 1953. A peça foi encenada num salão do Museu de Arte Moderna (MAM), então instalado num prédio do centro de São Paulo.

O Arena nasceu como um TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) econômico, no dizer da historiadora Maria Thereza Vargas, numa alusão ao projeto de conciliar teatro de arte e perspectiva comercial. No início, seguindo os moldes de uma jovem companhia convencional, encenou autores estrangeiros, como Luigi Pirandello e Tennessee Williams. Em fevereiro de 1955, o espetáculo A rosa dos ventos, de Claude Spaak, sob direção de José Renato, inaugurou o espaço onde atualmente funciona o Teatro de Arena Eugênio Kusnet, uma antiga loja desativada na rua Teodoro Baima, na região central. Na época, havia 144 lugares em arquibancadas inteiriças, com almofadas. No centro, o “palco” tinha cerca de quatro metros de diâmetro. Atualmente, após reformas, a configuração é de uma semiarena com 98 lugares.

O projeto estético começou a incorporar um recorte político com a chegada de Augusto Boal, em 1956, que vinha de um estágio nos Estados Unidos, onde estudara dramaturgia com John Gassner. E se acentuou, no mesmo ano, com a chegada dos integrantes do Teatro Paulista do Estudante (TPE), grupo amador politizado que tinha como orientador o italiano Ruggero Jacobbi. Entre os artistas oriundos do TPE estavam Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, ambos filhos de militantes do Partido Comunista e jovens forças do teatro de esquerda estudantil. Além do conhecimento de dramaturgia, Boal trazia sua experiência de estudo das técnicas de interpretação realistas norte-americanas, marcadas pela influência do Actor’s Studio. Em pouco tempo o Arena criou um “laboratório de interpretação” em que Boal deu os primeiros passos na apropriação local do método de Konstantin Stanislavski – trabalho que, por vias indiretas, influenciaria as técnicas de Teatro do Oprimido, sistematizadas anos depois.

Teatro nacionalista

Aquele era um momento de crise financeira para o conjunto. O elenco dispersou-se. O teatro foi alugado a outras produções. Dava-se como certo o encerramento das atividades. Mas houve, então, uma solução caseira: a montagem de Eles não usam black-tie , texto de um dos atores do grupo, Guarnieri. O espetáculo estreou em fevereiro de 1958, com direção de José Renato e trilha de Adoniran Barbosa. Introduziu o universo da classe operária nos palcos; deu-lhe representação histórica. Foi o ponto de mutação para uma dramaturgia de tons nacionalistas, com personagens dramáticos, enfim, brasileiros.

O elenco era composto de atores que se tornariam referências históricas para o teatro do país: Chico de Assis, Eugênio Kusnet, Flávio Migliaccio, o próprio Guarnieri, Lélia Abramo, Milton Gonçalves, Miriam Mehler, Nelson Xavier, Vianinha, entre outros. Eles não usam black-tie deu início à fase de ascensão do teatro brasileiro. O Arena passou a realizar um seminário permanente de dramaturgia com doze integrantes, a maioria principiante na escrita para teatro. Realizaram-se leituras e debates. José Renato ampliou esse horizonte com um estágio no Teatro Nacional Popular da França, o lendário TNP, comandado por Jean Vilar.

Surgiram então obras como Chapetuba Futebol Clube (1959), de Vianinha, e Revolução na América do Sul (1960), de Boal. Cada vez mais se tentava incluir a perspectiva marxista e comunista no fazer teatral. Tais trabalhos de certo modo pressentiam a instabilidade civil na qual o Brasil mergulharia a partir de 1964, com o advento da ditadura militar. No ano anterior, porém, o Arena pôs em prática a chamada “nacionalização dos clássicos”, um apelo à metáfora universal para expor o lixo do quintal. Ocorreram encenações de Boal para A mandrágora, de Maquiavel, O noviço, de Martins Pena, O melhor juiz, de Lope de Vega, e Tartufo, de Molière.

Nelson Xavier, Flávio Migliaccio e Milton Gonçalves na peça Chapetuba Futebol Clube, do Teatro de Arena, em 1959 (Hejo/Cedoc-Funarte)

Entre 1965 e 1967, período posterior ao golpe de Estado e anterior ao endure­ci­mento do regime ocorrido em 1968, fo­ram­ à cena grandes musicais: Arena con­ta Zumbi, Arena canta Bahia e Arena conta Ti­radentes. O espetáculo Primeira feira paulista de opinião (1968), dirigido por Boal, foi considerado “um ato de rebeldia e desobediência civil”, nas palavras da atriz Cacilda Becker, então presidente da Comissão Estadual de Teatro, que via no projeto um posicionamento da arte contra a censura. Para se ter noção da gravidade do momento, em julho de 1968 o grupo de extrema direita Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiu e depredou o teatro Galpão (atual Ruth Escobar), espancando o elenco de Roda viva, peça de Chico Buarque dirigida por José Celso Martinez Corrêa.

O espetáculo Primeira feira paulista de opinião reunia textos curtos de Guarnieri (Animália), Jorge Andrade (A receita), Plínio Marcos (Verde que te quero verde), Lauro César Muniz (O líder), Bráulio Pedroso (O sr. doutor) e do próprio Boal (A lua muito pequena e a caminhada perigosa). Na trilha sonora, composições de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Sérgio Ricardo, Edu Lobo, Ary Toledo e Carlos Castilho.

Na reta final das atividades, o Arena criou um Núcleo Dois e revisitou Bertolt Brecht duas vezes: com A resistível ascensão de Arturo Ui, encenado por Boal, e Círculo de giz caucasiano, por Luiz Carlos Arutin, ambos em 1970. As derradeiras produções lançaram um olhar sobre os povos da América Latina. Boal concebeu e dirigiu Arena conta Bolívar (1970), que foi apresentada nos Estados Unidos, no México e no Peru. No ano seguinte, o encenador partiu para o exílio. A criação coletiva Doce América, Latino-América (1971), dirigida por Antonio Pedro, chancelou a despedida do grupo.

Reativação

O prédio do teatro foi fechado em 1972. Reabriu em 1977 como um palco federal, propriedade do Serviço Nacional de Teatro (SNT), equivalente à atual Fundação Nacional de Arte (Funarte), órgão do Ministério da Cultura. O espaço foi rebatizado Teatro Experimental Eugênio Kusnet, mas vingou mesmo como Teatro de Arena Eugênio Kusnet, homenagem ao ator e teatrólogo russo Kusnet (1898-1975), considerado introdutor no Brasil do método Stanislavski.

No final dos anos 1980, Chico de Assis coordenou a reativação do seminário de dramaturgia. Na década de 1990, o Arena passou a ser ocupado em regime de residência temporária por coletivos como a  Companhia do Latão, Círculo dos Comediantes, Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, Companhia São Jorge de Variedades, Grupo Isla Madrasta, Companhia Bonecos Urbanos, Companhia Livre de Teatro, Companhia Andarilhos, Núcleo Cênico Arion e Grupo Canhoto Laboratório de Artes da Representação. A despeito dos ventos da história, das reformas encabeçadas por cenógrafos como Flávio Império e J. C. Serroni e, sobretudo, a despeito da efemeridade do ato teatral, a memória impregna o espaço físico e faz pulsar vida no pequeno edifício da metró­pole. 

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