Pensamento social

No primeiro tomo da coleção La teoría social latinoamericana, coordenada por Ruy Mauro Marini e Márgara Millán, o autor assinala que o pensamento social corresponde à reflexão de uma sociedade sobre si mesma. Expressa projetos de classes e grupos que lutam por sua hegemonia e dominação em determinadas formações sociais. Quando o grau de desenvolvimento e diferenciação social dessas ainda é embrionário, a mesma coisa acontece com o pensamento social, que tende a justificar a ordem vigente apoiando-se em fatores externos ao plano das relações sociais, como a religião, a raça e a geografia. Tal pensamento só atinge sua maturidade quando busca, nesse plano, as bases da organização social.

Isso ocorreu a partir da Revolução Industrial – fundamento tecnológico do modo de produção capitalista –, que impulsionou a complexidade do sistema mundial e de suas formações sociais, amadurecendo o pensamento social e, ao mesmo tempo, suas divergências internas, relacionadas às lutas de classes. Nos países centrais, esse processo levou ao desenvolvimento da economia política burguesa por Adam Smith e David Ricardo, sua evolução para o marxismo, e à criação de diversas ciências sociais (sociologia, economia, ciência política, história, antropologia e relações internacionais). A reação conservadora ao marxismo se estabeleceu com a pretensão de independência e autonomia metodológica dessas ciências para desautorizar a reconstrução do conjunto das relações sociais via pensamento e prática política. A perspectiva transformadora, por sua vez, afirma a globalidade do pensamento ao integrar, metodologicamente, suas várias disciplinas num único projeto de ciência social, reconhecendo, nesse âmbito, suas individualidades, e estabelece as reformas e/ou revoluções sociais como parte de seus objetivos.

Inscrita como colônia, desde o século XVI, no sistema-mundo criado pela Europa ocidental, a América Latina só desenvolveu um pensamento social capaz de proporcionar um conhecimento sobre si mesma, e sobre o próprio sistema mundial, a partir das lutas pela independência e da diferenciação de sua estrutura social – expressa na formação do proletariado –, promovida pela expansão do capitalismo. Da independência da região se afirmou um pensamento, manifesto na forma radical do hispano-americanismo de Simón Bolívar e na versão inicial do latino-americanismo de José Martí, que se definiu por:

  • explicar a originalidade e o atraso da região com base nas suas relações de subordinação ao imperialismo ibérico ou estadunidense e da reprodução da economia colonial, de suas relações sociais e mentalidades;
  • buscar as formas políticas, sociais e econômicas para superar esse quadro na redefinição das relações sociais internas – com destaque para a erradicação do escravismo e da servidão – e internacionais dos países latino-americanos, mediante processos de integração desses Estados – decisivos para sua afirmação nacional;
  • propor a formação de uma identidade nacional e regional na integração social e cultural entre brancos, índios e negros, capaz de impactar as relações internacionais e contribuir para a solidariedade entre os povos. 

 

O latino-americanismo foi fundador do pensamento social da região, pois, no século XIX e início do XX, os pensamentos liberal e conservador permaneciam atados à preservação das formas de trabalho escravistas ou semi-servis e à lenta transição ao assalariamento, que os vinculava aos determinismos raciais e geográficos para explicar nossa especificidade e atraso.

Convém diferenciar latino-americanismo de pensamento social latino-americano. Este engloba vários outros enfoques e representa a reflexão de diversas classes e grupos sobre a região que tem origem em suas bases societárias internas e expressam sua especificidade econômica, política, social, cultural e/ou ideológica. Mas, quanto mais vinculado à dependência e à subordinação internacional, menor será a sua potencialidade e capacidade de afirmação. Inversamente, quanto menos vinculado à dependência e à subordinação, maior será a potencialidade e a qualidade da contribuição de nosso pensamento ao saber mundial. O conhecimento da América Latina de si própria é também o de seu lugar no sistema-mundo de que faz parte. A originalidade e a criatividade do pensamento social latino-americano são universais e fontes de inovação e de reinterpretação do saber sobre a própria mundialidade.

O latino-americanismo, por sua vez, ao buscar a superação da subordinação internacional de nossa região, representa a fonte de maior potencialidade e fecundidade de nosso pensamento. A afirmação de nossa subjetividade e a redefinição de nossas condições objetivas de existência mundial estão profundamente ligadas. Ele desvela os paradoxos de nossa inserção mundial e lança novas luzes sobre as contradições do próprio sistema mundial capitalista que se quer superar. Parte das lutas pela independência para desenvolver-se, na década de 1920, nas obras de autores como José Carlos Mariátegui ou Ramiro Guerra, e encontrar sua forma mais avançada na teoria da dependência, dos anos 1960 e 70, e em seu desdobramento, posterior, para o enfoque do sistema-mundo.

Ao afirmar sua originalidade, o pensamento social latino-americano não se aparta daquele desenvolvido em outros lugares, em particular, nos países centrais. Marxismo, weberianismo, positivismo, socialismo, nacionalismo, liberalismo, conservadorismo – todas essas referências são apropriadas, reelaboradas e desenvolvidas, expressando a afirmação cultural e científica latino-americana no sistema-mundo. Foi principalmente a partir da segunda metade do século XX que nosso pensamento se projetou para ganhar dimensão mundial. As fases de sua elaboração e os paradigmas em torno dos quais se formaram suas principais contribuições são apresentados no decorrer deste ensaio.

Contexto do nacional-desenvolvimentismo

As condições que levaram à afirmação do pensamento nacional-desenvolvimentista na América Latina, nos anos 1940 e 1950, foram estabelecidas na década anterior, com a completa exaustão da hegemonia britânica. Durante essa hegemonia, desenvolveu-se a divisão internacional do trabalho e a extensão da economia mundial. Os países centrais concentraram-se na indústria, e os periféricos, na agricultura, mineração ou em produtos de origem animal, para fornecer insumos capazes de baratear, nos primeiros, os custos da força de trabalho e do capital constante (maquinarias, matérias-primas, combustíveis etc.). Esse processo organizou-se por meio do imperialismo de livre-comércio, que combinou neocolonialismo e a ideologia da livre-concorrência. A América Latina, que desde a década de 1820 alcançou sua independência – excetuando-se os casos de Cuba, que a conquistou em 1902, e Porto Rico, até hoje sob controle dos Estados Unidos –, vinculou-se a esse esquema principalmente pela adesão de suas oligarquias ao pensamento liberal desenvolvido na Grã-Bretanha, com base na doutrina das vantagens comparativas de David Ricardo.

Segundo Ricardo, os países deveriam se especializar na produção das mercadorias em que tivessem maior produtividade, encaminhando-as ao comércio internacional para maximizar o bem-estar. Um país poderia se especializar em setores de menor intensidade tecnológica, como a agricultura e mineração, pois seu produto se encareceria relativamente – uma vez que se supõe a imobilidade internacional do capital e do trabalho –, permitindo-lhe participar dos frutos do progresso técnico, concentrado na indústria. Na América Latina, as oligarquias agroexportadoras, mercantis e financeiras se apoiaram nessas premissas para defender a tese da vocação agrícola de seus países – cuja maior expressão são as obras de Joaquim Murtinho e Eugênio Gudin – e justificar seu domínio.

A realidade concreta, no entanto, não se enquadrava nessas suposições teóricas. Os preços dos produtos primários deterioraram-se em relação aos industriais, sinalizando o ônus da especialização em setores de baixa tecnologia. Essa deterioração manifesta-se ciclicamente: nos períodos de crise, os preços dos produtos primários caem de modo abrupto e, nos de expansão, recuperam-se apenas em parte. Nesse contexto de crise estrutural do Estado oligárquico-exportador desenvolveu-se o pensamento nacional-desenvolvimentista. Ele expressou os interesses da burguesia industrial e das camadas médias, que buscavam o controle do Estado periférico para subordinar as oligarquias tradicionais, tendo como pano de fundo o deslocamento da hegemonia mundial para os Estados Unidos.

As teses da CEPAL

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Edifício sede da CEPAL, em Santiago, no Chile (CEPAL/ONU)
O mais importante centro de elaboração teórica do nacional-desenvolvimentismo foi a CEPAL e seus autores mais destacados, Raúl Prebisch e Celso Furtado. Seu principal objetivo era a industrialização da América Latina por meio de políticas de substituição de importações, nas quais o Estado atua como planejador e coordenador e exerce atividades produtivas em setores de infra-estrutura, sempre que a rentabilidade seja baixa ou o empresariado nacional não tenha capital suficiente para realizar a escala de investimentos necessária. Segundo os autores, a aplicação da teoria das vantagens comparativas pelos países periféricos provoca a deterioração dos termos da troca e o intercâmbio desigual que os penaliza em sua relação com os centros. Isso se explica pelas seguintes razões: 
  • a crescente rigidez da demanda internacional à oferta de produtos primários, resultante do avanço da industrialização, que criou matérias-primas sintéticas, da elevação dos níveis de renda, que diminuiu a propensão a consumi-los, e da mudança do centro cíclico da Grã-Bretanha para os Estados Unidos, que restabeleceu o protecionismo nos países centrais;
  • o excedente de mão-de-obra rural nos países periféricos, em razão das restrições à oferta de produtos primários e da estrutura fundiária herdada do colonialismo – ponto este destacado por Furtado em sua análise da economia brasileira. Esse excedente reduz os salários e atua negativamente na formação dos preços periféricos, que resultam do somatório de custos dos fatores de produção (capital, trabalho e terra);
  • os diferenciais de concentração da propriedade e de organização de empresários e trabalhadores para defenderem os preços de seus fatores de produção. Nos países centrais cria-se um círculo virtuoso baseado no pleno emprego. Ele estaria na origem da inovação tecnológica, introduzida para poupar mão-de-obra e reduzir custos, e da capacidade dos trabalhadores de participar dos frutos do progresso técnico, mantendo ativa a demanda interna e, com ela, impedindo os efeitos disruptivos da tecnologia sobre o emprego e o repasse da produtividade aos preços. Nos países periféricos, inversamente, se estabelece um círculo vicioso. O desemprego estrutural restringe a inovação tecnológica e deteriora os preços dos fatores de produção. 

A industrialização era vista, então, como a grande fonte de superação das raízes do subdesenvolvimento. Absorveria o excedente de mão-de-obra nas zonas rurais e formaria parte de sua demanda, revertendo a deterioração dos termos da troca. Seria estabelecida por substituição de importações num processo de longo prazo e requereria alto grau de planejamento, em razão da escassez de divisas que teria de administrar.

Prebisch lançou as bases desse projeto em El desarrollo de América Latina y algunos de sus principales problemas (1949). O planejamento deveria restringir drasticamente as importações de bens de consumo suntuário, mobilizar as divisas da exportação e impulsionar os investimentos que conjugassem a maior elevação da produção e da renda para gerar os excedentes necessários à internalização da indústria. Ao capital estrangeiro era atribuído um papel limitado – pois partia-se de sua relativa imobilidade –, mas importante para superar a escassez de divisas. A industrialização se desenvolveria em três fases: a primeira, a etapa fácil, na qual se substituía a importação de bens de consumo leves pela de maquinarias necessárias à sua produção; a segunda, de substituição dos bens de consumo duráveis; e a terceira, em que se buscava internalizar a produção de bens de capital mediante a importação de máquinas que criam máquinas.

Raúl Prebisch conversa com Philippe de Seynes, Subsecretário de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, e René Dumont, agrônomo francês, em uma Conferência sobre a Sobrevivência da Humanidade organizada pela ONU, em Nova York, em maio de 1970 (CEPAL/ONU)

Os PCs e o ISEB

Além das teses da CEPAL, outras formulações do pensamento nacional-desenvolvimentista ganharam importância na região.

Os partidos comunistas demonstraram grande debilidade em sua capacidade de interpretar a realidade latino-americana. Dentro das linhas gerais formuladas pela III Internacional, manejaram, com pequenas variações de conjuntura, o esquema de uma revolução democrático-burguesa a ser realizada numa formação social dominada pelo imperialismo e pelo feudalismo. Buscaram uma burguesia nacional revolucionária, cuja aliança com o proletariado eliminaria o latifúndio, desenvolveria a indústria, expandiria o consumo de massas e institucionalizaria a democracia.

Já nos anos 1920 e 1930, essas teses foram criticadas por autores como Mariátegui, que não viam força na burguesia nacional para a ruptura com o imperialismo e o latifúndio. Nos anos 1940 e 1950, Sergio Bagú e Caio Prado Júnior formularam o conceito de capitalismo colonial para mostrar que nossas burguesias não rompem radicalmente com o passado colonial das formações sociais, ainda que organizem novas formas de dominação. Pablo González Casanova, em A democracia no México (1965), responsabilizou a debilidade da burguesia latino-americana diante do imperialismo e as estruturas pré-capitalistas pela reprodução do colonialismo interno. No entanto, aceitou a possibilidade de que, sob a direção da burguesia estatal e com o apoio proletário e camponês, se desenvolvesse um capitalismo nacional, aposta de que declinaria mais tarde, com a influência da teoria da dependência, em Sociologia da exploração (1969).

No Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) destacaram-se os trabalhos de Guerreiro Ramos, Roland Corbisier, Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré, Hélio Jaguaribe, Cândido Mendes e Ignácio Rangel. Guerreiro Ramos, expressão mais radical do nacionalismo isebiano, propôs a fundação de uma “sociologia de mangas de camisa”, voltada para a superação do subdesenvolvimento e para a industrialização periférica, por meio da “redução sociológica” que recriaria conceitos formulados em outras realidades nacionais. Já Hélio Jaguaribe, no livro O nacionalismo na atualidade brasileira (1958), defendeu a distinção entre nacionalismo de fins e meios, apoiando o primeiro. O nacionalismo de fins visa ao desenvolvimento e aceita utilizar os meios necessários para alcançá-lo, sejam eles nacionais ou não. Jaguaribe defendia o capital estrangeiro como instrumento de elevação da poupança nacional e previa sua atuação no financiamento à importação de maquinarias, na produção de matérias-primas e na geração de partes e componentes para exportação.

Rumos divergentes

A partir de meados da década de 1950, as divisas obtidas com a exportação se mostraram insuficientes para financiar a passagem à segunda etapa da substituição de importações. Esta se fez com investimentos do capital estrangeiro, que assumiu o controle dos principais segmentos da indústria de bens de consumo duráveis dos países latino-americanos. Embora teses como a de Jaguaribe refletissem essa realidade, o nacional-desenvolvimentismo não fez uma reflexão mais profunda sobre os fracassos do modelo até que uma nova crise do balanço de pagamentos atingisse a região nos anos 60. As revisões, então, surgiram nos escritos de Prebisch, Furtado, Aníbal Pinto e Maria da Conceição Tavares, apontando para diagnósticos e soluções nem sempre convergentes.

Prebisch publicou Para uma dinâmica do desenvolvimento latino-americano (1963) e Para uma política comercial em prol do desenvolvimento (1964), nos quais destaca a redução significativa das taxas de crescimento do ingresso per capita da região, em função da existência de estrangulamentos internos e externos para o desenvolvimento. Entre os primeiros, estava o desemprego estrutural que a industrialização substitutiva não reverteu, mas ampliou, por basear-se em tecnologia elaborada nos grandes centros, voltada para a economia de mão-de-obra. Sua superação exigiria a elevação da taxa de investimento mediante a tributação do consumo suntuário e a reforma agrária, tema negligenciado pela CEPAL nos anos 50. Essas medidas distribuiriam a renda, criando um círculo virtuoso entre a geração do emprego, a alta propensão ao consumo das camadas populares e o investimento. O estrangulamento externo teria seu fundamento no avanço da deterioração dos termos da troca, no protecionismo dos países centrais e na preservação de uma estrutura exportadora primária, com baixa elasticidade de demanda no mercado internacional. Sua solução implicaria um amplo conjunto de medidas: diversificar as exportações para outras regiões, impulsionar a integração comercial latino-americana, incorporar produtos manufaturados à pauta exportadora, organizar fundos internacionais de defesa dos preços dos produtos primários e aceitar o ingresso do capital estrangeiro, ainda que de maneira transitória, para solucionar a escassez de divisas.

Aníbal Pinto desenvolveu uma visão da crise similar à de Prebisch. Em Concentración del progreso técnico y de sus frutos en el desarrollo latinoamericano (1965), aponta o debilitamento da industrialização periférica e busca na distribuição de renda a retomada de seu dinamismo. Ele introduz o conceito de heterogeneidade estrutural para indicar a reprodução do esquema centro-periferia no interior das sociedades periféricas. O monopólio da produtividade cria um segmento moderno na indústria, agricultura e serviços que tende ao rentismo ao se apropriar, a partir de seu diferencial de produtividade e articulação com o Estado, das rendas das demais camadas da sociedade. O mercado interno choca-se com a introdução de novas escalas tecnológicas. Para retomar a vitalidade da acumulação, o autor indica o caminho paradoxal da distribuição de renda pelo Estado em favor dos pólos atrasados e em detrimento do pólo moderno da economia periférica.

Furtado apresentou uma visão muito mais cética sobre os impasses da substituição de importações e do capitalismo periférico. Para ele, a incapacidade de a industrialização substitutiva solucionar a questão do desemprego conduz ao seu fracasso. O resultado é a concentração de renda, o aprofundamento da deterioração dos termos da troca e a estagnação produtiva do capitalismo periférico, em razão da insuficiência de divisas e do descompasso entre as escalas produtivas e os reduzidos mercados internos, como o autor defendeu em Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina (1966) e Teoria e política do desenvolvimento econômico (1967).

No texto Da substituição de importações ao capitalismo financeiro (1964), Maria da Conceição Tavares afirma o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo desde 1954. Para aprofundar a substituição de importações em direção aos bens de consumo duráveis e de capital eram necessários a formação de altas taxas de capital – somente viáveis com o ingresso substancial, e não mais temporário, do capital estrangeiro – e o aumento do poder de compra das exportações. A melhoria nas relações de troca dependia de uma reforma agrária, que absorvesse os excedentes de mão-de-obra rural e urbano, e da incorporação de produtos manufaturados na pauta de exportações. Seria ainda essencial a integração comercial da região para elevar a demanda internacional dos produtos de exportação e reduzir as importações.

Variantes

As limitações em combinar, sob o comando do capital estrangeiro, o dinamismo da substituição de importações com reformas sociais abriram espaço para o pensamento liberal, que absorveu parcialmente categorias do nacional-desenvolvimentismo – como a deterioração dos termos da troca, o planejamento estatal, a necessidade da industrialização e os aspectos estruturais da inflação. Para os neoliberais dessa geração, a intervenção do Estado não se fazia apenas no plano econômico, mas também no político, o que os aproximava do autoritarismo e do fascismo. Os principais autores desse enfoque foram, no plano econômico, Roberto Campos e, no político, Golbery do Couto e Silva.

A maior preocupação econômica desse neoliberalismo era a inflação, cujas principais causas seriam a pressão das massas para consumir nos países subdesenvolvidos e, principalmente, a intervenção “populista” das políticas governamentais de substituição de importações, manifesta no controle de preços ou na expansão descontrolada do crédito. Para combater a inflação, propunha-se ampla abertura ao ingresso do capital estrangeiro, ao qual se atribuía maior mobilidade. Este elevaria a poupança nacional e as taxas de investimento, reduziria a necessidade de intervenção produtiva do Estado nos pontos de estrangulamento (energia e transportes) e atenderia, na medida do possível, às pressões de consumo das massas. As contradições entre investimento estrangeiro e demanda de consumo popular seriam resolvidas pela intervenção do Estado sobre os salários. E os obstáculos políticos para isso seriam superados apelando-se à doutrina de segurança nacional, desenvolvida na Escola Superior de Guerra (ESG), sob os auspícios do War College. A ESG situava, entre seus objetivos nacionais permanentes, uma versão restringida de democracia liberal – que excluía os partidos socialistas e comunistas –, mas admitia-se a sua supressão quando se considerava que o poder nacional e seu compromisso com o Ocidente – nos quadros da Guerra Fria entre os blocos ocidental e oriental – estavam ameaçados internamente, pela “penetração ideológica subversiva”. Para garantir o alinhamento com os Estados Unidos, Golbery defendia o exercício de um papel ativo do Brasil para garantir as “fronteiras ideológicas” da América do Sul e África.

O capitalismo latino-americano seguia caminhos distintos aos previstos pelas teorias do desenvolvimento. Expressando esse “desvio”, Gino Germani e José Medina Echeverría desenvolveram uma sociologia da modernização que escapou aos limites do enfoque estadunidense de Walt Rostow e Bertz Hoselitz, de onde partia. Tal enfoque propunha uma seqüência rígida para a modernização das sociedades ditas tradicionais que culminava numa sociedade liberal, de consumo e democracia de massas. A modernização deveria implicar o desenvolvimento econômico auto-sustentado, cuja maior expressão era a industrialização, o desenvolvimento político – caracterizado pelo liberalismo político e pela gestão técnica do Estado – e a modernização social, manifesta na maior mobilidade e redução das diferenças sociais. Germani ultrapassou esse modelo e buscou na história da América Latina o desenho específico de sua modernização. Em Política e sociedade em uma época de transição (1962), afirma que os países de desenvolvimento tardio – posterior à Revolução Industrial nos grandes centros –, aceleraram a modernização econômica e produziram uma forte contradição entre a mobilização necessária à mudança social e os mecanismos de integração que a institucionalizam. A mobilização se desenvolve, de forma vertiginosa, numa estrutura arcaica que se moderniza e tende a restringir os mecanismos de mobilidade social. O resultado é que se criam obstáculos para realizar plenamente a passagem das democracias oligárquicas às democracias representativas com participação total. As revoluções nacionais-populares surgem como alternativa para ampliar os mecanismos de integração social. Essas revoluções, em confronto com as estruturas tradicionais, desenvolvem a liberdade no âmbito da vida concreta e imediata dos indivíduos – como as relações de trabalho –, mas a restringem no âmbito da vida pública ao utilizarem a manipulação como instrumento de controle das massas. Para o autor, o peronismo foi a principal expressão desses regimes. Este, entretanto, não logrou criar uma alternativa estável de modernização social e econômica.

Um balanço das teorias do desenvolvimento mostra que tais teorias não conseguiram situar de maneira adequada a originalidade das formações sociais latino-americanas, dirigir sua transformação ou prever seus resultados. Se o nacional-desenvolvimentismo construiu categorias que descreviam algumas de suas características econômicas, como a deterioração dos termos da troca e o intercâmbio desigual, explicou mal os seus determinantes e o seu funcionamento. A sua reformulação, na direção da maior participação do capital estrangeiro e das reformas sociais, revelou uma incompreensão dos processos de internacionalização do capital em sociedades dependentes. Por sua vez, a nova versão do liberalismo, que partilhava importantes identidades com o nacional-desenvolvimentismo – entre elas a visão do capital estrangeiro como uma poupança externa que contribuía para a formação de capital e para a autonomia da América Latina –, apresentava nítidas limitações. A principal era o fato de que sua ênfase nas restrições à demanda como pilar do desenvolvimento não explicava a distribuição de renda menos concentrada e as políticas de pleno emprego nos países centrais. Finalmente, as teorias da modernização acentuaram em demasia a força das estruturas tradicionais como fator de bloqueio do desenvolvimento, sem perceber que elas se articulavam com o dinamismo da dependência para criar uma forma específica de modernização capitalista.

Anos 60-70: as teorias da dependência

A crise do modelo de substituição de importações associada à liderança do investimento direto estrangeiro, que se manifestou entre 1962 e 1967, e o ascenso dos movimentos de massas que a acompanhou, contribuíram para a hegemonia das teorias da dependência. Formuladas entre 1964 e 1973, elas mantiveram grande influência até fins dos anos 70, quando se afirmou, com apoio norte-americano, a liderança liberal-conservadora nos processos de redemocratização da região.

O novo paradigma significou um salto na compreensão da realidade latino-americana e mundial. Enquanto as teorias do desenvolvimento e o liberalismo viam a economia mundial como um agregado de economias nacionais independentes que se relacionavam entre si – principalmente pelo comércio –, as teorias da dependência romperam com esse nacionalismo metodológico ao afirmarem que a economia mundial era a realidade dominante no desenvolvimento do capitalismo. Este estabelece uma divisão internacional do trabalho hierarquizada que articula classes e frações sociais pertencentes a diversas unidades jurídico-políticas e as condiciona à sua expansão. Tal condicionamento não é uma imposição externa, nem se realiza sem contradições. É limitado pelo fato de a economia mundial basear-se em instâncias nacionais de decisão que, entretanto, não controlam plenamente sua expansão, pois seu fundamento é a busca de superlucros que movem o capitalismo e estabelecem a convergência de interesses entre as principais expressões das burguesias, ao mesmo tempo nacionais e internacionais.

A economia mundial capitalista tem sua expansão determinada pelo desenvolvimento dos monopólios tecnológicos, financeiros e comerciais situados nos países centrais. Os países dependentes são objeto dessa expansão e se ajustam a ela. Enquanto as decisões das classes dominantes dos países centrais têm grande importância para determinar as direções de expansão da economia mundial, as classes dominantes dos países dependentes tendem apenas a responder afirmativamente a esses condicionamentos. O Estado nacional é utilizado pelas burguesias dependentes como um instrumento de negociação para obter melhores condições de inserção internacional.

A dependência significa a existência de uma estrutura econômica, política, social e ideológica simultaneamente nacional, internacional e específica. Sua reprodução não leva à convergência com os padrões de desenvolvimento dos países centrais, mas à construção de um processo histórico original no âmbito do capitalismo mundial. O subdesenvolvimento da América Latina expressa uma trajetória subordinada à economia mundial hierarquizada. Interno e externo se articulam na reprodução do fenômeno da dependência. A modernização não significa ruptura radical com o passado, mas um ajuste ao desenvolvimento da economia mundial e da divisão internacional do trabalho, na qual países dependentes e centrais estão integrados e desempenham papéis complementares.

As teorias da dependência abandonaram a tese de um modelo nacional de capitalismo a ser internalizado e buscaram nossa originalidade numa forma específica de inserção na mundialidade que constitui o capitalismo e é constituída por ele. Mas essa convergência inicial deu lugar a importantes divergências em seu âmbito, referentes a como se posicionar politicamente diante do capitalismo dependente. Duas grandes visões se estabeleceram: a weberiana, por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, e a marxista, principalmente por Theotonio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Vania Bambirra e Orlando Caputo. A primeira teorizou a dependência para aceitá-la como o padrão de desenvolvimento e dominação das sociedades latino-americanas; já a segunda, latino-americanista, o fez para buscar sua superação.

Paradigma

Para Cardoso e Faleto, a dependência é o paradigma de desenvolvimento dos países da região. Dependência e desenvolvimento na América Latina (1969), maior expressão desse enfoque, volta-se contra as interpretações nacionalistas e socialistas do capitalismo latino-americano. Elas veriam no capital estrangeiro um obstáculo ao desenvolvimento, em particular à industrialização, e buscariam na burguesia nacional, e em sua associação ao Estado, ou no proletariado, as fontes da superação do bloqueio.

Segundo os autores, era necessário diferenciar a velha dominação imperialista, analisada por Lenin, da nova dependência, estabelecida pelo capital estrangeiro no pós-guerra. Esta se voltava para a internacionalização do mercado interno e diferenciava as formas políticas de dominação das econômicas, permitindo àquelas a soberania formal e maior capacidade de negociação internacional. No âmbito econômico, o capital estrangeiro se solidarizava com a expansão do mercado interno. Enquanto no velho imperialismo o equilíbrio do balanço de pagamentos era ameaçado pelas remessas de lucros, pagamentos de juros, serviços técnicos e royalties que superavam os ingressos, na nova dependência essa descapitalização é mais que compensada pela dependência financeira internacional que mobiliza os excedentes de capital nos países centrais para o mercado interno dos países dependentes, possibilitando o desenvolvimento dependente.

Os laços financeiros, tecnológicos e comerciais do capitalismo dependente ligam-no à economia mundial, sem conduzir ao domínio da burguesia nacional e do Estado sobre a acumulação. É um capitalismo dinâmico, ainda que implique um grau maior de concentração de riqueza e de desigualdade. No âmbito político, tende a desdobrar-se na democracia burguesa. O nacionalismo e o socialismo, ao contrário, embora possam gerar maior igualdade, conduzem à estagnação, ao estatismo e ao autoritarismo, devendo ser descartados como alternativa à dependência.

A associação entre as ditaduras e a nova dependência nos anos 60 e 70 foi explicada pelos autores em razão dos excessos distributivistas dos regimes populistas que ameaçariam a acumulação, levando o grande capital a buscar no autoritarismo uma solução para defendê-la. Por sua vez, a redemocratização desenvolvida nos anos 80 foi vista, principalmente por Cardoso, como a aquisição ou restauração ao capitalismo dependente maduro de sua normalidade política. Esta se revela capaz de proporcionar à burguesia o exercício da dependência negociada, por meio da qual estabelece o protagonismo da acumulação e atende a moderadas pressões sociais e nacionais para participação em seus resultados.

A acumulação no capitalismo dependente

A visão marxista da dependência recebeu grande influência do latino-americanismo da década de 1920, expresso em Mariátegui e Ramiro Guerra, e do pensamento de Paul Baran e Andre Gunder Frank, nos anos 50 e 60. Aí se destacavam a descapitalização que o capital monopolista estrangeiro exercia sobre os países periféricos e a articulação deste com uma burguesia local, compradora, latifundista e voltada para a exportação, ou a debilidade dessa classe para romper com o imperialismo, liderar a industrialização e o desenvolvimento, o que passaria a ser tarefa do proletariado, com o estabelecimento do socialismo. Mas essa visão apresentava limitações para o pleno desenvolvimento – do enfoque da dependência. A principal era esquecer a dimensão competitiva do monopólio capitalista, resultando numa apresentação estática da relação entre externo e interno que constituía a dependência, o que impediu a construção de uma teoria do capitalismo dependente. O dilema entre socialismo e desenvolvimento, de um lado, ou capitalismo e estagnação, de outro, mostrava-se equivocado para situar a problemática latino-americana.

Nas obras de Theotonio dos Santos e Ruy Mauro Marini o enfoque da dependência alcançou maturidade. Eles estabeleceram uma teoria do capitalismo dependente capaz de oferecer uma visão dinâmica das relações de poder internas e externas que a constituem. Reafirmaram a tese de Baran e Frank do papel descapitalizador do capital estrangeiro nos países dependentes, mas a ultrapassaram ao mostrarem que este derivava da competição monopólica: os monopólios competem entre si e só obtêm êxito e ampliam a massa de mais-valia de que se apropriam caso apresentem dinamismo tecnológico. Os países dependentes, ao serem objeto dessa competição, incorporam-se à divisão internacional numa especialização produtiva que os inferioriza.

Theotonio dos Santos e Marini destacam as especificidades do processo de acumulação no capitalismo dependente. Seu fundamento é a busca de superlucros que impulsiona as burguesias periféricas ao compromisso com os monopólios internacionais. Ao se associarem às suas bases tecnológicas, financeiras, comerciais e institucionais, elas superam os limitesendógenos de sua capacidade de acumulação e assumem uma condição monopólica no âmbito de seus segmentos produtivos de atuação e dos seus Estados nacionais. Entretanto, isso implica uma importante contradição: a mais-valia extraordinária assume um aspecto central no capitalismo dependente, mas o fato de se basear na tecnologia estrangeira acarreta transferências de mais-valia para o exterior.

A mais-valia extraordinária implica o aumento da mais-valia apropriada pelo capitalista individual sem o aumento da taxa de mais-valia média no setor produtivo. O capitalista individual reduz o valor individual da mercadoria que produz e mantém o seu valor social, mas a elevação da produtividade, gerada pela absorção da tecnologia estrangeira, tende a desvalorizar os produtos dos países dependentes no mercado internacional – no qual não representam um monopólio tecnológico – e aprofunda a deterioração dos termos da troca. O resultado é a queda da taxa de mais-valia e de lucro no ramo, bem como a supressão da mais-valia extraordinária, o que provoca a crise da economia exportadora que move as primeiras etapas do capitalismo dependente.

As alternativas para o restabelecimento da mais-valia extraordinária e da taxa média de lucro que impulsionam a acumulação de capital e o progresso técnico são a maior exploração do trabalhador, para recuperar as taxas de mais-valia da economia exportadora, ou o deslocamento da realização de mercadorias para o interior da economia dependente, buscando ali uma fonte sustentável de mais-valia extraordinária. O deslocamento se faz para os setores produtores de bens de consumo suntuário, os mais adequados para sustentar a redução do valor individual das mercadorias independentemente de seu valor social e exercer, em razão do maior dinamismo de sua demanda, um lucro extraordinário que, em seu benefício, atua sobre o conjunto da economia periférica. Mas esse movimento não pode se separar da maior exploração do trabalho que sustenta a economia exportadora, e antes a reforça nas formações sociais dependentes. Isso porque a mais-valia extraordinária deprime as taxas de mais-valia no segmento de bens salário; e o setor de bens de consumo suntuário financia, por essa depressão, a transferência para a economia mundial das divisas necessárias para internalizar o progresso técnico que sustenta sua liderança na economia dependente.

As quedas das taxas globais de mais-valia e de lucro em função dessa transferência e da fixação interna da mais-valia extraordinária, que fundamentam o capitalismo dependente, levam-no a basear-se na superexploração do trabalho para neutralizá-las total ou parcialmente. Isso significa uma queda dos preços da força de trabalho por meio de três mecanismos: a extensão da jornada de trabalho ou a elevação da intensidade do trabalho, ambas sem o aumento equivalente da remuneração que corresponda ao maior desgaste da força de trabalho, e a redução salarial. Seria possível agregar ainda o aumento do valor da força de trabalho, via qualificação, sem o aumento correspondente do salário. Essas teses foram expostas, sobretudo, por Marini. De seus trabalhos destaca-se um conjunto que constitui o núcleo da economia política da dependência: Dialética da dependência (1973), O ciclo do capital na economia dependente (1978) e Mais-valia extraordinária e acumulação de capital (1979).

Debates sobre as teorias da dependência

Algumas discussões associadas às teorias da dependência focalizaram a instabilidade política e a falta de legitimidade do capitalismo dependente. A sucessão de golpes militares na América do Sul foi vista como expressão dessa instabilidade, responsável pela destruição do movimento popular que se desenvolveu a partir da experiência democrática do pós-guerra e deu lugar a Estados de contra-insurgência, como os denominou Marini, ou a Estados fascistas em condições de dependência, como os qualificou Theotonio dos Santos.

Em Socialismo o fascismo: el nuevo caracter de la dependencia y el dilema latinoamericano (1978), Theotonio dos Santos distingue Estado fascista e movimento fascista. O primeiro é um regime de terror do grande capital e submete o segundo, de origem pequeno-burguesa, no qual se apóia. Nos países dependentes, essa submissão implica o desbaratamento do movimento fascista, em razão das contradições entre a sua dinâmica nacionalista e a base social do Estado: o capital estrangeiro e a burguesia associada. O fascismo dependente não criou um partido político próprio, ficou limitado em sua ofensiva ideológica por seu baixo grau de legitimidade e se baseou no controle do Estado pelas Forças Armadas. A relação do grande capital com esse fascismo é dialética. Uma vez cumprida a tarefa de destruir o movimento popular, a centralização do poder estatal que o terror exige entra em contradição com a desnacionalização do poder econômico, impulsionando o nacionalismo sob a forma de capitalismo de Estado. Esse processo leva a burguesia dependente a apoiar uma redemocratização restringida, mas sua limitação ideológica permite ao movimento popular tomar a dianteira e ampliá-la. Sobre a restauração democrática pesa o mesmo dilema que a confrontou no pós-guerra: avançar em direção ao socialismo ou debilitar-se e abrir espaço ao fascismo.

Para os teóricos marxistas da dependência, o socialismo, ao romper com a dependência, deve eliminar a superexploração do trabalho e a pobreza, mas o seu grande desafio é o de superar a condição periférica. Para isso, tem de conjugar a preservação da soberania nacional e regional com a inserção na economia mundial comandada pelo capitalismo.

As diferenças entre os elaboradores das duas grandes vertentes das teorias da dependência deram lugar a polêmicas contundentes. Las desventuras de la dialéctica de la dependencia (1978), de Fernando Henrique Cardoso e José Serra, e Las razones del neodesarrollismo, a resposta de Marini, publicada no mesmo ano, marcaram o seu auge. Uma avaliação contemporânea dessas discussões permite destacar alguns aspectos importantes.

Cardoso e Faleto superestimaram a expansão da demanda interna dos países periféricos e do financiamento externo para neutralizar as saídas de capital e conciliar dependência e desenvolvimento. De 1956 a 2004, registraram-se saídas de aproximadamente 1.427 bilhão de dólares e ingressos de 1.061 bilhão de dólares, com uma taxa de lucro de 34% para os proprietários não-residentes (gráfico 1). E os seguintes movimentos cíclicos: de entradas, 1956-60, 1968-81, 1991-98; e de saídas, 1961-67, 1982-90 e 1999-2004 (gráfico 2).

▪︎ 1) Remessas de lucros, juros e serviços não-fatoriais versus 
   entradas de capital estrangeiro na América Latina (1956-2004)

 

 

▪︎ 2) Remessas de lucros, juros e serviços não-fatoriais versus 
   entradas de capital estrangeiro na América Latina

 

Fonte: Elaborado pelo autor com dados de anuários estatísticos da CEPAL (1986, 1992 e 2005). Excluem-se viagens de serviços não-fatoriais.

Isso sublinha a relevância das teses de Theotonio dos Santos, em Dependencia y cambio social (1972) e Imperialismo e dependencia (1978), e de Orlando Caputo e Roberto Pizarro, em Dependencia y relaciones internacionales (1973). Eles demonstraram que os movimentos de saídas de capital superam ciclicamente as entradas por meio de diversos mecanismos: remessas de lucros, pagamentos de juros, serviços da dívida etc. O capital circula em busca de lucros e concentra seus investimentos nos locais que podem lhe proporcionar liderança tecnológica e mais-valia extraordinária na economia global. As entradas de capital na América Latina são limitadas pela deterioração dos termos da troca, que baixa a taxa de lucro, e pela superexploração do trabalho, que restringe a demanda interna. Uma vez alcançados esses limites, geram-se períodos de saídas de divisas que ultrapassam largamente as entradas.

Além disso, a descapitalização a que são submetidos os países dependentes implica o crescimento exponencial da dívida externa e a destinação de partes crescentes dos novos ciclos de entrada de capitais ao financiamento dos déficits anteriores dobalanço de pagamentos. Isso acarreta a perda de qualidade produtiva do ingresso de capital e conduz ao que Theotonio dos Santos chama de tendência à estagnação relativa do capitalismo dependente. Essa tese não afirma a incapacidade para industrializar-se e crescer, mas sim que, como resultado desse crescimento, a dependência traz um crescente ônus financeiro, cujos efeitos depressivos sobre a taxa de lucro apenas serão neutralizados com o aprofundamento da superexploração. A história latino-americana da segunda metade do século XX é ilustrativa dessa situação. A partir de 1982, a América Latina mudou o seu patamar de egressos financeiros e reduziu o dinamismo e o peso relativo de seu PIB per capita na economia mundial a níveis anteriores aos da substituição de importações.

Em terceiro lugar, os processos de redemocratização no capitalismo dependente não levaram à redução da exclusão social e da pobreza e à generalização da mais-valia relativa nos anos 1980 e 1990. A combinação, que os acompanhou, de elevação da intensidade do trabalho, aumento da qualificação, regressão salarial e precarização dos trabalhadores, indicou o aprofundamento da superexploração na América Latina. Todavia esta situação foi parcialmente revertida na primeira década dos anos 2000 com o boom das commodities que favoreceu a balança comercial latino-americana, a desvalorização dos bens de consumo suntuários impulsionada pela fase expansiva do ciclo de Kondratiev, a ascensão de governos de centro-esquerda e esquerda na América do Sul e o envio de remessas por imigrantes latino-americanos nos Estados Unidos e na Europa, principalmente, para México e América Central.  A desvalorização dos bens de consumo suntuário, em função da competição inter-capitalista, pode compensar parcialmente a superexploração do trabalho, ampliando o consumo interno, em particular, nos períodos cíclicos de expansão longa. Este aspecto não recebeu suficiente atenção na obra de Marini na construção deste importante conceito, o que pode levar a uma subestimação da capacidade do capitalismo dependente articular hegemonias políticas e ideológicas.

A democratização, entretanto, não tem demonstrado bases sólidas. A imposição do neoliberalismo, na década de 1990, deu lugar a uma brutal centralização do poder institucional no Executivo, cuja maior expressão foi a ditadura de Alberto Fujimori, no Peru. A perda da legitimidade neoliberal, no fim da década, ameaça a estabilidade institucional. Se o poder popular avança, ocorrem tentativas de golpe apoiadas pelo imperialismo. Vários são os casos, os mais notórios, a tentativa de golpe contra Hugo Chávez em 2002, o golpe contra Manuel Zelaya em 2009 e contra Fernando Lugo em 2012. O fim do período de boom das commodities, reduz o espaço de consenso, ameaç as conquistas populares e acentua os processos de desestabilização, particularmente contra os governos Nicolás Maduro e Dilma Rousseff, incluindo-se aí a tentativa de cassar os direitos políticos de Luiz Ignácio Lula da Silva. Os governos de Evo Morales, Rafael Correa e Cristina Kirchner foram igualmente objeto de tentativas de desestabilização.

Painel de discussão “Da pobreza à prosperidade” que aconteceu no Fórum Econômico Mundial sobre América Latina 2015, em Cancún, no México (Benedikt von Loebell/World Economic Forum)

Impacto teórico

A influência do latino-americanismo e da teoria da dependência se fez sentir sobre os mais diversos campos das ciências sociais e da cultura latino-americana, alcançando os países centrais.

Na antropologia, destaca-se a obra de Darcy Ribeiro. Em livros como O processo civilizatório (1968), As Américas e a civilização (1969) ou O dilema da América Latina (1971), o autor situa a identidade dos distintos povos latino-americanos em sua condição de “proletariado externo” dos centros do capitalismo mundial e insere a trajetória desses povos nas diferentes etapas de desenvolvimento da civilização ocidental: as revoluções mercantil, industrial e pós-industrial.

Na sociologia, Aníbal Quijano articula modernidade e marginalidade como parte de um mesmo processo de expansão histórica. Por sua vez, Florestan Fernandes, sobretudo com Revolução burguesa no Brasil (1974), recorre à dependência para a teorização de um capitalismo sui generis, no qual tem grande peso a herança colonial. Octavio Ianni, seu principal discípulo, estende e amplia essas análises. No México, desponta a obra de Pablo González Casanova.

Na ciência política, desenvolvem-se as teorias de transição ao socialismo, sob o ímpeto da radicalização social na região, em particular, no Chile. Destacam-se as discussões sobre a natureza do poder dual, polarizadas por Sergio Ramos e Ruy Mauro Marini. Este aponta, na dualidade de poderes, um processo revolucionário que ultrapassa e supera o Estado burguês ao submeter suas instituições aos interesses das organizações populares. Ramos, expressando o pensamento da Unidade Popular, preocupa-se com a representação da dualidade de poderes para acomodá-la no interior do Estado burguês. Na religião elabora-se a Teologia da Libertação que, nas obras de Gustavo Gutierrez, Leonardo Boff e Enrique Dussel, toma a teoria da dependência como base para situar a problemática do humanismo cristão diante da conjuntura latino-americana. Essa teologia propõe que se inicie neste mundo, pela práxis dos pobres e oprimidos, a concretização das esperanças do reino de Deus, cuja construção exige a liquidação das estruturas do pecado social que geram pobreza e riqueza. Na educação, desponta Paulo Freire, que propõe a pedagogia e a criação do saber como obras coletivas e recíprocas de educadores e educandos. Na filosofia, Leopoldo Zea desenvolve, em fins dos anos 60, sua filosofia da libertação latino-americana. Na geografia, Milton Santos afirma sua obra e Amílcar Herrera se aproxima da teoria da dependência para, no início dos anos 70, esboçar a noção de sistemas de ciência e tecnologia.

Nos países centrais, a teoria da dependência esteve na base da elaboração das análises do sistema-mundo, desenvolvidas por Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e Terence Hopkins, no Fernand Braudel Center, ou, fora dele, por Samir Amin e Andre Gunder Frank.

Do endogenismo ao neodesenvolvimentismo

A crise das teorias da dependência vinculou-se às derrotas do movimento socialista nos anos 70, que restringiram os confrontos com o imperialismo. Surgiu então o endogenismo, acusando o paradigma anterior de contaminar as análises de classe com o conceito de nação, de desprezar a luta de classes e as determinações internas em favor das externas. Suas maiores expressões podem ser encontradas nos trabalhos de Francisco Weffort, Agustín Cueva, Ciro Flamarion Cardoso e Carlos Sempat Assadourian.

O endogenismo enfatiza o conceito de articulação de modos de produção: em uma formação social existem diversos modos de produção que se articulam para conformar uma totalidade social e lhe conferem particularidade. A especificidade da América Latina e do seu capitalismo sui generis será buscada nessa articulação interna. Entretanto, em vários textos, a visão de modo de produção se restringe aos aspectos econômicos, apartados da dimensão superestrutural que os dirige, em particular o Estado. Um exemplo é o conceito de modo de produção colonial de Ciro Flamarion Cardoso, que, ao defini-lo, ignora a subordinação das instituições coloniais à metrópole.

Isolando o interno de sua articulação ao externo, em significativo retrocesso metodológico, as críticas endogenistas prepararam o terreno para o despontar do neodesenvolvimentismo. Este retomou a problemática da industrialização articulando-a com a democratização do Estado. A democracia é vista, inicialmente, como condição para o atendimento das demandas sociais e, depois, para o próprio êxito da industrialização, invertendo a lógica inicial do pensamento desenvolvimentista. Seus principais autores são Maria da Conceição Tavares, Aníbal Pinto, Jorge Graciena, Fernando Fajnzylber, Raúl Prebisch, Celso Furtado, João Manuel Cardoso de Mello e José Luís Fiori.

Fundamental para o neodesenvolvimentismo é o conceito de estilos de desenvolvimento, formulado por Aníbal Pinto e Jorge Graciena, que concilia, num conceito unificado, as dimensões econômicas e sociais do desenvolvimento, analisadas, respectivamente, pela CEPAL e pelo ILPES (Instituto Latino-Americano e do Caribe de Planejamento Econômico e Social), fundado sob sua inspiração. Um de seus principais antecedentes foi o texto de Maria da Conceição Tavares e José Serra, Mais além da estagnação (1971). Afirma-se ali o círculo de causalidade cumulativa entre os padrões de desenvolvimento econômicos e sociais, superando-se a tese de que os primeiros levariam necessariamente à redução das desigualdades. O desenvolvimento funda-se em forças sociais e políticas e, de acordo com sua composição, ocorrem distintos impactos na distribuição de renda e redução de pobreza.

Podem-se distinguir dois eixos básicos de preocupação do neodesenvolvimentismo: a demonstração da viabilidade do desenvolvimento em condições de desigualdade social e a reformulação do estilo do desenvolvimento. O primeiro enfatiza o dinamismo da demanda interna e sua capacidade para arrastar consigo um padrão de financiamento internacional. Maria da Conceição Tavares, em Acumulação de capital e industrialização no Brasil (1974) e Ciclo e crise: o movimento recente da industrialização brasileira (1978), e João Manuel Cardoso de Mello, em O capitalismo tardio (1975), destacam, sob inspiração kaleckiana, a capacidade do setor de bens de capital da economia brasileira, a partir de fins dos anos 50, de criar endogenamente a demanda e superar os estrangulamentos do balanço de pagamentos. O consumo suntuário impulsiona o setor de bens de consumo duráveis e desvincula a realização das mercadorias da distribuição de renda. O financiamento do consumo pelo capital financeiro, garantido pela expansão industrial, atinge os mais pobres, que se beneficiam com mais lentidão dessa expansão. A crise econômica e a eclosão da dívida externa, na década de 1980, colocaram em xeque esse pensamento, apesar da tentativa de Antônio Barros de Castro, em reorientá-lo, ao afirmar, em A economia brasileira sob marcha forçada (1985), a maturidade tecnológica da economia brasileira e sua capacidade de gerar saldos comerciais para financiar a dívida externa e o seu crescimento.

A preocupação em reformular os estilos de desenvolvimento está presente nos trabalhos de Fernando Fajnzylber e Prebisch, dos anos 80, que se aproximaram da teoria da dependência em uma versão radicalizada de socialdemocracia. Os autores apontam que a condição periférica e a desigualdade não impedem o desenvolvimento, mas o limitam e lhe conferem características particulares. Fanjzylber destaca em La industrialización trunca de América Latina (1983) e em Industrialización de América Latina: de la caja negra al casillero vacío (1990) que a debilidade do empresariado latino-americano não conduz à criação de um núcleo nacional produtivo-financeiro gerador das bases tecnológicas de sua expansão nacional e internacional. O resultado é o protecionismo frívolo – com base no qual o empresariado local apóia-se no Estado para praticar elevações de preços e o rentismo –, a penetração das empresas multinacionais nos espaços nacionais e a limitação do segmento de bens de capital, gerador de encadeamentos tecnológicos, em nossa industrialização. A correção desse estilo de desenvolvimento não estaria na abertura à competição internacional, que destruiria as precárias bases empresariais locais, mas na ampliação das alianças sociais e políticas que sustentam a industrialização e no deslocamento de seu centro de gravidade para os setores sociais majoritários, criando-se o encadeamento virtuoso: eqüidade, austeridade, crescimento e competitividade. Em linha de argumentação semelhante, Prebisch propõe, em Capitalismo periférico: crisis y transformación (1981), uma síntese entre o socialismo e o liberalismo econômico para superar as debilidades do capitalismo periférico. Um viés mais conservador de correção dos estilos de desenvolvimento é defendido por José Luís Fiori, em O vôo da coruja (1984), e Maria da Conceição Tavares, em seus escritos dos anos 80, e aponta para a construção de um capitalismo democrático, monopólico e centralizado, capaz de criar um padrão endógeno de financiamento, que leve ao protagonismo de um empresariado neo-schumpeteriano dedicado à modernização social e tecnológica.

O neogramscianismo

Outra expressão do isolamento do interno é o pensamento neogramsciano, impulsionado na região pela combinação entre derrota da esquerda revolucionária, crise econômica e redemocratização. Este descreve, a partir do que chama de Ocidente, a democracia como valor universal, e inscreve a luta política nos marcos da legalidade. Seus principais autores são José Carlos Portantiero, Carlos Nelson Coutinho, Carlos Pereyra e Luiz Werneck Vianna.

A América Latina é dividida em duas grandes unidades: o Ocidente tardio, que se assemelha à Europa mediterrânea, constituído pelos países que avançaram na industrialização e na diferenciação das estruturas de classes (Brasil, México, Argentina, Uruguai e Venezuela), e a sua parte não ocidental, constituída pelas sociedades agrárias. Se, nas últimas, as lutas nacionais-populares prevalecem, no Ocidente tardio estariam subordinadas ao confronto democrático. A democracia torna-se o espaço condicionante das contradições entre a burguesia e o proletariado, ou entre o imperialismo e a questão nacional. Por meio da democracia, pode-se reestruturar essas contradições e superá-las, num jogo de guerra de posições a ser dirigido por um bloco histórico sob o comando do proletariado e de seus intelectuais orgânicos. O esforço principal deve ser o de desenvolver a autonomia da sociedade civil e suas articulações com o Estado, para garantir a expressão, sem interrupções, da acumulação gradual das forças socialistas. A revolução se expressaria num processo cumulativo de reformas no âmbito da legalidade dos espaços nacionais.

O neogramscianismo realiza uma interpretação particular do teórico marxista italiano ao valorizar unilateralmente a dimensão consensual da hegemonia e a guerra de posição. Para Gramsci, aquela também se constitui pela coerção e exige, como contrapartida, a guerra de movimento para as lutas sociais. Mais do que uma oposição entre as guerras de posição e de movimento, que respalde uma sólida continuidade democrática, o que parece se desenvolver nas sociedades capitalistas industrializadas é uma forma específica de complementaridade, que não elimina a insurreição como uma dimensão importante das lutas político-ideológicas.

No final dos anos 80, a incapacidade dos neodesenvolvimentistas e neogramscianos em articular avanços democráticos e desenvolvimento econômico abriu espaço para o neoliberalismo, que restringiu o desenvolvimento político em favor dos interesses do capital.

O neoliberalismo e a década de 1990

O fracasso do pensamento socialdemocrata tem sua raiz na tolerância à hegemonia dos Estados Unidos. A crise dessa hegemonia na América Latina manifestou-se, nos anos 1960, com a substituição das democracias por ditaduras militares, e aprofundou-se nos anos 1980, conduzindo à redemocratização ao instituir-se um período em que predominam ciclicamente as saídas de capitais. A tentativa de conciliá-lo com o desenvolvimento econômico e com as pressões populares para a distribuição da renda conduziu à explosão inflacionária, à crise no balanço de pagamentos e à moratória técnica. O prestígio crescente da formulação cubana de uma negociação conjunta para a dívida externa, a aproximação entre os países latino-americanos e os riscos políticos do avanço da radicalização social levam à reestruturação das bases da hegemonia estadunidense. Esta passou a se fazer em torno do Consenso de Washington, que propôs a renegociação da dívida externa latino-americana em troca da abertura comercial e financeira da região, da privatização das empresas estatais, da elevação dos juros e da ampla desregulamentação da economia, em particular dos mercados de trabalho. Diante da falta de alternativas de socialdemocratas e liberais – hegemônicos no contexto da redemocratização – para a crise, o neoliberalismo se impôs.

Os pioneiros no pensamento neoliberal na América Latina foram representantes da direita tradicional monetarista que, nos anos 50 e 60, incorporaram influências estruturalistas. Eles priorizaram o combate da inflação a partir da superação de pontos de estrangulamento inerentes ao subdesenvolvimento. Isso exigiria a abertura ao capital estrangeiro e a intervenção estatal para complementá-lo ou para conter a demanda, se necessário, pelo autoritarismo. A maior expressão dessa vertente foi Roberto Campos.

Vieram a seguir, até os anos 70, os economistas formados sob a influência monetarista da Escola de Chicago, com destaque para os bolsistas da Universidade Católica do Chile. Esse grupo teve uma penetração mais extensa que o anterior no aparelho de Estado e exerceu influência ideológica mais vasta. Inicialmente por meio de ditaduras, no Chile, Uruguai, Argentina e Bolívia e, nos anos 80, por meio de mecanismos de representação na Costa Rica, no Equador, na Bolívia, na República Dominicana, no México e na Venezuela.

A ofensiva neoliberal também se beneficiou dos investimentos de fundações norte-americanas – principalmente a Ford –, na reformulação da comunidade científica da região. A América Latina tornou-se a principal receptora de seus recursos nos anos 70, destacando-se o Brasil, seguido a distância por Chile e México. Tratava-se de criar uma intelectualidade que fosse uma força de contenção da ameaça socialista representada pela revolução cubana, mas que não estivesse comprometida com o autoritarismo, sendo capaz de dirigir a expansão do capitalismo mediante a organização de um consenso em seu favor. Assim, a Fundação Ford não se identificou principalmente com o imperialismo dos Estados Unidos, mas com a formulação de sua hegemonia. Esta supõe a combinação entre o mercado – expresso na dominação econômica do capital internacional – e a liberdade e autonomia políticas. O conceito de dependência negociada, de Fernando Henrique Cardoso, mostrou-se fundamental para o desenvolvimento dessa perspectiva. O Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), instituição organizada por sua liderança, foi o mais importante captador de recursos da Fundação Ford no Brasil.

A entidade investiu no treinamento de intelectuais da região nos Estados Unidos e destinou expressivos recursos a centros de pesquisa independentes e programas específicos de pós-graduação. Entre eles estavam, além do Cebrap, o Departamento de Economia e o Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), os Departamentos de Economia e Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e FGV-SP, o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/UFRJ e a ANPEC. O projeto era criar uma nova elite dirigente regional dentro de uma perspectiva especializada, que priorizasse um enfoque analítico e pouco integrado do processo social latino-americano, restringindo as possibilidades de uma intervenção sistêmica em nossas sociedades a políticas compensatórias, de terceira via.

Conversões

A força do pensamento neoliberal na região prendeu-se, em boa medida, à conversão de neodesenvolvimentistas e dependentistas, cuja liderança política lhe assegurou o controle do Estado.

A conversão dos neodesenvolvimentistas ao neoliberalismo seguiu dois percursos. Um deles foi o da reformulação das teorias da inflação inercial, que repercutiram o fracasso dos planos heterodoxos de estabilização econômica, em meados dos anos 80. As dificuldades para manter o congelamento de preços em economias de mercado conduziram à utilização do mercado internacional como instrumento de controle inflacionário. Seus ideólogos locais foram Pérsio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco, todos oriundos do Departamento de Economia da PUC-RJ, e Mário Henrique Simonsen, da FGV-RJ. O outro percurso, mais amplo, redefiniu teoricamente o Estado e as relações sociais e econômicas internacionais. O conceito de regionalismo aberto, de Gert Rosenthal, focalizou as bases do paradigma de integração da CEPAL, ao propor a abertura comercial e financeira da região como forma de impulsionar sua competitividade internacional. A reformulação do Estado e das relações sociais foi pensada desde um modelo gerencial, baseado no novo trabalhismo de Tony Blair, e difundido por Luiz Carlos Bresser Pereira, a partir do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) do governo Fernando Henrique Cardoso. Propunha-se a retirada do Estado do setor produtivo e a introdução de mecanismos gerenciais na administração pública – excetuando os setores estratégicos –, até mesmo para as políticas de combate à exclusão social.

Também ocorreu a conversão dos dependentistas de extração weberiana ao neoliberalismo, em particular, Fernando Henrique Cardoso. Chave para isso foi a idéia de que a dependência constitui o paradigma de desenvolvimento das sociedades periféricas. Ao mudar o paradigma de desenvolvimento da economia mundial, do protecionismo moderado que viabilizou a substituição de importações para o neoliberalismo, modificou-se sua proposta de políticas públicas.

A hegemonia do neoliberalismo conduziu a uma profunda crise das sociedades latino-americanas que, ao final da década de 1990, viram-se ameaçadas pela expansão do endividamento externo e interno, da desnacionalização, do desemprego e da pobreza.

O pensamento social no século XXI

A reorganização do pensamento crítico na América Latina se articula em torno de seis grandes enfoques que se dedicam à análise de um mundo em globalização e do papel que a região pode cumprir nesse processo.

O primeiro, desenvolve a aproximação entre as teorias da dependência e as do sistema mundial, vendo as primeiras como uma etapa inicial da construção de uma teoria marxista do sistema mundial. Esta aproximação se esboçou desde meados da década de 1970 e os anos 1980 e 1990, com as análises de Theotonio dos Santos e aprofundou-se a partir de meados dos anos 1990 com os estudos sobre globalização e o diálogo de pensadores latino-americanos com as obras de Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi, Andre Gunder Frank e Samir Amin. Este enfoque situa a formação de um sistema mundial capitalista no século XV e o seu desenvolvimento na articulação de suas tendências seculares e cíclicas. Para isso, utiliza os conceitos de revolução científico-técnica, ciclos sistêmicos, ciclos de Kondratiev e tendência decrescente da taxa de lucro. Distingue o período que se abre, a partir de 1967-1973, como de crise simultânea da hegemonia dos Estados Unidos e das tendências seculares do sistema mundial capitalista. Essa crise, contida parcialmente pela emergência de um novo Kondratiev, desde 1994, abre espaço para as políticas de contra-hegemonia, por parte de Estados e movimentos sociais. O desenvolvimento do regionalismo, a projeção do Leste asiático e sua periferia – em especial a China – e a expansão dos movimentos sociais sinalizam as guerras de posição e de movimento da contra-hegemonia no sistema mundial. À América Latina cabe a escolha entre submergir ao neoliberalismo ou lutar pela ruptura com a dependência e a participação ativa na recondução do sistema mundial. O esgotamento da atual fase expansiva do ciclo de Kondratiev poderá abrir, a partir de 2020, um período de transformações concentradas e decisivo para a redefinição do sistema mundial, no qual o socialismo não será a única alternativa. Entre os principais autores deste enfoque estão Theotonio dos Santos e Carlos Eduardo Martins. Outro importante articulador da teoria do sistema mundial na América Latina é Carlos Aguirre Rojas, ainda que se afaste de uma articulação mais próxima com a teoria da dependência.

O segundo enfoque que se destaca tem suas maiores expressões em Maria da Conceição Tavares e José Luís Fiori. Baseia-se na reformulação do pensamento neodesenvolvimentista, que desloca o eixo de sua análise para a economia mundial e situa, como centro mais importante do poder, a partir dos anos 80, a financeirização do capitalismo articulada pelos Estados Unidos. A hegemonia dos Estados Unidos se redefine e os aproxima da condição de império, apoiada na força do dólar e das armas. Esse enfoque se desenvolve com a obra mais recente de Fiori, que embora estabeleça periodizações, recusa a noção de ciclos ou de esgotamento das tendências seculares de um sistema, cujo início situa no século XII. Analisa a conjuntura contemporânea como um período de big-bang expansivo imperialista, similar ao de 1150-1350, 1450-1650, 1790-1914, onde a competição no sistema inter-estatal se intensificaria e o protagonismo inegável dos Estados Unidos já não seria absoluto e se acomodaria à projeção crescente da China e da Rússia.

O terceiro, se vincula à construção de uma teoria geopolítica latinoamericana e tem em Ana Esther Ceceña uma precursora e importante liderança. Este enfoque aponta a vulnerabilidade crescente dos países centrais por suas necessidades cada vez maiores de consumo de recursos estratégicos dos países periféricos e do Sul.  Enfatiza a importância do territorialismo para as novas formas de dominação, que incorporam a biodiversidade, o petróleo, a água, a produção de alimentos, destacando a potencialidade de novos recursos como o lítio. Situa, nesse contexto, a importância da América Latina como zona tropical e denuncia as formas de penetração do imperialismo para obter o controle econômico, político e territorial da região, através de formas dissuasivas que incluem o estabelecimento de bases ou de acordos militares na região, ou do terrorismo e desestabilização política ou econômica de governos nacionalistas. Este enfoque aproxima-se do pensamento anti-imperialista e da teoria marxista da dependência para situar a integração regional como um objetivo estratégico. Partindo da ascensão das esquerdas na América do Sul desenvolve-se ainda o conceito de integração soberana que situa como central a construção de uma arquitetura financeira soberana, baseada na construção de instâncias supranacionais e democráticas de gestão: um banco de desenvolvimento, um fundo de estabilização e uma moeda de conversão sul-americana que liberte a região da dependência do dólar, mas se articule a uma cesta de moedas que preserve a soberania das políticas monetárias nacionais. Entre os principais autores deste enfoque, além de Aña Esther Ceceña, estão Gian Carlos Delgado Ramos, Atilio Borón, Pedro Paes Pérez e Oscar Ugarteche.

O quarto enfoque que ganha bastante projeção é o do pensamento decolonial, que busca realizar uma crítica radical à modernidade propondo em seu lugar a transmodernidade. Aponta que a modernidade é inseparável da colonialidade, encoberta sob a retórica do progresso, e impõe a ferida colonial, criando também a decolonialidade como reação a ela. A colonialidade impõe o pensamento único e cria uma enorme assimetria entre os poucos que constituem-se como sujeitos legítimos e as amplas maiorias a quem se nega a legitimidade de pensar e construir outras formas de vida e de racionalidade, sendo reduzidos à condição de explorados, exóticos e sem valor.  A colonialidade, diferentemente do colonialismo que se refere às relações políticas de dominação entre estados e povos, diz respeito às relações de poder, ser e saber, às subjetividades e à cultura. Desta forma a colonialidade abrange fenômenos históricos mais amplos que o colonialismo e pode permanecer após o seu desaparecimento. A modernidade/colonialidade caracteriza-se pelo eurocentrismo e se apresentaria tanto sob o discurso burguês liberal ou conservador, quanto pelo discurso comunista marxista, centrado na universalização dos interesses do proletariado europeu sobre outros povos e grupos sociais.  O marxismo é visto por este enfoque como um discurso unitário e universalista, que buscaria construir desde a experiência europeia uma solução única para a humanidade: o comunismo. A proposta leninista de partido, centrado em vanguardas e em hierarquias aglutinadoras, geraria novas formas de colonialidade e de subordinação de particulares e a dialética trituraria as diferenças no mesmo.

O projeto decolonial prioriza a descolonização epistemológica e em seguida a comunicação intercultural para dar fundamento a novas legitimidades pluriversais, onde os consensos são resultado do acordo entre formas particulares de organização da existência. As categorias da modernidade como Estado e desenvolvimento deveriam submetidas a decolonialidade e as novas formas de organização econômica, social e política seriam o resultado de projetos éticos e epistêmicos locais. O pensamento decolonial, teria antecedentes nos séculos XVI, XVII e XVIII, mas se devolveria principalmente através de três grandes giros decoloniais: a) da independência haitiana até a segunda guerra mundial; b) da lutas pela descolonização da Ásia e África até os movimentos de 1968; c) da que se inicia com o fim da URSS, o surgimento dos movimentos por outra globalização e a discussão dos 500 anos de colonização nas Américas.

O pensamento decolonial aproxima-se fortemente do pensamento pós-estruturalista francês e do projeto genealógico de Michel Foucault que criticam o marxismo e situam as emancipações na emergência de sujeitos particulares e de saberes históricos contra projetos totalizantes, científicos e universais. As emergências se tornam epistemologicamente desconectadas de qualquer perspectiva coletiva totalizante, assumindo forte dimensão anárquica, abrindo-se enorme espaço de indeterminação sobre o tipo de consenso social pluriversal a ser construído e suas alianças de classes. Alguns autores como Walter Mignolo afirmam que o pensamento decolonial não é de esquerda, nem de centro e nem de direita, porque estas seriam categorias da modernidade contra a qual este se opõe. Outros, como Héctor Díaz-Polanco e Enrique Dussel, mais à esquerda, buscariam articular e limitar normativamente o giro ao particular das novas emergências à construção de projetos políticos emancipatórios que articulem os conceitos de Estado nacional, centro e periferia.

A crítica epistemológica que o pensamento decolonial faz ao marxismo é liberal e reacionária. O projeto de Marx é o de desdobramento do abstrato em direção ao concreto, e o de redefinição da abstração neste processo de concreção cada vez mais amplo. Não se trata de construir universais pré-definidos por um sujeito particular, o proletariado europeu, por exemplo, mas de redefini-los em função da construção de um sujeito muito mais amplo: a unidade do proletariado e da classe trabalhadora no mundo, como resultado da luta de classes contra o processo de internacionalização do capitalismo. Dialeticamente este universal não destrói a particularidade e será tão mais amplo, quanto maiores as pluralidades que sintetiza e com quem se articula. As limitações que certas formas concretas de marxismo apresentam, como o stalinismo, não constituem o limite epistêmico e político da proposta de Marx e Engels.

O projeto capitalista de civilização, por sua vez, não se apresenta apenas sob a forma abertamente conservadora, colonial e imperialista mas também sob a forma liberal, emancipatória e multiculturalista. Não apenas sob a forma explícita de negação da racionalidade e legitimidade de certos sujeitos, mas também sob a forma de discursos emancipatórios particularistas e unilaterais que produzam a competição de todos contra todos: ao invés de “trabalhadores de todo mundo uni-vos”, indivíduos do mundo inteiro compitam entre si em função de suas identidades locais e particulares. Monopólio e competição se repelem e se articulam dialeticamente no processo histórico de desenvolvimento da civilização capitalista, reformulando suas relações. Ao negar o marxismo e o socialismo, em razão de sua origem européia e de sua proposta universalista, o pensamento decolonial adota uma premissa epistemológica regressiva e abre um perigoso precedente para suas formulações políticas.

O pensamento decolonial realiza, entretanto, um grande resgaste do pensamento latino-americano ou periférico que se insurge contra a colonialidade do saber e põe em destaque o conceito de "buen vivir" como marco de um novo padrão civilizatório, caracterizado pela democracia social e ambiental e inclusão existencial e psico-afetiva do indivíduo no âmbito da comunidade e do meio ambiente. A civilização capitalista, diferentemente, ao opor o indivíduo à comunidade e a tecnologia à natureza, gera o "mal vivir", marcado pelo empobrecimento da vida comunitária e ambiental do indivíduo, e pelo fetichismo da mercadoria como ilusão de satisfação. Entre os antecedentes do pensamento decolonial, nos séculos XVI-XIX, estão Guaman Poma de Ayala, Ottabbah Cugoano, Antenor Firmín e Luis Joseph Janvier. No século XX, confere-se forte ênfase às obras de Aimé Cesaire, Mahatma Gandhi, Frantz Fannon, Amilcar Cabral, Rigoberta Manchú e ao pensamento zapatista. Todavia, grande parte do pensamento marxista é excluído da genealogia da decolonialialidade, como, por exemplo, o relacionado à teoria da dependência. O conceito de interculturalidade ganha forte centralidade como forma de organização democrática da vida social e comunitária, mas muitas vezes parece assumir independência das classes sociais na fabricação de consensos, definindo-se apenas como produto de decisão livre de gente livre. Da mesma forma a negação radical, em certos autores, de formas hierárquicas de organização contra-hegemônicas, manifesta na crítica ao leninismo, parece simplificar as complexas dimensões de articulação do movimento popular na luta contra o imperialismo e a dependência em nome de um igualitarismo radical, estilizando as formas comunitárias de organização dos povos originários.

Todavia, o pensamento decolonial traz o mérito de pautar uma crítica civilizatória radical à civilização capitalista, expressa nos conceitos de buen vivir e de interculturalidade, com poderosos efeitos de média e longa duração na construção de outra temporalidade. Sua emergência reflete a crise da hegemonia estadunidense e atlantista na região. Entre os seus principais autores estão Enrique Dussel, Anibal Quijano, Walter Mignolo, Héctor Díaz-Polanco, Ramon Grosfuegel e Nelson Maldonado Torres.

O quinto enfoque que merece destaque é o das teorias do populismo. A visão sobre populismo tem sido profundamente renovada a partir das análises de Ernesto Laclau. As teorias do populismo se desenvolveram na América Latina nas décadas de 1960 e 70, restringindo a ocorrência do fenômeno do populismo ao período de crise de hegemonia provocado pela decadência das estruturas agrárias e oligárquicas e pela incapacidade da burguesia nacional assumir tarefas nacionais-democráticas. Estas análises afirmavam que, neste contexto, segmentos minoritários das camadas médias e das frações do empresariado apelavam à mobilização popular para alcançar hegemonia e resolver o impasse de poder. Todavia a participação popular impulsionada pelo populismo não teria levado à organização própria e independente das massas que, articuladas por lideranças da pequena burguesia ou frações dissidentes do empresariado e das oligarquias, permaneciam heterogêneas e desorganizadas. As pressões pela ampliação do consumo e  participação política das massas ao contarem com precário suporte organizacional, centrado na liderança carismática e autoritária do líder populista, e enfrentarem a resistência das estruturas agrárias e do conjunto da burguesia industrial, colapsariam após radicalizar suas demandas, não resolvendo as questões a que se propunham. Este enfoque ganhou sua maior projeção com a obra de Francisco Weffort, o Populismo na política brasileira (1979). Nela o autor propõe a reorganização do movimento operário em torno de lideranças próprias e a sua inscrição como um suporte da modernização da ordem capitalista pela aliança com capital estrangeiro e associado, uma vez que vez que a revolução burguesa na periferia não seria nacional. Esta aliança se daria por pressões moderadas pela ampliação do consumo, de forma a estimular a inovação tecnológica para reduzir os custos de produção.

Todavia Ernesto Laclau renova amplamente as análises sobre o populismo. Para o autor, este não se resume a uma conjuntura específica, mas possui elementos gerais e se reapresenta em diversos momentos da história. O populismo se vincula ao impulso nivelador contra as desigualdades, presente em todas as sociedades, quando este articula demandas plurais e heterogêneas através de um discurso hegemônico que constrói o campo de povo em oposição ao do status quo. Para isso exige lideranças que unifiquem estas demandas, tornando-as equivalentes e horizontais, por meio de uma retórica de antagonismo aos grupos dominantes. O populismo se constitui a partir de uma profunda crise das sociedades liberais-democráticas que atendem às demandas plurais de forma diferencial e vertical, impedindo a sua unificação fora do campo hierárquico e institucional, ao qual permanecem integradas. O populismo não tem um conteúdo político pré-definido. Não é em si mesmo de direita ou de esquerda, tudo dependerá das articulações discursivas, uma vez que os significados somente adquirem sentido no universo relacional. Para defini-los, torna-se fundamental o exercício da liderança hegemônica, pois esta construirá o inimigo antagônico a ser derrotado e, como tal, o significado de povo, articulando de forma específica o nivelamento e a equivalência de suas demandas plurais. Tanto o fascismo quanto o socialismo podem ser resultados de formas de construção do discurso populista, ainda que radicalmente distintas, uma vez que o campo em que se inscrevem as demandas populares é relacional e, portanto, de significados flutuantes.

Segundo Laclau, qualquer projeto socialista democrático deverá ser necessariamente populista, necessidade que se acentua com a ampla heterogeneidade de demandas que deve articular e unificar, as quais se ampliam com a complexidade e desigualdade crescentes e violação do ecossistema do planeta que vai impondo o desenvolvimento capitalista. O projeto populista busca sua própria superação ao pretender eliminar o antagonismo entre povo e elite, ou mesmo a divisão entre estes campos, embora Laclau considere impossível a existência de sociedades sem hierarquias, o que lhe rendeu críticas de apoiar-se em concepções a-históricas de estrutura.

O sexto enfoque que devemos destacar é constituído pelas análises sobre os modelos desenvolvimento que se afirmam após a crise da hegemonia neoliberal na década de 1990 e os projetos alternativos que surgem no século XXI. Neste contexto destacam-se os trabalhos de Emir Sader sobre o pós-neoliberalismo, as críticas ao modelo neo-extrativista e reprimarizador que persiste na América Latina realizada por autores como Carlos Walter Porto Gonçalves e Alberto Acosta, os trabalhos de Alvaro Garcia Linera sobre o socialismo comunitário como projeto de transição a uma nova sociedade pós-capitalista e os de Michael Lowy e Enrique Leff sobre a questão ambiental e o ecosocialismo.

Com esses enfoques o pensamento social latino-americano lança-se sobre o século XXI, opondo-se ao neoliberalismo para reconstruir a região e o poder mundial em direção à democracia, ao desenvolvimento e à igualdade. Caberá às lutas sociais e à história responder se terá êxito.

Conferência “Desafios da América Latina na Geopolítica Mundial”, apresentada pela Dra. Ana Esther Ceceña, em Quito, no Equador, em fevereiro de 2015 (Luis Astudillo C./Cancillería del Ecuador)

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