Peru
Peru

Peru

Fernanda Gdynia Morotti (texto de atualização do verbete, 2006-2015)

Nome oficial

República del Perú

Localização

América do Sul, em sua porção oeste. Banhado pelo oceano Pacífico Sul, faz fronteira ao norte com Equador e Colômbia, a leste com Brasil e Bolívia e ao sul com o Chile

Estado e Governo¹

República presidencialista

Idiomas¹

Espanhol, quíchua, aimará (oficiais), ashaninka, outras línguas indígenas e outras (incluindo estrangeiras) (2007)

Moeda¹

Novo sol

Capital¹

Lima (972 mil  hab. em 2014)

Superfície¹

1.285.216 km²

População²

29.262.830 hab. (2010)

Densidade
demogr
áfica²

23 hab./km² (2010)

Distribuição
da população³

Urbana (76,92%) e
rural (23,08%) (2010)

Analfabetismo⁴

7,8% (2013)

Composição étnica¹

Ameríndios (45%), mestiços de ameríndios e brancos (37%), brancos (15%), negros, japoneses, chineses e outros (3%)

Religiões¹

Católica romana (81,3%); evangélica (12,5%); outras (3,3%), nenhuma (2,9%) (2007)

PIB (a preços
constantes de 2010)

US$ 175,42 bilhões (2013)

PIB per capita (a
preços constantes de 2010)

US$ 5.790,1 (2013)

Dívida externa

US$ 60,82 bilhões (2013)

IDH⁵

0,737 (2013)

IDH no mundo
e na AL

82° e 15°

Eleições¹

Presidente eleito por sufrágio universal a cada 5 anos. Legislativo unicameral composto do Congresso da República com 130 membros, eleitos por sufrágio universal para um mandato de 5 anos. primeiro-ministro não exerce poder executivo. conselho de ministros nomeado pelo presidente.

Fontes:
¹ CIA. World Factbook
² ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Database
³ ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision
⁴  CEPALSTAT
⁵  ONU/PNUD. Human Development Report, 2014

O Peru, na segunda metade do século XX, foi o cenário de uma série de processos insólitos. A ditadura militar do general Manuel Apolinario Odría (1948-1956) terminou com a ambígua democracia do advogado José Bustamante Rivero, que concentrou o poder em um reduzido círculo de poderosos, iniciando um regime oligárquico. Depois, entre 1968 e 1975, um grupo de oficiais liderados por outro general, Juan Velasco Alvarado, aplicou reformas econômicas e sociais com características não militares. Depois do desmonte de parte dessas reformas durante a “segunda fase” (1975-1980), dois governos civis – o de Fernando Belaúnde Terry, que voltava ao poder como uma reparação, pelo fato de não ter concluído o primeiro governo, como consequência da irrupção dos soldados, e o de Alan García Pérez, então líder juvenil, que levou a Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) pela primeira vez ao poder, depois de meio século de tentativas fracassadas – tentaram prosseguir com o desmonte, ou então devolver, como reação, um papel mais central ao Estado. Seus esforços ocorreram num contexto de verdadeira erupção social e política, e não foram vitoriosos.

A década de 1980 (a “década perdida” para a América Latina) foi, no Peru, também a da irracionalidade e da desesperança, como consequência da ação e do fogo cruzado entre as forças da subversão Movimiento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA) e Sendero Luminoso, por um lado, e as da repressão (o Exército, a Marinha e a polícia), por outro. A emergência do Sendero Luminoso desde o início da década resultou da convergência da miséria mais extrema do sul andino e da ação de um grupo, incentivado por uma confusa ideologia de esquerda, na qual se incluía do maoísmo ao messianismo e cujo desenvolvimento não só acarretou destruição e morte, mas também fez balançar a segurança e a confiança dos proprietários e da classe média. Finalmente, veio o governo de Alberto Fujimori, que aplicou uma política econômica desumana, ultraliberal, com violações da ordem institucional e dos direitos humanos. A revelação das ações de seu sócio e cúmplice, o ex-capitão e advogado Vladimiro Montesinos Torres, para captar lealdades, deu início à sua derrubada. Renunciou em Tóquio, numa lacônica carta enviada por fax em 19 de novembro de 2000. O restabelecimento democrático iniciado pelo presidente, Alexandre Toledo, em julho de 2001, não se revelou promissor.

O Peru é um dos países mais pobres da região, com uma população que, em 1950, era de 7,98 milhões e chegou a mais de 26 milhões de habitantes em 2005. Desse total, o censo de 1940 identificou 41% de índios, categoria que desapareceu nos censos posteriores: em 1994, só 17% do total da população manifestou ter uma língua indígena como materna. Para uma superfície calculada em 1.285.216 km², a densidade é muito baixa: ficou entre 6 e 22 hab./km² entre as duas datas. Tais cifras escondem enormes disparidades regionais: a hipertrofia da capital deve-se à migração ininterrupta de todo o resto do país desde meados do século XX, a fim de escapar da miséria. Aquela Lima antevista, nos anos 1960, por Sebastian Salazar Bondy como horrível tornou-se pior: uma babilônia colossal, onde “todos os sangues” se misturaram sem coerência ou rumo, e de onde surgiram expressões culturais, formas religiosas, normas de comportamento e maneiras de falar absolutamente peculiares.

A heterogeneidade da população perua­na vai além. Nas primeiras décadas do século XX, 54,7% da população economicamente ativa dedicava-se à agricultura e à pesca. No final do século, e apesar do surgimento errático da atividade industrial, essa fatia manteve-se em 34,7%. Além disso, a qualificação dessa mão de obra era virtualmente nula: o analfabetismo chegava, em 1940, a 58% dos homens e 69% das mulheres; em 1970, 47% da força de trabalho tinha menos de três anos de escolaridade. O fato de a massa de analfabetos ter caído para 12,8% em 1993 não diz muito em termos práticos. Entre 1913 e 1950, o Produto Nacional Bruto (PNB) per capita cresceu 2,9% ao ano, ritmo mais rápido do que a média desse crescimento nos países industrializados; em 1992, retrocedeu aos níveis dos anos 1960.

Não se buscam aqui respostas precisas aos problemas peruanos. O propósito que se persegue é muito mais restrito, no sentido de contextualizar as ilusões do presente, com suas luzes e sombras, e destacar, assim, as continuidades duradouras na trajetória da sociedade peruana, aquelas que dão sentido às turbulências dessa conjuntura e que assinalam seus alcances e limites.

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Vista aérea de Lima, capital do Peru (Imperial94/Creative Commons)

A independência e o longo século XIX

A independência do Peru foi imposta pela ação conjunta dos exércitos comandados pelo argentino José de San Martín (1821) e pelo venezuelano Simón Bolívar (1824, na batalha definitiva do pampa de Quinua, nas imediações de Ayacucho). A independência inaugurou uma ordem que combinava inovações e continuidades, estas predominantes, e até mesmo retorno às premissas iniciais da ordem colonial.

No Peru desse longo século XIX, e por razões apenas de caráter analítico, podemos assinalar cinco conjunturas: 1) a independência; 2) o retraimento, de 1821 a 1850; 3) a “idade” do guano, de 1850 a 1879; 4) a guerra do Pacífico, de 1879 a 1884; 5) a reconstrução e a “república aristocrática”, de 1890 até a crise de 1929. Trata-se de um processo secular que se desenrola sobre um terreno cujas matrizes coloniais se mantêm virtualmente intactas, como revelam os indicadores da população, da estrutura de gastos e de rendas do Estado republicano; o comportamento da população em uma guerra tão sangrenta como a que teve com o Chile entre 1879 e 1884; e a natureza do setor externo da economia, animado pela exploração do guano nas ilhas. O cenário começou a mudar só no final do século XIX, preparando mudanças significativas que aconteceriam no primeiro terço do século XX, mas que a crise de 1929 interrompeu de maneira abrupta. Essas continuidades internas estiveram enlaçadas a um contexto internacional diferente dos três séculos anteriores e, além do mais, mutável.

O novo cenário era, certamente, presidido pela Inglaterra, cujas mudanças tecnológicas, iniciadas a partir da segunda metade do século XVIII, a prepararam para controlar todo o planeta, por mecanismos tanto formais como informais, até o último período do século XIX. No caso do Peru e de outros países da América Latina, a presença inglesa foi sinônimo de mercadorias, basicamente tecidos, e de capitais, de forma esmagadora, sob a forma de empréstimos e investimentos.

A expansão das mercadorias significou o controle dos estreitos mercados internos do Peru, consolidando dessa maneira o setor externo como líder de sua economia. A exportação dos capitais ingleses constituiu uma novidade, pois até o fim do século XVIII o Peru e toda a região tinham sido muito mais exportadores de capital, mas desde o início do século XIX houve uma importante mudança, cujo desenvolvimento trouxe problemas de endividamento e crise. A natureza dessa articulação e os mecanismos de adaptação da economia e da sociedade peruanas a essa conjuntura instável constituem as coordenadas básicas desta análise.

O Peru começou sua história de país independente com uma população estimada em 1 milhão e 200 mil habitantes, metade dos quais era indígena, além de cerca de 500 mil negros. Sua base demográfica era, portanto, débil, apesar de as acentuadas quedas de população do início do período colonial terem cessado no século XVIII.

A estabilidade da “república aristocrática” a que nos referimos foi ameaçada algumas vezes. A primeira foi em 1914, quando um golpe de Estado depôs o presidente Guillermo Billinghurst, que, desde sua eleição dois anos antes, vinha desenvolvendo uma inusitada política “populista” avant la lettre, reconhecendo para os trabalhadores direitos sociais que assombraram e incomodaram os setores mais atrasados dessa aristocracia. A segunda, quando um estranho a essa classe, como foi dom Augusto Bernardino Leguía, decidiu fazer do Peru uma “pátria nova”, por meio do desenvolvimento de obras públicas, da construção de estradas (política de “recrutamento viatório”, eufemismo que disfarçava a utilização compulsiva e gratuita da mão de obra indígena), abrindo mercados e apelando à injeção maciça de capitais norte-americanos. O “oncenio”, nome utilizado para designar os anos de seu governo, foi possível porque Leguía apelou para mecanismos nada democráticos como forma de prolongar o mandato, e para a repressão e a expulsão de seus mais encarniçados adversários.

Em termos econômicos, as exportações foram dinâmicas devido à presença do açúcar, do algodão (semeados em áreas agrícolas cada vez maiores, devido à expansão de sua fronteira com as políticas de irrigação), do cobre, do petróleo e do impulso derivado de pesados investimentos de capital norte-americano. Mas essa bonança estava sujeita ao desempenho do mercado e do capital internacional, de modo que uma inflexão negativa era tanto mais dramática quanto maior seu grau de exposição. Com esse novo papel dos Estados Unidos, no final da década de 1920, 50% das exportações eram produzidas por empresas sob o controle de capitais norte-americanos, que financiava 56% do gasto público. Além dos capitais, seus mercados eram igualmente decisivos, absorvendo dois terços das destinações peruanas e abastecendo os mercados do Peru em uma proporção similar.

Novos atores, novas forças, novos cenários

A crise de 1929, ao fechar a fonte de créditos e investimentos e os mercados para as exportações peruanas, pôs um fim dramático à conjuntura iniciada após a guerra do Pacífico (1879-1883) e significou o fim do “longo” século XIX. Enquanto em outros países da América Latina essa crise obrigou as elites a esboçar um padrão de crescimento para “dentro”, em vez de economias vulneráveis aos choques externos, no Peru foi diferente: os governos de Luis M. Sánchez Cerro, Oscar Raymundo Benavides, Manuel Prado, José Luis Bustamante y Rivero e Manuel Apolinario Odría, que se sucederam desde a crise até 1956, continuaram com uma política favorável à expansão de exportações de matérias-primas, como consequência de uma demanda internacional dinamizada pela Segunda Guerra Mundial e pela Guerra da Coreia, e em reação ao dirigismo implementado por Augusto Bernardino Leguía. Somente em 1963, com o início do primeiro governo do arquiteto Fernando Belaúnde Terry, houve tímidos sinais de mudança, mais perceptíveis durante a primeira fase do autodenominado “Governo Revolucionário das Forças Armadas”, presidido pelo general Juan Velasco Alvarado, entre 1968 e 1975.

A transição para o século XX, entretanto, iniciou-se com um cenário dramático, cujos atores prefiguraram o processo que se efetivaria ao longo do século. A queda de Leguía, em agosto de 1930, e o assassinato do presidente que havia liderado o golpe que terminou com o “oncenio”, Luis Miguel Sánchez Cerro, em 1933, constituem os extremos de um ciclo de enfrentamento de novas forças sociais e de ideologias políticas que emergiram e se consolidaram nas três décadas anteriores. Tais forças, identificadas sob a liderança e as ideias de José Carlos Mariátegui, Victor Raúl Haya de la Torre e Luis M. Sánchez Cerro, traduziram as mudanças e opções irreconciliáveis das diferentes classes e segmentos da sociedade peruana.

A violência gerada reciprocamente por apristas, sanchezcerristas e socialistas foi inédita na história do Peru, transformando o massacre de Chanchan, em 1932, com milhares de mortos, no símbolo trágico desse enfrentamento. Não se tratou, porém, apenas de um conflito entre a oligarquia e as classes populares, pois estas ficaram separadas, já que os diagnósticos de Mariá­tegui e Haya de la Torre, sobre o Peru e sua possível trajetória, eram incompatíveis. Aprismo ou socialismo, como opções opostas, são as coordenadas básicas desse debate sobre alternativas para o Peru.

As mudanças não se limitaram à emergência dos novos atores e das novas opções políticas. No começo da segunda metade do século XX teve início, de forma tímida e depois como uma torrente, a migração da população rural para Lima. Isso por causa do desequilíbrio entre a dotação de recursos e a revolução demográfica no campo, consequência da queda da mortalidade, resultado da eficácia no controle de pragas e epidemias.

Para vastos setores rurais, Lima, nesse momento, era ao mesmo tempo um chamariz e uma ilusão, porque era imaginada por eles como a solução da sua dramática situação e como uma possibilidade de continuar avançando. A verdadeira revolução das comunicações, que encarnou a difusão generalizada dos rádios transistores, e as chances que a capital significava no seio de uma população majoritariamente analfabeta, transformou Lima em um sonho do homem do campo. Os que não migraram se transformaram rapidamente nos agentes de uma intensa mobilização camponesa que buscava acesso à terra, ou que questionava a legitimidade e as bases do poder dos latifundiários.

O que ocorreu em Cuba, em 1959, foi uma fonte de inspiração para os rebeldes peruanos. Entre os proprietários, no entanto, reacendia o medo de que os Andes se transformassem numa outra Sierra Maestra. Em 1956, o total de mobilizações camponesas era 31, mas seu número aumentou até 180 em 1963, com volumes crescentes de participação.

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A Praça de Armas, em Cusco (Travel Aficionado/Creative Commons)

Na década de 1960, a industrialização

Para conter os riscos, alentou-se a urgência de promover um processo de industrialização. A Lei do Desenvolvimento Industrial 13.270 (1959) previu um mecanismo de absorção da mão de obra migrante e de promoção de reforma agrária, sugerida por Pedro Beltrán, proprietário do importante jornal La Prensa e chefe dos conservadores, e pelo banqueiro Nelson Rockefeller. Tal reforma consistia em ampliar a fronteira agrária por meio de políticas de colonização, mas deixar intacto o sistema existente da posse da terra.

A Junta Militar que depôs o presidente Manuel Prado, em 1962, mostrou simpatia a essas iniciativas, ante o temor de uma ruptura institucional mais drástica, e apadrinhou o primeiro governo de Belaúnde, entre 1963 e 1968. Mas Belaúnde não esteve à altura do desafio, pela sua falta de desenvoltura, pelo caráter errático de suas propostas e pela férrea oposição das forças da ordem representadas pelos partidos políticos da maioria do Congresso. Essas razões, além da expansão da insurreição camponesa, explicam o retorno das Forças Armadas ao controle do Estado em outubro de 1968.

A virada dos oficiais peruanos não era um fato estranho no contexto da América Latina; colegas contemporâneos de Velasco, como Rodríguez Lara, no Equador, Torres Gonzáles, na Bolívia, ou Omar Torrijos, no Panamá, tomaram decisões similares. Mas, se os quartelaços eram fundamentalmente ações de indivíduos, geralmente para custodiar a ordem estabelecida e evitar as ameaças da plebe, o ocorrido no Peru, em 1968, resultou de uma convicção mais amplamente compartilhada entre os oficiais das Forças Armadas: o inimigo, agora, não era apenas externo, mas estava na própria casa, e era preciso combatê-lo; ante o fracasso dos civis, era necessário evitar desfechos mais perigosos. Tratava-se, no fundo, de um dos postulados da doutrina de segurança nacional; os que protagonizaram essa peculiar revolução foram os mesmos que reprimiram, com não menos convicção, as guerrilhas e os movimentos camponeses do início dos anos 1960.

A essas razões de contexto acrescentaram-se outras, de natureza mais doméstica e relacionadas com a crescente radicalização das forças sociais, cujas demandas representavam uma séria ameaça à ordem institucional, além da difusão de uma socialização política nova entre os oficiais, em instituições como o Centro de Altos Estudos Militares (CAEM), que os fez particularmente sensíveis às demandas populares.

Uma vez no governo, os militares adotaram um conjunto de medidas para derrubar o controle do capital estrangeiro sobre os recursos, por meio de um enérgico programa de nacionalização de suas empresas, ao mesmo tempo que buscaram a eliminação do poder do capital privado nacional por meio de uma reforma agrária radical, a expropriação dos meios de comunicação e o estabelecimento de novas formas de organização industrial, como as comunidades industriais. Em lugar delas, o Estado assumiu o controle direto da economia, por meio de empresas estatais, responsáveis por cerca de 34% do total da produção do setor industrial. Tal política, porém, dependia de financiamento externo. Além de paradoxal para um governo que proclamava seu nacionalismo, tal necessidade o fazia vulnerável às crises externas e às mudanças nas decisões dos investidores. Além do mais, o modelo, nem capitalista nem socialista, implantado pelo governo terminou acumulando os erros de ambos, sem nenhum dos seus benefícios.

Por mais corajosas que fossem essas reformas, seus efeitos no sentido de alterar profundamente a distribuição da renda foram mínimos. As reformas do setor industrial só transferiram 2% da renda nacional ao patamar mais alto dos trabalhadores desse setor, que por sua vez representavam apenas 8% do total da força de trabalho. A reforma agrária só afetou a terça parte do total das terras e pastagens, para benefício de cerca de um terço do total dos trabalhadores rurais. Além disso, o estabelecimento de cooperativas no setor agrário, ou de comunidades no setor industrial, afetou o rendimento de seus trabalhadores, fomentou a indisciplina no trabalho e provocou a queda da produção e da produtividade. O peso da dívida externa e a queda das exportações e dos preços dos bens exportáveis, associados a uma crescente hostilidade do capital estrangeiro, abriram o caminho para a crise. Velasco Alvarado foi substituído por Francisco Morales Bermúdez, que deu início à segunda fase do governo militar, cujo significado último foi o desmonte das formas empreendidas pelo seu antecessor.

Década de 1980: novos desafios

O governo militar, em sua primeira fase, não pode ser avaliado apenas pelos desastrosos resultados econômicos, e muito menos num horizonte de curto prazo. Há consenso suficiente para reconhecer que, por mais precárias que tenham sido, tais políticas modificaram a ordem quase colonial de antes. Os latifundiários desapareceram do campo; as piores formas de exploração dos trabalhadores rurais foram suprimidas; a desintegração das cooperativas e das SAIS (Sociedades Agrícolas de Interesse Social) permitiram a difusão, ainda que limitada, das pequenas e médias propriedades. A retórica nacionalista para além da propaganda, o reconhecimento do quíchua como idioma nacional e uma política exterior soberana abriram novos horizontes para muitos. Essas reformas, entretanto, não terminaram, e não se construiu nem se esboçou uma ordem nova. Foi exatamente dessas fendas que emergiu o novo drama do Peru na década de 1980.

A passagem para a democracia, no final da segunda fase do governo militar, devia ser organizada e com garantias suficientes para que o desmonte das reformas implementadas por Morales Bermúdez não gerasse retrocesso. Disso se encarregou a Assembleia Constituinte de 1979, presidida por Victor Raul Haya de la Torre, em que a coalizão da confusa esquerda teve importante participação. Promulgada a Constituição desse ano – mais uma entre as inúmeras que o Peru teve em sua vida republicana –, foi eleito Fernando Belaúnde Terry, cujo partido, o Ação Popular, não fez parte das deliberações constituintes.

Belaúnde continuou o desmonte, devolvendo, por exemplo, a imprensa aos antigos proprietários, e não pôde fazer muito mais porque seu programa, “o Peru como doutrina”, era muito nebuloso. Como um sinal dos novos tempos, o Sendero Luminoso apareceu em cena, queimando as ânforas do povoado de Chuschi, na serra andina, em 17 de maio de 1980.

Após Belaúnde, foi eleito, em 1985, o jovem e carismático Alan García Pérez, levando pela primeira vez seu partido, o APRA, ao poder. Mas a situação havia mudado: em 1919, apenas 2,5% da população votou; com a inclusão dos analfabetos e das mulheres o volume de eleitores tornou-se muito maior. Além disso, as reformas do governo militar e a reação que elas provocaram acirraram a contenda. Exemplos disso foram a presença da esquerda na constituinte, a eleição de Alfonso Barrantes Lingán como prefeito de Lima, em detrimento da coalizão Esquerda Unida, e a proliferação de jornais e revistas afins com ampla tiragem.

O APRA também mudara, no ideário e na práxis: os escritos de Haya de la Torre, incoerentes, foram sendo modificados de acordo com os humores do “chefe máximo”, com as conjunturas e acomodações do partido e com os pactos inúteis que precisou estabelecer, como a célebre “convivência” com o general Manuel Odría, seu mais ferrenho inimigo. Desde 1930, mutações importantes ocorreram em sua doutrina: apostando sucessiva e contraditoriamente numa mudança com revolução (1931-1944), em mudanças na democracia (1945-1948) e, finalmente, na democracia à custa de mudanças (1956-1969).

No século XX, partidos populistas como o APRA mostraram três características interligadas. Primeira: seu estilo vertical de mobilização foi dominado por líderes carismáticos, paternalistas e personalistas (José María Velasco Ibarra; Mammaduke Grove; Jorge Eliécer Gaitán; Juan Domingo Perón; Victor Paz Estenssoro; Rómulo Betancourt; Víctor Raul Haya de la Torre e Alan García Pérez, seu discípulo predileto). Segunda: o populismo apelou para a coalizão multiclassista, apoiada nos pobres, mas dirigida por setores dos estratos médios a altos. Terceira: ideologias ecléticas, nacionalistas, estatistas. Os programas reformistas deram lugar à promoção da industrialização e do bem-estar social.

Essas três importantes características do populismo contêm severas limitações e contradições. O modo patrimonial de mobilização repousa fortemente nos independentes e hábeis caudilhos. Clientelismo, campanha e recrutamento autoritário entram em conflito com os desejos das massas por participação mais direta e com a necessidade de institucionalizar o movimento em um partido estruturado ou até no governo, para realizar as promessas de reforma. A estrutura heterogênea do movimento gera também fricção entre grupos, especialmente entre as classes média e trabalhadora, ainda mais quando o partido chega ao poder. Pela mesma razão, o compromisso para unir industrialização e redistribuição implica renúncias e dilemas. Economias dependentes, atingidas por déficits de capital e inflação, têm excedentes insuficientes para aplacar demandas em conflito. Consequentemente, a maioria dos movimentos populistas provou ser mais efetiva na mobilização do que na institucionalização, com mais êxito para inflamar as massas do que para governar em seu proveito.

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Machu Picchu, a cidade perdida dos Incas, importante sítio arqueológico do Peru e Patrimônio Mundial da UNESCO (YoTuT/Wikimedia Commons)

O APRA no poder

Desde o final dos anos 1970 até meados dos 1980, a maioria dos observadores considerou que o populismo havia morrido. Os líderes latino-americanos adotaram políticas neoliberais, pondo ênfase no livre mercado, na privatização e na promoção das exportações tradicionais e não tradicionais. As tentativas de impor disciplina ao Estado acarretaram reduções nos programas de bem-estar social. À medida que a crise internacional da dívida aumentava, os esforços da reforma expansionista pareciam ainda menos prováveis. Ao mesmo tempo que a democracia tomava conta do hemisfério, os líderes civis preveniam contra o aumento das expectativas, o ativismo estatal ou o nacionalismo econômico. Durante o pior desastre econômico ocorrido desde os anos 1930, as políticas tecnocráticas de austeridade prevaleceram em toda a América Latina.

Portanto, a vitória, em 1985, do APRA atraiu a atenção mundial. Representava uma nova onda populista ou um anacronismo isolado. Isso porque, na América Latina, o governo peruano era o único que tinha o propósito de enfrentar os credores externos e o Fundo Monetário Internacional (FMI), ampliar os programas estatais para o desenvolvimento econômico, nacionalizar os bancos e lançar programas inovadores para a maioria não privilegiada.

A administração aprista enfrentou enormes desafios. Politicamente, precisou consolidar a sua base, legitimar o Estado e reintegrar o Estado e a sociedade, especialmente aos setores mais pobres. A democracia tinha de adquirir sentido para as massas. García precisou partir de um endogâmico partido de ideo­logia centrista para incorporar a vasta maioria dos peruanos num projeto de salvação nacional. Para fazê-lo, o jovem presidente teve de, simultaneamente, solapar a Esquerda Unida e neutralizar a desalentada direita. Precisou também frear as ameaças autoritárias dos militares e, sobretudo, das guerrilhas esquerdistas.

García confiou no paternalismo puro para se esquivar de todos esses problemas. Elevou o estilo paternalista do nível de partido familiar ao de um Estado paternalista. Lançou-se como a reencarnação do falecido Haya de la Torre. Colocou-se acima da burocracia, do partido e das organizações de massas. Embora seu carisma pessoal tivesse trazido um momentâneo ânimo ao sistema, não foi substituto de longo prazo para uma solução estrutural e institucional de crise de legitimidade, de participação, de representação e de integração.

Socialmente, o maior desafio que o governo enfrentou foi a extrema e crescente pobreza que afligia a maioria da população. Os líderes apristas dos estratos médio e médio-alto tentaram unificar as massas numa pluriclassista “Frente Única”. Em uma típica fórmula populista, o governo priorizou os grupos menos organizados – os pobres do setor informal. Apesar dos êxitos iniciais dos programas de redistribuição de renda, emprego e assistência agrícola, tais benefícios foram logo viciados pela excessiva dependência dos ímpetos pessoais do presidente e pelas excentricidades de um vulnerável modelo econômico.

O governo aprista quis tirar a economia da recessão, da deterioração e da subordinação à direita dos anos de Belaúnde. Optou por um papel ativo do Estado, fundado nas doutrinas tradicionais do APRA e da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). Sua estratégia macroeconômica lembrava muitas outras experimentações populistas e, ainda, a tragédia da Unidade Popular no Chile.

Os apristas adotaram o enfoque neokeynesiano de elevar o poder aquisitivo dos pobres para aumentar a demanda por produção nacional. Todos aclamaram também a anunciada limitação no pagamento da dívida externa a não mais do que 10% das rendas por exportações. No entanto, a demanda doméstica logo excedeu a capacidade produtiva, os investimentos e as reservas internacionais. O crescimento cessou, o déficit aumentou, o comércio declinou, a inflação subiu a níveis assustadores e os lucros de curto prazo foram corroídos. Este era o padrão no Peru do século XX: a recessão seguida de protestos sociais, seguidos de expansão, seguida de crise na balança de pagamentos. Também era um típico ciclo populista, conhecido em todo o hemisfério.

De forma esperada, o esgotamento, em 1947, do crescimento industrial impulsionado pelo consumo levou ao anúncio de medidas de estabilização mais ortodoxas e de “vazão”. Por sua vez, o fracasso econômico solapou as reformas sociais e a popularidade do presidente. García buscou resolver os angustiosos conflitos dividindo sacrifícios entre capitalistas e trabalhadores, entre pobres urbanos e rurais. Com o fracasso do programa, empresários e trabalhadores incrementaram as críticas. Nesse ínterim, o governo foi arrastado a uma crise de liderança.

O Sendero Luminoso

No início da década de 1980, começou a explodir nova tempestade social, com a expansão do Sendero Luminoso. Suas origens remontam a 1971, como resultado de uma das tantas divisões do Partido Comunista do Peru, e do seu enclave regional e institucional em Ayacucho e na Universidade San Cristóbal de Huamanga. Seu principal líder foi Abimael Guzmán Reynoso, filósofo formado na Universidade de Arequipa. De inspiração maoísta e fortalecido pela estadia de Guzmán na China, o movimento buscou nativização no pensamento de José Carlos Mariátegui, embora seus interesses originários se circunscrevessem ao controle da Universidade mais do que à promoção de um vasto movimento camponês. Nesse sentido, não era diferente dos grupos da esquerda radical que agitavam as universidades, embora suas propostas e críticas aos adversários se diferenciassem pelo radicalismo e pela virulência.

O fato de Ayacucho (“local dos mortos”, em quíchua) ter sido o berço do Sendero não é obra do acaso. Trata-se de uma das zonas mais pobres do Peru, com uma universidade reaberta desde 1959, logo transformada em centro de atração de estudantes camponeses e de difusão cultural muito avançada, com um isolamento que facilitou a pregação ideológica. Mais ainda com a presença de um professor como Guzmán, com carisma suficiente para persuadir e para inspirar respeito.

A ideologia do Sendero inspirava-se no pensamento de Mao Tse-tung, adaptado à realidade peruana, segundo a peculiar percepção que Guzmán tinha de ambos. Apesar de sua reconhecida parcimônia em pronunciamentos, a difusão, em janeiro de 1988, das bases de discussão do Partido Comunista do Peru nas páginas do El Diário permitiu o conhecimento de suas propostas e diretrizes. Para Guzmán,

o Peru contemporâneo é uma sociedade feudal e semicolonial na qual se desenvolve um capitalismo burocrático […], o capitalismo que gera o imperialismo nos países atrasados, preso ao feudalismo que caducou e submetido ao imperialismo que é a última fase do capitalismo.

O objetivo traçado, portanto, era a destruição do imperialismo, do capitalismo burocrático e da propriedade feudal, apoiando, com algumas condições, o capital médio. Essas seriam as primeiras tarefas da revolução peruana, visando se tornar uma república popular com nova democracia, que depois se transformaria em uma revolução socialista, para finalmente chegar ao comunismo, mediante revoluções culturais.

A construção da república popular da nova democracia só poderia advir de uma violenta guerra revolucionária conduzida pelo exército guerrilheiro popular. Suas ações: a conquista militar de bases; o estabelecimento – “passando por banhos de sangue” – de comitês populares no campo e movimentos populares de defesa do povo nas cidades, como concretizações do novo Estado. O Sendero pregava a subversão da ordem lutando, ao mesmo tempo, contra os agentes do imperialismo e do capitalismo burocrático, e contra as novas forças da esquerda peruana, a quem acusava de revisionismo ou de desvio da autêntica causa dos oprimidos. Naquele momento, a briga ainda não se revestia da forma sangrenta que mais tarde iria adquirir.

A expansão inicial do Sendero durante 1980 e 1982 nas regiões de Ayacucho e de Apurímac, no sul peruano, foi rápida e contou com o respaldo de fatias importantes da população rural e urbana. Basta mencionar a multidão que acompanhou o féretro de Edith Lagos, uma jovem dirigente senderista morta em combate em ­3 de setembro de 1982. Os testemunhos e as poucas investigações a respeito permitem enumerar as razões do êxito inicial de tal expansão. A primeira e mais óbvia foi o abandono secular daquelas regiões por parte do Estado. Áreas com populações miseráveis, carentes de recursos mínimos de infraestrutura, desprezadas pelos partidos políticos formais e submetidas ao controle e à exploração de caciques de todo tipo, onde a reforma agrária implementada por Velasco ou não havia chegado, ou terminara produzindo uma nova confrontação sobre a terra em mãos de empresas associativas.

A essas razões deve-se acrescentar a eficácia de táticas do Sendero para captar a simpatia dos camponeses. Ronald Berg, em estudo realizado na comunidade de Pacucha, em Andahuaylas, entre 1981 e 1982, considerou que o Sendero conseguira captar a adesão diferenciada dos camponeses, manifestada com simpatia ou apoio, tanto passivo como ativo. O grupo utilizou as tensões nascidas da reforma agrária, aplicando uma “justiça camponesa” diante da incompetência e corrupção dos funcionários locais. Mas também, de maneira significativa, as suas ações ganhavam a imediata adesão de um dos bandos em luta, ao colocar um novo elemento nos ancestrais conflitos inter ou intracomunais.

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O mercado de Písac e seu também importante sítio arqueológico, atraem diversos turistas (Eunheui/Creative Commons)

A intervenção das Forças Armadas

Nos anos iniciais da expansão do Sendero em Ayacucho e Apurímac, nem todos os camponeses foram aliciados nem o recrutamento esteve isento de brutalidades. Em artigo pioneiro, Henri Favre assinalava que, em 1981, comunidades de regiões baixas como Huancasanos eram mais suscetíveis de adesão ao movimento, devido à alta exclusão social e níveis de vida extremamente frágeis. Já as comunidades de regiões altas, como Lucanamarca, muito mais indígenas, eram mais propensas à reação contra o Sendero e sua estratégia implementada (que não era senão um corolário do seu desejo de asfixiar os mercados locais, obrigando as comunidades a praticar agricultura de autossubsistência). Para as comunidades de regiões altas, a regressão a uma economia de subsistência cortava de forma drástica os vínculos com o mercado, elemento estratégico para sua reprodução, obrigando-as a estabelecer relações de dependência com as comunidades de baixo e com aqueles que tinham se emancipado política e economicamente no passado recente. Tampouco tinha sentido para as comunidades altas a prédica do Sendero contra o Estado, já que eram beneficiadas pelo poder central com recursos indispensáveis para concretizar aspirações muito fortes, como a construção de escolas e a abertura de estradas locais. Favre concluiu que as raízes do Sendero se encontravam no setor massificado, inorgânico e não integrado, e que sua revolta era a dos párias, contra todas as classes.

Em 20 de dezembro de 1982, o presidente Belaúnde Terry, após o assassinato do diretor da filial de Ayacucho da Casa de Cultura del Peru, decidiu finalmente autorizar a intervenção das Forças Armadas na repressão ao Sendero. Essa decisão foi tomada dois anos depois de sua segunda eleição. A tardia intervenção do Exército é demonstração clara da ineficiência de seu serviço de inteligência na avaliação das atividades e do alcance das ações do Sendero. No entanto, para a opinião pública, a hesitação de Belaúnde era o resultado de seu medo de que o Exército terminasse não só com o Sendero, mas também com seu governo, como tinha ocorrido em outubro de 1968.

As ações militares foram inspiradas na doutrina da “guerra interna”, a mesma que tinha sido utilizada no Cone Sul durante vários anos de ditadura, cujas consequên­cias são amplamente conhecidas. Por essa razão, não foi surpresa para ninguém a rotineira proliferação de denúncias de violação aos direitos humanos. Na medida em que a maior parte das vítimas desses abusos era de camponeses índios, em virtude do conhecido racismo que impregna a sociedade peruana, a opinião pública logo se habituou a ler com indiferença as notícias sobre mortes e desaparecimentos, mas a situação alcançou limites de escândalo quando foram assassinados em Uchuraccay, em 26 de janeiro de 1983, oito jornalistas de Lima em missão de informação sobre a morte de vários senderistas na comunidade de Huaychao.

A chegada do novo governo aprista, em julho de 1985, abria a esperança de uma mudança de rumo na política contrassubversiva: Alan García anunciava que as raízes da violência estavam na pobreza e que seu governo velaria pelo respeito estrito aos direitos humanos e pela necessária subordinação dos militares à autoridade civil. Impôs o programa de ajuda ao chamado Trapézio Andino, do qual faziam parte as regiões mais pobres do país, e, ante o descobrimento de corpos de camponeses em valas comuns em Pacayacu e Accomarca, procedeu à destituição do chefe político-militar e do comandante da segunda região militar. Mas essas promessas iniciais se desvaneceram muito rapidamente: em 19 de junho de 1986, um motim em três prisões de Lima, sufocado pelas Forças Armadas, provocou a morte de trezentos presos; em 14 de maio de 1988 e nos dias seguintes, em Cayara, província de Cangallo (Ayacucho), como represália a uma emboscada sofrida por um comboio do Exército, trinta camponeses foram assassinados, seus cadáveres escondidos, e foram mortas ou “desaparecidas” nove testemunhas, em meio a total impunidade.

A ineficácia das Forças Armadas na luta contra a subversão não foi apenas o resultado da ausência de uma política coerente e autossustentada. As operações em territórios desconhecidos, onde o inimigo nunca apresentava um combate às claras, e tinha a capacidade de deslocar-se e de confundir-se no meio da população civil, para não mencionar os baixíssimos salários, foram fatores que enfraqueceram de forma contundente o moral militar. Daí a tentação dos soldados de tornarem-se corruptos ou desertores. De 1982 a 1985, foram 590 baixas, entre chefes e oficiais, modesto prelúdio das 4 mil petições de baixa que tramitaram nos três primeiros meses de 1992.

Guerrilheiros sem rosto

O Sendero se apoiou nas frações mais desarraigadas da população peruana, tanto rural como urbana. Não se tratava de um movimento organizado de operários ou camponeses; tampouco era portador de uma cultura estruturada. Seus adeptos formavam uma opaca e heterogênea franja social.

Eram jovens, muitos deles com uma educação formal muito alta, caracterizando bem os contornos e os dilemas do conjunto da sociedade peruana. No passado, até cerca de 1960, numa sociedade totalmente fechada e cuja estratificação combinava critérios étnicos e de classe, o único canal de mobilidade acessível aos setores populares era a educação. As sucessivas crises econômicas que atravessaram o Peru desde os anos 1970, o colapso da educação pública em todos os níveis, com a consequente emergência de algumas universidades privadas como centros adequados para uma formação profissional, mas abertas apenas à elite econômica, fizeram com que os jovens das classes populares optassem pela marginalidade ou pela subversão. Queriam destruir um sistema inútil, com ações nas quais não tinham nada a perder, ou compartilhar da ilusão de que sua intervenção na guerra era a entrada para um canal de mobilidade potencial. Em todos os casos, a violência advinda da frustração se expressava em atividades subversivas e no terrorismo, porque a esquerda peruana ou os ignorava ou não tinha nada a lhes propor. Uma análise dos expedientes dos acusados de terrorismo descobriu que 58% provinham das regiões mais pobres do país, e, apesar de 35,5% terem educação universitária, eram pobres ou muito pobres.

Quanto à práxis e às consequências da violência, os casos analisados revelam características significativas, resultado do entrecruzamento da estratégia que norteia as ações da subversão e do potencial explosivo incubado na realidade perua­na. As propostas do Sendero se traduziram em uma terrível cadeia de terror: explosão de 756 torres de fluido elétrico; 17.350 ataques armados incluindo granjas experimentais, bancos, indústrias urbanas e rurais, empresas associativas agrícolas, pontes e vias de comunicação; e o saque ao comércio nos povoados, para enumerar ações com clara implicação econômica.

Poucos negariam que num imenso mar de miséria essas unidades econômicas fossem pontos de modernização e progresso, embora seus benefícios fossem limitados. Em contrapartida, também não se pode ignorar que sua destruição somente tenha expandido o caos e feito mais miseráveis aqueles que já o eram, ainda mais quando não se contava com um programa claro de reconstrução a partir das cinzas. Formou-se aí uma nova fonte de ressentimento e de repúdio: trabalhadores ficaram sem suas fontes de trabalho, camponeses perderam as colheitas e pastores assistiram com estupor ao sacrifício de seus animais. Uma estimativa do Ministério do Interior estabeleceu que, entre 1980 e 1990, ocorreram 12.055 mortes e que os custos materiais dos recursos destruídos durante a década subiram a 22 bilhões de dólares, montante equivalente ao valor total da dívida externa do país naquele último ano.

Em 1970, no Alto Huallaga, surgiu uma zona próspera no cultivo da coca, planta que havia sido semeada pelos camponeses dos Andes como resultado da colonização iniciada na década anterior. A prosperidade da região esteve estreitamente associada à expansão do consumo da cocaína nos Estados Unidos e teve como resultado o incremento das áreas semeadas, que passaram de 28 mil hectares em 1980 para 211 mil em 1988. Dessa produção, direta ou indiretamente, participaram entre 300 mil e 400 mil trabalhadores, cerca de 5% da população economicamente ativa. O Peru é um dos principais produtores de coca para a fabricação da cocaína, cujo valor anual é de aproximadamente 1,2 bilhões de dólares – quase a metade das exportações legais.

Inicialmente, os atores principais eram os cultivadores, os narcotraficantes e a polícia encarregada da repressão. Entre eles se estabeleciam relações de conflito devido à incompatibilidade de interesses. Essas tensões foram exploradas pelo Sendero, que, depois de incursões iniciais no início dos anos 1980, alcançou uma sólida presença armada em 1985. A tática adotada pelo movimento era de extrema simplicidade. Bastava “proteger” os produtores da vigilância policial e das extorsões dos traficantes, e estes, das autoridades, atividade que certamente renderia bons lucros pela natureza do negócio. Mas o Sendero conseguiu consolidar não apenas sua presença na região como a cumplicidade dos produtores. Se o Sendero exacerbou a violência, esta por sua vez o antecedeu, o que não impede de reconhecer nele uma organização que evita estabelecer um claro limite entre as suas atividades e a delinquência.

Sendero versus Exército

Subversão e contrassubversão foram inicialmente as forças cujas ações, por operarem sobre um vulcão, expandiram a violência ao conjunto da sociedade perua­na. Mas os resultados dessa violência terminaram alimentando a si mesmos, para criar um incalculável caos. Entre as diversas expressões dessa violência/consequência que se transformou em violência, devem-se mencionar os chamados, não sem certo eufemismo, “desarraigados”, autênticos párias rurais que se instalaram em guetos situados no interior das cidades, como consequência do êxodo empreendido para escaparem das ações do Exército ou do Sendero. O número desses desarraigados foi estimado em 200 mil. Os deslocamentos, entretanto, não cessaram com o seu exílio interior. Além de precisarem sobreviver nas cidades já saturadas de migrantes, os povoados de onde provinham foram objeto de incursões do Exército e do Sendero, em busca de cúmplices ou delatores. Mas aqueles que não eram parte do novo chaqwa, porque morreram nas suas aldeias, deixaram nos seus órfãos um outro estigma da violência: só em Ayacucho foram 6.600 mortos.

Uma situação similar ocorreu com as patrulhas camponesas, uma espécie de polícia privada a serviço de proprietários que podiam financiá-las. Elas não só serviam para proteger os camponeses e reparar ofensas, mas também eram instrumentos do governo e das Forças Armadas na luta contra a subversão. Ainda que a entrega de armas possa ter sido um legítimo mecanismo de autodefesa no clima social e político do Peru, é impossível garantir que essas patrulhas armadas – com peculiar concepção da justiça – não tenham acertado contas com adversários. Estes tinham pouco ou nada a ver com a subversão, sobretudo quando contavam com dirigentes como o célebre “comandante Huayhuaco”, traficante e assassino convicto.

Assim, surgiu um outro cenário para que a guerra contra a subversão se transformasse em guerra camponesa ou em uma guerra civil, quando, a partir do poder, ou com o respaldo da direita, se organizaram verdadeiros grupos paramilitares, como o Comando Rodrigo Franco – nome de um líder aprista assassinado pelo Sendero –, para colocar bombas ou assassinar dirigentes da esquerda, ou quando o nome do Sendero foi usado como pretexto para a execução de crimes comuns.

Em terreno aparentemente mais neutro, as escolas, os colégios e as universidades públicas constituíam igualmente canais de socialização da violência. Dotados de professores com formação precária, salários miseráveis e aspirações bloqueadas pela instituição, não era de surpreender que a vocação de magistério não existisse e que, pela mesma razão, tanto professores como estudantes acompanhassem com entusiasmo aqueles que queriam reduzir a ordem existente a cinzas, aceitando prontamente – porque careciam dos instrumentos – visões rústicas do mundo e da sociedade formuladas pelos emissários de um novo apocalipse.

Tudo isso foi possível no Peru, no umbral de um novo século, como resultado não apenas do feroz combate que fez emergir essas forças ou das consequências que tornaram a alimentá-las. Uns e outros, com seus atos, não fizeram senão ativar um vulcão que continha séculos de desespero e de frustração. O desejo de revanche sublimado no terreno do imaginário ou a explosão com terror e sangue apontaram que a enorme responsabilidade da esquerda peruana só o foi em termos metafóricos assim como o papel do Estado e seus governos, para os quais foi difícil aceitar que se deviam erradicar não somente as consequências, mas sobretudo as raízes da miséria; e também a atuação do Sendero, cujo fanatismo e cuja ignorância o impediram de aceitar que as revoluções se fazem com o povo e não contra o povo, e que ações como as que empreendeu acabam produzindo efeitos contrários.

Esses séculos de ódios contidos, ao expressar-se com a violência esperada, desembocam no que se chama o componente andino da violência. Não se deve esquecer de que, também na França revolucionária, a grand peur surgiu pela ausência de um enquadramento apropriado para o ódio plebeu e camponês, fazendo tremer em seus alicerces uma aristocracia que abrigava a ilusão de que seu reino era eterno, por ser sagrado.

Da década perdida à década infame

Se retrocedermos a 1968, quando o general Velasco Alvarado e oficiais do Exército empreenderam um ciclo de reformas interrompidas e contraditórias, e prosseguirmos com as contramarchas iniciadas por Francisco Morales Bermúdez e continuadas pelo arquiteto Fernando Belaúnde Terry, finalizando nossa revisão com a esperança e desilusão do governo aprista presidido por Alan García Pérez, veremos que as ações do Sendero Luminoso se enquadram, dessa maneira, nas fendas geradas pelos esforços de tentar desmontar metade da ordem tradicional e nas tentativas igualmente fracassadas de outorgar posteriormente um novo sentido à trajetória do país, ou pelo menos de atenuar a miséria e o desespero de sua população mais pobre.

Em 2000 a população peruana era de 25,92 milhões de habitantes e havia aumentado mais de três vezes em relação aos 7 milhões e meio estimados em 1950. Tal expansão inclinou a balança em favor do setor urbano, que, em 1993, abrigava dois terços da população total. Foi desses escombros que emergiu o governo de Alberto Fujimori, um filho de imigrantes japoneses cuja entrada na casa de Pizarro é por si a expressão dessas fendas não recompostas. Até então (salvo golpes de estado protagonizados por provincianos e mestiços como Luis M. Sánchez Cerro, Manuel Apolinario Odría e Juan Velasco Alvarado), esse recinto esteve reservado a peruanos de estirpe (colonial).

Fujimori governou durante uma década, após as vitórias de 1990 e 1995, contra opositores de prestígio como Mario Vargas Llosa e Xavier Pérez de Cuellar. O período teria se prolongado por mais um quinquênio, devido ao casuísmo de sua maioria parlamentar que, ao aprovar em 1996 a chamada “lei da interpretação autêntica”, o autorizava a disputar uma nova eleição em 2000. Não fosse pela ampla mobilização popular, com movimentos como o dos cuatro suyos (quatro seus), liderado por Alejandro Toledo, tal curso não seria interrompido. O Peru transitava assim da década perdida de 1980 à década “infame” dos anos 1990.

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Parentes de vítimas do massacre de La Cantuta, e várias organizações defensoras de direitos humanos, protestam na Praça 2 de Maio, centro de Lima, contra a possibilidade de perdão para Fujimori, em julho de 2011(Catherine Binet/The Advocacy Project)
O governo de Fujimori ficou conhecido em todo o mundo por suas picardias criollas, como fechar o Congresso e o Poder Judiciário, destruir a institucionalidade democrática formal e romper a ordem de promoções das Forças Armadas, com a finalidade de ganhar a cumplicidade duradoura de oficiais servis. Seu nome também ficou marcado por ter deslanchado um amplo programa de corrupção e subornos, completamente inédito devido a sua magnitude, no seio de uma burocracia que sempre fora propensa a tais atos. Capturou Abimael Guzmán e a cúpula do Sendero Luminoso em 1992, e conseguiu o eficaz resgate dos reféns sequestrados na embaixada do Japão por um grupo reduzido do Movimiento Revolucionário de Tupac Amaru (MRTA) em 1996. Participou do fim do conflito armado com o Equador ao assinar um acordo de paz definitivo, em operação mediada pela diplomacia brasileira, em 26 de outubro de 1998. Autorizou o assassinato e o desaparecimento de professores, estudantes, camponeses e líderes operários sob o pretexto de luta contra a subversão.

Seu governo também ficou conhecido pelo circo de compra de adesões e de consciências de praticamente toda a classe política e empresarial, em notas de dólares, com o objetivo de que a operação executada e filmada por seu promotor Vladimiro Montesinos não deixasse a menor dúvida. Controlou a inflação e a reinserção do país no mercado financeiro, e arbitrariamente acudiu bancos e banqueiros amigos em falência. Finalmente, fugiu para seu país, o Japão, e de lá mandou um fax renunciando ao governo peruano, em novembro de 2000, a exemplo do que fizera Mariano Ignácio Prado em 1879. A leitura desses fatos provê adeptos e opositores de Fujimori de um imenso arsenal para usá-lo, seja em seu favor, seja contra ele. Não refaremos o mesmo exercício. Apenas aludimos às luzes cintilantes do presente e sublinhamos o entroncamento dessas peripécias com o longo e complexo processo da sociedade peruana.

Neoliberalismo e fujichoque

No que diz respeito à política econômica, a década de Fujimori marcou a implementação completa do pacote que o paradigma neoliberal recomenda: estabilização, controle férreo do gasto público, abertura completa do mercado, desmonte da proteção à indústria e aos serviços essenciais, como educação e saúde, flexibilização no trabalho (fim da estabilidade), redução do aparelho do Estado, controle da inflação, liquidação e leilão das empresas públicas, atração de investimentos estrangeiros diretos e disciplina fiscal para o pagamento da dívida externa. Todas essas medidas se aplicaram no Peru de Fujimori, e por essa razão constituem uma mudança importante em relação tanto ao ocorrido durante o governo de Velasco Alvarado, que fortaleceu muito mais a intervenção do Estado na economia, como aos tímidos esforços realizados nessa direção por Alan García.

Certamente, a aplicação desse programa não pode ser atribuída à originalidade de Fujimori, que conseguiu derrotar nas urnas seu opositor Vargas Llosa. Ele prometeu exatamente o contrário, para depois mudar de opinião no transcurso de uma viagem que fez a Nova York e Tóquio, durante a qual seus anfitriões o convenceram de que deveria colocar-se à altura das novas exigências e não ir na contramão daquilo que estava sendo feito em toda a América Latina.

Esse programa neoliberal, além do mais, foi subscrito por Xavier Pérez de Cuellar, seu rival nas eleições de 1995, ao manifestar que aplicaria um “fujimorismo sem Fujimori”, a que Fujimori respondeu cinicamente que, sendo ele Fujimori, estaria em melhores condições de realizar esse fujimorismo admirado por seu adversário.Tal programa também não era, em absoluto, diferente do adotado por Alejandro Toledo desde o início de seu governo em 2001, já que para ele política e economia andavam por canais diferentes.

De acordo com as premissas do programa, o presidente iniciou o governo com a implementação de um “fujichoque” em agosto de 1990, que eliminou o controle de preços do setor privado e aumentou os preços de energia e outros bens e serviços proporcionados pelas empresas públicas. O resultado foi o aumento de pobres em 70% em um só dia. Após um incremento adicional de preços sobre os seus já altos níveis, no fim do governo aprista, a inflação, como consequência de um férreo programa de estabilização, foi reduzida de 7.842% em 1990 a 410% em 1991, para continuar diminuindo até 9% em 1997 e 3,7% em 2002.

Em relação à abertura de mercados, as taxas alfandegárias médias caíram de 66% em 1989 até 16,1% em 1992, e a 12% em 1997, com o consequente incremento das importações, que passaram de US$ 338,3 milhões a US$ 1,85 bilhão entre 1990 e 1996. Essa abertura, no entanto, não diminuiu a participação do setor industrial na geração do Produto Interno Bruto (PIB); mas a liderança do crescimento passou a ser ocupada pelos setores de construção, pesca, bens não comercializáveis e produção de matérias-primas.

Em 1980, havia 210 empresas públicas que produziam cerca de 15% do PIB. Como resultado do processo de privatização, foram leiloadas 184 empresas, pela soma de US$ 7.792.200, dos quais entraram para o tesouro US$ 5.940.800. Esses recursos, como na época do guano, foram destinados aos gastos de defesa e do interior (US$ 999 milhões) e ao pagamento da dívida (US$ 1,09 bilhão), e os destinados aos setores sociais e setoriais (US$ 1,72 bilhão) financiaram programas de alívio à pobreza canalizados pelo Foncondes (Fondo Nacional de Compensación y Desarrollo Social) e pelo Pronaa (Programa Nacional de Asistencia Alimentaria), que serviram para a propaganda eleitoral do regime. Além disso, esse gasto foi centralizado pelo Ministério da Presidência, que controlava 40% da aplicação total do orçamento.

A liquidação das empresas públicas implicou a transferência de controle das antigas estatais ao capital estrangeiro da Espanha, do Reino Unido, dos Países Baixos, do Chile e da China, cujos investimentos, entre 1992 e 1997, subiram para US$ 4,79 bilhões. Mas seus efeitos sobre o capital nacional também foram importantes. O quadro de famílias que fazem parte da elite empresarial peruana mostra que surgiram 26 novas, enquanto 15 foram substituídas e 11 mantiveram a posição de privilégio que possuíam antes dessas reformas.

Crescimento e dívida externa

Se um dos determinantes importantes do crescimento é o investimento, o estancamento da poupança interna, em torno de 15% entre 1991 e 1998 (Kisic, 1999), fez com que o investimento estrangeiro assumisse um papel cada vez mais decisório, tanto no Peru como em toda América Latina, depois que o México assinou, em 1989, o Plano Brady para começar a resolver a crise derivada da suspensão do pagamento da dívida, em 1982.

Apesar das interrupções derivadas da desvalorização do peso mexicano em 1994 (o “efeito tequila”), do bath tailandês em 1997 e do rublo russo em 1998 (“a crise asiática”), entre 1991 e 1998 entrou no Peru o equivalente a US$ 4,1 bilhões anuais (de 1970 a 1990 foram apenas 650 milhões anuais), alocados fundamentalmente nos setores de comunicações, energia e finanças. A contrapartida foi a expatriação de capitais, entre 1993 e 1998, na ordem de US$ 2,04 bilhões, a título de utilidades e lucros não distribuídos, a um ritmo anual de 29%, além de outros US$ 2,54 bilhões nesses mesmos anos por crédito de pagamento de juros sobre empréstimos, a um ritmo de 32% anuais entre essas datas. O déficit na balança de pagamentos, como consequência dessas remessas, passou de US$ 35 milhões a 1,03 bilhão entre 1990 e 1998.

Nesse contexto, o desempenho da economia, medido com base no PIB per capita, mostrou uma redução de 5,5% em 1990, de 3,5% em 1993, um surpreendente aumento de 11,2% em 1994, para seguir crescendo a uma média de 5%, uma das mais altas da região. O crescimento de 1994 foi o resultado integrado de uma crescente injeção de investimentos estrangeiros, atraída por um clima de estabilidade produzido pelo controle da subversão e pelo uso de uma capacidade instalada não utilizada. Apesar de seu dinamismo, o PIB per capita ainda se achava em 12% abaixo do nível alcançado em 1980.

Mas isso não é tudo. Não existem investigações similares às de Richard Webb e Adolfo Figueroa, mas os dados sobre o PIB per capita e a evolução dos salários reais permitem conhecer a participação do trabalho na renda nacional. Os resultados mostram que entre 1989 e 1993 produziu-se uma queda significativa, seguida de um ligeiro aumento em 1994 e 1995, enquanto o índice de salários reais sobre o PIB per capita foi de 1% em 1980, 0,54% em 1990, 0,70% em 1994 e 0,61% em 1995.

Como consequência dessa situação, a porcentagem de pobres alcançava 54,8% do total da população no ano de 2001. Isso significa que mais da metade da população tinha um poder aquisitivo insuficiente para adquirir a cesta básica de consumo. No entanto, tal média nacional oculta situa­ções fortemente contrastadas segundo áreas e em nível regional. Enquanto a incidência da pobreza era de 42% nas cidades, nas áreas rurais do país quase oito de cada dez habitantes (78,4%) se encontravam em situação de pobreza. O risco de ser pobre era praticamente o dobro nas áreas rurais do que nas áreas urbanas (1,46% e 0,77% respectivamente).

Em relação ao pagamento da dívida externa, outra restrição ao crescimento, os vencimentos para o período de 1996-1998 foram renegociados com os credores do Clube de Paris; reestruturaram-se os pagamentos a serem realizados entre 1999 e 2007, no valor de US$ 1,52 bilhão em 1998, US$ 1,66 bilhão em 1999 e US$ 1,7 bilhão em 2000, ao mesmo tempo que se previa que esses pagamentos alcançariam o topo de US$ 1,88 bilhão em 2004. Por outro lado, a dívida pública bancária, num montante de US$ 4,20 bilhões e US$ 6,37 bilhões, correspondentes ao principal e aos juros, foi igualmente reestruturada mediante sua troca pelos bônus Brady, a um custo inicial de US$ 1,37 bilhão. Na medida em que a disponibilidade de divisas permitir, será possível cumprir esse calendário de pagamentos, só que a frente externa da economia apresenta riscos derivados do incremento das exportações, como consequência da liberalização do mercado e da natureza primário-exportadora da economia, outra das consequências dessa política, porque a deixa particularmente vulnerável às flutuações negativas dos preços e da demanda internacional.

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O presidente do Peru, Alan García, após almoço em sua homenagem no Palácio Itamaraty, no Brasil, em novembro de 2006 (José Cruz/ABr)

Reforma da reforma agrária

O fim do sistema arcaico de posse da terra, sob o lema “o camponês não comerá mais de sua pobreza”, foi um dos resultados mais significativos das mudanças introduzidas pelo regime militar. Mas, também nesse setor, o governo Fujimori aprofundou um processo, iniciado na década de 1980, com a reconstrução de uma classe empresarial que dirigisse a modernização da agricultura peruana, redistribuisse a terra e dinamizasse seu mercado.

Depois da reforma agrária e da fragmentação das cooperativas, mais de 97% das unidades com irrigação permanente tinham, em 1994, menos de 20 hectares e concentravam três quartos dessas terras. Em agosto de 1991, “a reforma da reforma agrária”, nome dado pelo próprio Fujimori, começou a mudar essa situação. Autorizou que sociedades anônimas fossem proprietárias de terras, preparou as condições para eliminar o foro agrário, estabeleceu um tratamento igual para nacionais e estrangeiros e aumentou para 250 hectares as áreas protegidas na costa, serra e selva. A Lei de Terras, de 1995, cancelou todo o limite referente ao tamanho da propriedade, permitiu a privatização das terras das comunidades camponesas e nativas e reconheceu o direito dos proprietários atingidos pela reforma agrária de reclamar seu pagamento mediante a concessão de terras não cultivadas do Estado.

No segundo governo, a partir de 1995, Fujimori privatizou as ações do Estado nas empresas açucareiras, tentando transferir as cooperativas para investidores privados. Isso fortaleceu a tendência para uma rápida concentração da propriedade nas mãos de grandes conglomerados financeiros voltados para o mercado internacional. Em uma investigação coordenada por Fernando Eguren em 2001, descobriu-se que na costa não havia mais do que quatrocentas empresas agrárias com mais de 80 hectares, na sua maioria exportadoras, sobre um total de 200 mil explorações agropecuárias. Apesar de esse número ser ainda reduzido e de não permitir constatar o restabelecimento da grande propriedade, o autor sustenta que as tendências na direção desse objetivo são claras, até mesmo quando muitos produtores julgam que se trata de uma atividade econômica não rentável.

Um balanço da economia sob o governo de Fujimori indica um crescimento com altos e baixos, mas cujos frutos foram encampados por uma fração mínima da população, de tal modo que seu impacto em gerar uma maior igualdade foi nulo. As políticas de flexibilidade no trabalho incrementaram o desemprego e a instabilidade, e o setor informal cresceu muito. Para analistas como Hernando de Soto, isso alavanca o crescimento, porque mostra o dinamismo de “empresários” populares, que só precisam de acesso à propriedade e ao crédito. Seu diagnóstico, porém, não menciona isso como resultado de uma economia sem capacidade para absorvê-los.

Na situação atual, os que têm um trabalho estável, mesmo com salários miseráveis, são privilegiados e não colocariam em risco essa condição. Isso explica a indiferença às medidas mais brutais de estabilização: ao longo dessa década, só a paralisação nacional de 1999 constituiu uma exceção importante. O virtual desaparecimento dos partidos políticos – cujos votos, somados aos obtidos pela Ação Popular, Partido Popular Cristão, APRA e Esquerda Unida, baixaram de 97% para 6% entre 1985 e 1995 – permitiu que Fujimori praticasse uma peculiar democracia plebiscitária e fortalecesse a atomização extrema da sociedade peruana, impedindo uma articulação mais ampla em defesa dos interesses populares. A anomia expressou-se não apenas no campo da economia, da política e da sociedade, mas também na cultura popular, com o surgimento de formas religiosas, musicais e linguísticas totalmente híbridas.

Para sobreviver em meio à miséria, importantes setores populares se organizaram para implementar desde restaurantes populares até associações de microempresários, mas é pouco provável, por muito engenhosos que sejam, que eles possam por si sós resolver seus problemas. Nesse contexto, a experiência da Cuaves (Comunidad Urbana Autogestionária de Villa El Salvador), criada em 1973 pela população de um bairro marginal do sul de Lima, mostra a impossibilidade de manter por longo tempo um mundo solidário em um contexto global regido por valores opostos. Ocorre a mesma coisa com os restaurantes populares (que no começo de 1991 alimentavam cerca de 600 mil pessoas por dia), porque sua manutenção depende do abastecimento eventual, produto da instável caridade internacional, ou da ajuda clientelista das autoridades locais ou centrais.

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Protestos no centro de Cusco contra os planos do governo de privatização da administração de patrimônios históricos e culturais como: Machu Picchu, Ollayantaytambo, Chinchero e Písac, em 2008 (Creative Commons)

Quo vadis?

Na segunda metade do século XX, o Peru foi alvo de políticas econômicas mutuamente contrapostas, sob o argumento de resolver problemas econômicos e sociais e aliviar as dificuldades do povo: as intervencionistas de Juan Velasco Alvarado e Alan García; as liberal-ortodoxas de Francisco Morales Bermúdez e Fernando Belaúnde Terry; e a neoliberal de Alberto Fujimori. Os resultados foram deploráveis para o crescimento da economia, para a diminuição da distância entre ricos e pobres e para a erradicação do desemprego e dos dramáticos níveis de pobreza e de miséria. O crescimento, em alguns anos, até se mostrou acima da média da região, e as cifras mostravam alguns sinais alentadores no incremento do emprego ou na recuperação da renda. Mas tais mudanças eram descontínuas e nunca engrenaram uma expansão sustentada. Também não se reduziu o abismo entre poderosos e humildes; pelo contrário, essa diferença aumentou, porque a distribuição do produto ficava presa aos níveis mais altos, como demonstram os resultados das reformas agrária e industrial de Velasco e a economia de Alejandro Toledo.

Outros presidentes virão, mas nada indica, nos limites da previsão, mudanças profundas. Os que controlam o Estado estão preocupados em manter equilibrados os parâmetros macroeconômicos e praticar uma rígida disciplina fiscal que garanta o pagamento das obrigações externas. E, por vezes, quando os protestos forem mais estridentes, permitirão o “gotejar” de alguns soles, ou, para serem mais generosos – nos limites do desatino –, nas proximidades das eleições.

Calcula-se que em 2020 o Peru terá 33,7 milhões de habitantes, com taxa de crescimento declinante no tempo da ordem de 2%, e o produto deve crescer mais que a população. A aposta em um crescimento ancorado nas exportações primárias não poderá absorver o excedente de mão de obra, como também não vai melhorar a distribuição da renda. As previsões do Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI) assinalam que os efeitos dessa expansão serão limitados aos setores modernos, cuja mão de obra é reduzida e qualificada. Essa aposta nas vantagens comparativas, amparada no fato de que até 1994 as exportações totais cresciam a um ritmo anual de 7%, enquanto as exportações industriais o faziam a menos de 1%, constitui a ilusão dos fazedores de política para não se desviarem, por pouco que seja, do caminho considerado correto.

O que se passou no cenário social, de Fujimori a Toledo, mostra que não existe força organizada com capacidade para alterar esse curso. Os sindicatos, porque não querem pôr em risco o privilégio relativo de seus filiados; os partidos políticos, muito menos. Surgirão certamente outros Fujimoris e outros Toledos, que acenderão momentaneamente o entusiasmo das pessoas, mas será só isso. A experiência demonstrou que é possível prometer o paraíso na terra, com toda a irresponsabilidade e impunidade, porque não existem mecanismos para cobrança posterior. O caso de Toledo é bastante eloquente: veio de baixo e, em virtude do seu esforço e ambição, foi capaz de se educar e adquirir as destrezas necessárias para governar. Seu exemplo alimentou a propaganda, do mesmo modo que as virtudes de trabalho e de honestidade atribuídas equivocadamente a Fujimori, por conglomerados de pessoas na espera ansiosa por um novo messias. No caso de Toledo, a ilusão se apagou antes do final do primeiro ano de governo, em meio a múltiplos escândalos, promessas não cumpridas e o salário presidencial mais alto do planeta.

Se a contundente afirmação de Adolfo Figueroa é correta quando escreve que, “para restabelecer o crescimento econômico, o Peru deve resolver a crise distributiva”, é evidente que os perfis atuais de distribuição e de concentração da propriedade não permitem um desempenho ótimo a longo prazo, salvo ilusões momentâneas. Evidência disso é a incompetência da classe dominante, que tem a ver com a ausência de empregos adequadamente remunerados, a indisponibilidade de terras para alojar o excedente da população rural e a baixíssima qualificação da mão de obra rural e urbana.

O contexto da globalização parece ser favorável, porque, paradoxalmente, ­fragmenta o mundo entre ricos e pobres, ao mesmo tempo que pulveriza as sociedades nacionais, fazendo com que seus homens e mulheres optem por saídas individuais, além de permitir o deslocamento sem freio dos capitais e reduzir à insignificância completa o espaço para decisões autônomas do governo. Nem sequer o exílio via êxodo ao exterior é mais possível, como consequência de barreiras cada vez mais intransponíveis colocadas não apenas pelos países do Primeiro Mundo, como também pelos da periferia. Em suma, tudo ocorre como se as inércias do passado prevalecessem sobre as mudanças efêmeras, como na mensagem do romance de Lampedusa: mude para que tudo continue igual.

Atualização (2005 - 2015)

por Fernanda Gdynia Morotti

Em 2006, Alan García concorreu novamente à presidência pelo Partido Aprista Peruano. Em uma disputa acirrada com Ollanta Humala, que se elegeria presidente em 2011, ganhou as eleições com 52,6% dos votos. Ao adotar um modelo econômico baseado na exportação do setor extrativista, seguindo as mesmas diretrizes de Fujimori, o governo García fez o país crescer a uma taxa de 8,9% em 2007. Contudo, os índices de pobreza e de extrema pobreza chegaram a 85% da população em algumas regiões do país.

A gestão García foi voltada para alcançar a estabilização macroeconômica. Assim, o risco país diminuiu, o tesouro acumulou reservas e o pagamento da dívida externa foi antecipado. Em contrapartida, 60% da população economicamente ativa estavam desempregados em 2009 (relatório Latinobarómetro 2010) e, segundo os índices GINI do mesmo ano, o Peru figurava entre os países mais desiguais do globo.

Nas relações internacionais, a maior parte dos acordos comerciais foi assinada com os Estados Unidos (com quem o Peru estabeleceu um tratado de livre-comércio), com a União Europeia e com a China. Tais parcerias respondiam por cerca de metade das exportações peruanas e, na maioria dos casos, os produtos exportados se limitavam a commodities metálicas, pescados e petróleo bruto, sinal de uma economia pouco industrializada.

Uma das marcas da gestão García foram os chamados “narcoindultos”, a revisão de penas e condenações de sentenciados envolvidos com o tráfico de drogas. Setenta condenados foram indultados e 5.246 presos tiveram suas penas reduzidas. O governo também enfrentou mais de 160 mobilizações sociais. Na maioria dos casos, os manifestantes protestavam contra a exploração predatória dos recursos naturais do país e reivindicavam maior participação nas decisões governamentais. A resposta, em boa parte, veio na forma de repressão, muitas vezes com o emprego de contingentes das Forças Armadas. Outra fonte de conflito permanente foram os enfrentamentos entre o Sendero Luminoso e o aparato policial, que resultaram em cerca de 1.500 mortes.

O governo Ollanta Humala
García deixou o governo com apenas 10% de aprovação. Nessa mesma época, 34,8% da população peruana vivia na pobreza, um caldo de cultura que levou à polarização das eleições presidenciais em 2011. De um lado, estava a candidata direitista Keiko Fujimori – filha do ex-presidente Alberto Fujimori, condenado a 25 anos de prisão por corrupção e por violações dos direitos humanos –, e de outro, Ollanta Humala, representante dos setores progressistas. Humala suavizou seu discurso durante o segundo turno, afirmando que as reformas sociais anunciadas por ele seriam feitas de forma gradual. Dessa forma, angariou respaldo político de partidos opositores, assim como de personalidades como o escritor Mario Vargas Llosa, entusiasta neoliberal e ardente defensor do livre mercado.

Com 51,5% dos votos, Humala venceu a disputa no segundo turno. Iniciou o governo se mostrando aberto às reivindicações populares e tratando de apaziguar as lideranças dos mais importantes movimentos sociais, especialmente dos indígenas. Logo ficou claro que não romperia com a linha política adotada por seus antecessores, apesar de seu perfil esquerdista. Ele manteve o presidente do Banco Central, Julio Velarde, e nomeou, como ministro da economia, Luis Miguel Castilha, que já havia sido vice-ministro no governo anterior.

Contudo, apesar das críticas de que cedeu às ambições dos setores neoliberais, limitando-se a sustentar a governabilidade sem atender as reivindicações com as quais havia se comprometido, Humala avançou em diversas áreas. Na educação, por exemplo, o Programa Nacional de Becas e Créditos – chamado Beca 18 – facilitou o ingresso dos estudantes da escola pública ao ensino superior. Em 2014, beneficiou 30 mil estudantes e a meta era atingir 50 mil jovens até 2016.

Já o programa de assistência Pensão 65 atendia cerca de 320 mil idosos em situação de extrema pobreza e contribuia para reduzir a parcela de pobreza da população – de 42% em 2007, a taxa caiu para 25% em 2012 (dados INEI). O governo atuou também no campo por meio do ministério do Desenvolvimento e da Inclusão, que ofereceu modernização e diversificação para o trabalho dos pequenos produtores rurais. Dessa forma, de 2011 a 2014, segundo dados da CEPAL, meio milhão de peruanos saíram da linha da pobreza.

O governo Humala não alterou o modelo de exploração dos recursos naturais no país, o que lhe valeu críticas à esquerda e à direita. Os setores progressistas argumentavam que os conflitos sociais não iriam cessar enquanto não fossem concebidas formas sustentáveis de se dispor dos recursos naturais. Alegavam que o governo deveria encontrar uma alternativa para se afastar de um modelo que reincidia na exploração desenfreada, imediatista e irrecuperável.

Contudo, essas afirmações eram rechaçadas por grupos desenvolvimentistas. Estes advertiam que os conflitos com grupos ambientalistas ameaçavam os investimentos na área energética, vitais para viabilizar os projetos de mineração. Segundo o ministério das Minas e Energia, os investimentos estrangeiros em mineração giram em torno dos US$ 70 bilhões. As regiões de Arequipa, Apurimac e Cajamarca detêm cerca de 60% desses investimentos.

A China e o Brasil figuravam entre os maiores investidores do Peru no período Humala. Nos últimos anos, o Brasil havia se tornado o terceiro maior parceiro comercial do país. Foi firmada uma agenda de cooperação entre as nações para os próximos vinte anos, que deve movimentar investimentos de cerca de US$ 30 bilhões. O comércio e o turismo entre Brasil e Peru também se intensificaram desde a inauguração da Rodovia Interoceânica, em julho de 2011.

Mas, se aos olhos externos Humala conseguiu manter o Peru em alta, a visão doméstica sobre sua gestão foi diversa. Em 2014, somente 22% dos peruanos aprovavam seu governo. O principal anseio da população era a diminuição da violência, que cresceu vertiginosamente a partir dos anos 2000. Em 2005, segundo dados do INEI, ocorreram cerca de 150 mil delitos no país; em 2012, esse número chegou ao patamar de 250 mil casos. Além da violência, os peruanos sofrem com um sistema de saúde ineficiente e com constantes denúncias de corrupção na administração pública. Outra fonte de rejeição à administração Humala era a influência exercida por sua mulher, Nadine Heredia. Ela foi indicada por Humala à presidência do Partido Nacionalista Peruano e havia quem apostasse em uma manobra legal para permitir que Nadine concorresse à presidência em 2016, o que a Constituição não permitia.

Humala pode ser considerado o governante que mais fez pela população pobre do país. Mas isso não afetou o quadro de desigualdade social peruano, resultado de anos de políticas econômicas liberais. O Peru continua a exibir uma das maiores taxas de crescimento do PIB na região, mas, ao mesmo tempo, um dos piores desempenhos no plano social. 

Em junho de 2016, o economista de centro-direita, Pedro Pablo Kuczynski (conhecido como PPK) foi eleito presidente em segundo turno, numa apertada vitória sobre a candidata populista de direita, Keiko Fujimori. Ele conquistou 50,12% dos votos, contra 49,88% obtidos pela filha do ex-presidente Alberto Fujimori. Foi a eleição com a menor diferença entre os candidatos desde a redemocratização do país em 2000.

 

Dados Estatísticos

Indicadores demográficos do Peru

1950

1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020*

População 
(em mil habitantes)

7.632

9.932

13.195

17.329

21.772

26.000

29.263

33.079

• Sexo masculino (%)

50,34

50,39

50,40

50,34

50,19

50,17

50,12

...

• Sexo feminino (%)

49,66

49,61

49,60

49,66

49,81

49,83

49,88

...

Densidade demográfica 
(hab./km
²)

6

8

10

13

17

20

23

26

Taxa bruta de natalidade 
(por mil habitantes)

47,08

46,27

40,52

33,74

28,45

23,04

19,8*

17,1

Taxa de crescimento 
populacional**

2,55

2,88

2,78

2,39

1,90

1,28

1,26*

1,06

Expectativa de vida 
(anos)**

43,90

49,12

55,52

61,54

66,75

71,60

74,7*

77,4

População entre 
0 e 14 anos (%)

41,57

43,32

44,00

41,91

38,27

34,09

29,99

26,3

População com 
mais de 65 anos (%)

3,46

3,44

3,48

3,64

3,99

4,83

5,99

7,6

População urbana (%)¹

41,00

46,81

57,41

64,57

68,90

73,04

76,92

80,11

População rural (%)¹

59,00

53,19

42,59

35,43

31,10

26,96

23,08

19,89

Participação na população 
latino-americana (%)***

4,55

4,51

4,59

4,76

4,89

4,94

4,91

5,00

Participação na 
população mundial (%)

0,302

0,328

0,357

0,389

0,409

0,424

0,423

0,429

Fontes: ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Database

¹ Dados sobre população urbana e rural retirados de ONU. World Urbanization Prospects: the 2014 Revision

* Projeções. | ** Estimativas por quinquênios. | *** Inclui o Caribe.

Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados indicada.

 

Indicadores socioeconômicos do Peru

1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020*

PIB (em milhões de US$ a
preços constantes de 2010)

57.864,9

85.464,7

147.070,0

... 

• Participação no PIB 
latino-americano (%)

2,186

2,387

2,957

... 

PIB per capita (em US$ a 
preços constantes de 2010)

2.657,3

3.286,6

5.024,3

... 

Exportações anuais 
(em milhões de US$)

3.916,0

3.322,0

6.954,9

35.803,1

... 

• Exportação de produtos 
manufaturados (%)

1,4

16,8

18,4

20,3

13,9

... 

• Exportação de produtos 
primários (%)

98,6

83,2

81,6

79,7

86,1

... 

Importações anuais 
(em milhões de US$)

3.090,0

2.923,0

7.357,6

28.815,3

... 

Exportações-importações (
em milhões de US$)

826,0

399,0

-402,7

6.987,8

... 

Investimentos estrangeiros 
diretos líquidos 
(em milhões de US$)

26,9

41,0

809,7

7.062,4

... 

População Economicamente 
Ativa (PEA) 

...

...

5.744.656

7.877.242

11.809.675

14.478.880

17.448.087 

• PEA do sexo 
masculino (%)

...

...

70,01

67,33

58,05

56,78

55,66

• PEA do sexo 
feminino (%)

...

...

29,99

32,67

41,95

43,22

44,34

Taxa anual de 
desemprego 
urbano (%)

...

...

...

5,0

...

Gastos públicos em 
educação (% do PIB)

...

...

3,29

2,85

...

Gastos públicos em 
saúde (% do PIB)²

...

...

2,76

2,75

... 

Dívida externa total 
(em milhões de US$)

9.595

22.856,5

27.980,8

43.673,5

... 

Analfabetismo 
acima de 15 anos (%)

...

...

...

...

10,0

...

• Analfabetismo 
masculino (%)

...

...

...

...

4,80

...

• Analfabetismo 
feminino (%)

...

...

...

...

14,9

...

Matrículas no 
ciclo primário¹

2.341.068

3.161.375

3.855.282

4.338.080

3.762.681

... 

Matrículas no 
ciclo secundário¹

546.183

1.203.116

1.697.943

2.234.178

2.674.593

... 

Matrículas no 
ciclo terciário¹

126.234

306.353

678.236

900.059

1.150.620

... 

Professores

...

...

380.895

... 

Médicos**

5.061

12.432

...

48.942

... 

Índice de Desenvolvimento 
Humano (IDH)³

0,595

0,615

0,682

0,722

...

Fontes: CEPALSTAT

¹ Calculado a partir dos dados do Global Health Observatory da Organização Mundial de Saúde
² UNESCO Institute for Statistics
³ UNDP. Countries Profiles

* Projeções. | ** Os dados do ano de 1960 referem-se ao número de médicos registrados, nem todos residentes ou trabalhando no país. 

Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados ou no documento indicados.

  

Mapas

 

Bibliografia

  • BONILLA, Heraclio. El futuro del pasado. Las coordenadas de la configuración de los Andes. Lima: Fondo Editorial del Pedagógico San Marcos/Instituto de Ciencias y Humanidades, 2005.
  • BONILLA, Heraclio; DRAKE, Paul. El APRA: de la ideología a la praxis. Lima: Clahes/Center for Latin American and Iberian Studies, University of San Diego, California, 1989.
  • CHAVARÍA, José. José Carlos Mariátegui and the Rise of Modern Peru, 1890-1930. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1979.
  • FITZGERALD, E. V. K. The State and Economic Development: Peru since 1968. Cambridge: Cambridge University Press, 1976.
  • KISIC, Drago. Privatizaciones, inversión y sostenibilidad de la economía peruana. In: John Crabtree y Jim Thomas (Eds.). El Perú de Fujimori. Lima: Universidad del Pacífico, IEP, 1999.
  • LÓPEZ, Sinesio. Ciudadanos reales e imaginarios: concepciones, desarrollo y mapas de la ciudadanía en el Perú. Lima: Instituto de Diálogos y Propuestas, 1997.
  • QUIJANO, Aníbal. La economía popular y sus caminos en la América Latina. Lima: Mosca Azul, 1998.
  • SHEAHAN, John. La economía peruana desde 1950. Lima: IEP, 1999.