Brasil
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Brasil

Nome oficial

República Federativa do Brasil

Localização

Leste da América do Sul, banhado pelo oceano Atlântico

Estado e Governo

República federativa presidencialista

Idiomas¹

Português (oficial) e línguas indígenas
locais nas áreas de Reservas

Moeda

Real

Capital¹

Brasília
(4,074 milhões de hab. em 2014)

Superfície¹

8.515.770 km²

População²

195,2 milhões (2010)

Densidade 
demogr
áfica²

23 hab./km²

Distribuição da População³

Urbana (84,34%) e 
rural (15,66%) (2010)

Analfabetismo⁴

8,5% (2013)

Composição étnica¹

Brancos (47,7%), mulatos (mestiços de brancos e negros) (43,1%), negros (7,6%), asiáticos (1,1%), indígenas (0,4%) (2010)

Religiões¹

Católica romana (64,6%), protestante (22,2%) outras cristãs (0,7%), espíritas (2,2%), outras (1,4%), nenhuma (8%), outras católicas (0,4%), não especificada (0,4%) (2010)

PIB (a preços constantes 
de 2010)

US$ 2,279 trilhões (2013)

PIB per capita (a preços constantes de 2010)

US$ 11.399,6 (2013)

Dívida externa bruta desembolsada⁵

US$ 227,7 bilhões 
(2002)

IDH⁶

0,744 (2013)

IDH no mundo 
e na AL

79° e 14°

Eleições

Presidente e vice-presidente eleitos por voto direto para mandato de 4 anos, com direito a uma reeleição. O presidente nomeia seu gabinete ministerial. Poder Legislativo bicameral (Congresso Nacional) composto pelo Senado Federal com 81 senadores, três por estado e Distrito Federal, eleitos diretamente para mandatos de 8 anos, com renovação intercalada de um terço e dois terços a cada 4 anos; e, Câmara dos Deputados composta por 513 membros, eleitos direta e proporcionalmente nos estados, para mandatos de 4 anos. Senadores e deputados não possuem limites para reeleição.

Fontes:
¹ CIA World Factbook
² ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Database
³ ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision
⁴  CEPALSTAT
⁵  IPEA/DATA
⁶  ONU/PNUD. Human Development Report, 2014

Emir Sader (texto de atualização do verbete, 2006-2015)

Como todos os países da América, o Brasil nasceu dos dolorosos e cruéis processos de formação do Novo Mundo pela colonização ibérica. Aqui renasceu também o Velho Mundo. Uma extraordinária combinação: o novo, financiando a acumulação de capi­tal –­ numa época em que os metais preciosos eram a forma por excelência do dinheiro –, provocou o renascimento do velho. Uma colonização inteiramente nova, em cujos objetivos mesclavam-se propagação da fé cristã, feitorias comerciais, exploração de riquezas materiais e conquistas territoriais. Com os americanos nasceu a modernidade. Éramos contemporâneos dela, seus fatores, junto com os conquistadores. Isso não quer dizer que não houve guerra e extermínio.

No Brasil, conforme estimativas mais recentes e modestas, haveria em 1500 um contingente de 2,5 milhões de autóctones, dispersos ao longo e ao largo do que corresponde hoje ao nosso imenso território. Um genocídio os reduziu a pouco mais de 340 mil indígenas – apelido decorrente da suposição de ter-se chegado às Índias pelo Ocidente. Os sobreviventes concentram-se, sobretudo, na Amazônia – cerca de 180 mil. Os parcos, esquálidos mesmo, remanescentes no restante do país formam, em geral, pequenos grupos, na maior parte completamente aculturados, inseridos no mais baixo estrato social, vivendo sob pobreza extrema. Uma catástrofe epidemiológica que se ombreia com todas as grandes pestes europeias e asiáticas.

O sentido da colonização foi mercantil, como assinalou Caio Prado Júnior em História econômica do Brasil, numa análise mais precisa do que a genérica noção de “exploração colonial” desposada pelos cronistas. A colonização mercantil expressou-se primeiro na extração da madeira que daria nome ao território que seria chamado de “país do futuro”, no futuro. Depois da extração do pau-brasil, o país foi transformado num empreendimento produtivo, numa colônia de produção ou de exploração, com a introdução da cana-de-açúcar. Os portugueses a haviam transportado da África para a ilha da Madeira e a transformaram numa atividade produtiva, combinando lavoura e indústria.

A posse da terra foi logo definida pelas capitanias, depois pelas sesmarias de providência real. A concentração fundiária se tornaria um dos pilares da estrutura econômica, social e política da colônia, prolongando-se séculos além, reforçada pelo sucesso da exploração. Êxito que despertaria também a cobiça internacional: França e Holanda não só namoraram a enorme possessão da Coroa portuguesa como chegaram a invadi-la. Os primeiros, é verdade, por pouco tempo, no Maranhão e no Rio de Janeiro ainda no século XVI, e os segundos por um quarto do século XVII no Nordeste açucareiro, disputando o açúcar e o tráfico de escravos. A Inglaterra pirateou sempre que pôde, até transformar-se na patrulheira dos mares e patrona da extinção do tráfico negreiro. 

Primórdios da escravidão

Fosse pela ne­cessidade de mão de obra, devido à inadaptação da população autóctone para trabalhos regulares e à sua fuga para remotas paragens, fosse pelas oportunidades oferecidas por um grande negócio, cedo – já no século XVI – o comércio de escravos negros africanos transformou-se num outro pilar fundamental da economia colonial, imprimindo sua marca a ferro e fogo no corpo dos escravos e da sociedade. No dizer do historiador Luís Felipe de Alencastro (em O trato dos viventes), a colônia americana era o lugar da produção, e a África negra, o da reprodução.

Provavelmente, nada menos que 4 milhões de africanos negros aportaram ao Brasil, numa soma total de 10 milhões, que se distribuíram também pela América espanhola, pelas Antilhas francesa, britânica, holandesa e dinamarquesa – com destaque para Jamaica, Cuba e Estados Unidos. Esse estigma está na origem de problemas até hoje irresolutos, mesmo depois que a economia – já brasileira e inteiramente capitalista – chegou a ser a segunda de maior crescimento no século que foi, aproximadamente, de 1870 a 1970.

Esfolar escravos era o grande negócio

O par senhor-escravo assentou as bases de uma estrutura social bipolar, que formou a maior parte da nação. Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, da geração de 1930, seria a obra que romperia os clichês da antropologia racista acerca da miscigenação das raças. No século XIX, a região Sul e parte da região Sudeste diversificaram-se étnica e estruturalmente com a chegada de imigrantes da Europa empobrecida.

Durante um breve tempo, o Eldorado esteve nos aluviões e nas profundezas das Minas Gerais. Até hoje quem quiser pode visitar, nos fundos de poços de minas, em Ouro Preto, a morte dourada de milhares de negros, que eram submetidos a semanas inteiras praticamente enterrados nos garimpos. A vida deles emoldurou em ouro e hoje faz a glória de capelas e matrizes do barroco brasileiro.

Daí, em toda a colônia, outra diferença essencial: com as reservas da reprodução em África, o escravismo foi um sistema duramente predatório. A expectativa de vida de um escravo no Brasil não ultrapassava muito os trinta anos. A mãe-preta ficou na saudade das gerações de brancos que se alimentaram com seu leite e com suas lendas da África, pela excepcionalidade da duração da vida dos escravos domésticos. Os do eito, da lavoura, cedo morriam. O deslumbramento com a figura da escrava, até para o desfrute machista da elite branca, sobrevive, de certa forma, na louvada sensualidade negra e mulata do carnaval carioca e é retratado pelo belíssimo poema “Essa nega Fulô”, de Jorge de Lima.

Esfolar o escravo até a alma era bom negócio para os proprietários e para os traficantes. Os EUA, com um atraso de quase um século como colônia, abrigam hoje mais de 300 milhões de habitantes, enquanto o Brasil, que assustou demógrafos malthusianos na metade do século XX porque crescia a taxas de 3,5% anuais, tem apenas pouco mais de 195 milhões. É claro que o crescimento demográfico norte-americano excepcional é fruto também da intensa migração europeia atraída “para fazer a América”, que continuava até o início do século XXI, substituída pela migração de latino-americanos.

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O Monte Pascoal tido como o primeiro ponto avistado por Pedro Álvares Cabral (Wikimedia Commons)

Apesar do “exclusivo colonial”, isto é, da parte do leão que ficava para a metrópole portuguesa, os “negócios do Brasil” cresceram e prosperaram. Desde o início, a colônia era uma espécie de gigante que não passava pela estreita goela da metrópole. O desenvolvimento colonial foi rapidamente transformando a metrópole. É simbólica dessa inversão a extravagância da mudança da sede do Império para o Brasil, em 1808, quando a corte inteira, capitaneada por d. Maria I, a Louca, e seu filho regente dom João, depois rei dom João VI, partiu em desabalada carreira, em fuga das tropas napoleônicas do general Junot.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos fala de seu país como uma semiperiferia, encalacrado entre a Europa – à qual finalmente se uniu já nas últimas décadas do século XX – e um império demodée, na África, que não conseguiu entrar na divisão internacional do trabalho já ultrapassada pela segunda Revolução Industrial. Uma encruzilhada que produziu a tragédia africana e o embotamento português.

Unitarismo na monarquia americana

O comércio e as atividades produtivas movidas a braço escravo mantiveram e reforçaram a concentração fundiária. A mineração e o comércio do ouro tiveram seu apogeu e decaíram. A mesma coisa ocorreu com a criação de gado solto pelo pampa gaúcho e pelos sertões áridos do Nordeste. A conjunção das duas expansões pecuárias fez o país ter o maior rebanho bovino do mundo, somente ultrapassado pela Índia, onde a vaca é sagrada, por isso improdutiva. Depois do advento do chamado trabalhador livre, o Sul veria a diversificação de suas atividades, enquanto enfraqueciam as do Norte agrário, especialmente no que viria a ser o Nordeste.

Na virada do século XIX para o XX, irromperia o surto da borracha na Amazônia, depois de a Goodyear, fábrica de pneus norte-americana, vulcanizar o látex. Milhares de nordestinos, na maior transmigração interna vista até então, iriam para a selva conviver com a malária e as sezões, indo bater na Bolívia, onde o cearense Plácido de Castro lideraria, já no século XX, a anexação do Acre, hoje um estado brasileiro. Terminou ali, pela perícia diplomática do Barão do Rio Branco, o expansionismo territorial brasileiro. Foram erguidos teatros dourados em Manaus, onde até o tenor italiano Enrico Caruso (1873-1921) cantou.

Despontaria ainda o ouro verde – o café – das barrancas do Paraíba do Sul no Rio de Janeiro, nas últimas décadas do século XIX, marchando para o oeste, São Paulo adentro pelo Vale do Paraíba, chegando ao Oeste Paulista. Já no século XX, a cafeicultura tomaria de assalto São Paulo e chegaria ao norte paranaense. Até converter-se na mais importante mercadoria do comércio mundial, só ultrapassado pelo petróleo, já avançado o século passado.

As mudanças na estrutura social, na forma de exploração das riquezas, na estrutura da propriedade, no estatuto do trabalho, com os imigrantes estrangeiros – italianos, espanhóis e portugueses, alemães e uma miscelânea provinda da Europa central, depois japoneses – substituindo o trabalho escravo nas regiões em curva ascendente de prosperidade, abalaram as estruturas políticas do rígido (mas maquiado) unitarismo da única monarquia do continente. O país real era mais uma confederação de oligarquias locais e às vezes regionais, combinando os poderes econômicos com os políticos de fato.

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Um panorama da enseada de Botafogo, no Rio de Janeiro (Leandro Ciuffo/Creative Commons)

Truncamento precoce

O Brasil esteve em convulsão por toda a parte, desde a Inconfidência Mineira em 1789 – que não chegou a ter, propriamente, expressão militar e, portanto, libertadora –, passando pelas revoluções liberais do ciclo nordestino (1817, 1824, 1848), com a guerra da Independência de entremeio. Tratou-se de guerra, pois, se no Sudeste a coisa foi relativamente pacífica, da Bahia a guarnição militar portuguesa somente foi expulsa quase dois anos depois. Houve ainda uma regência autoritária, que governava em nome do imperador menor de idade e brandia pela espada dos Lima e Silva, inclusive o precoce futuro Duque de Caxias, o projeto autocrático da burocracia. Período conturbado, mas decisivo, a regência derrotou a Cabanagem no Pará, a Balaiada no Maranhão, a Revolta dos Malês na Bahia, as revoluções do ciclo nordestino já citadas e a Farroupilha no Rio Grande.

Foi um duro percurso, do Quilombo dos Palmares, no que é atualmente o Estado de Alagoas, até que o país desaguasse, sem tempestade (na nossa história até a meteorologia é falha) na abolição da escravatura, em 1888. Mas, disse um conselheiro do Império: “Liberta uma raça e perde uma coroa”. Batia às portas a República.

Desde muito cedo, portanto, estrutura­ram-se os elementos do truncamento bra­sileiro, mesmo que não se adote como pon­to de vista um desenvolvimento histórico linear. O truncamento alimentou a autoironia, cáustica às vezes, mas baseada em fatos reais: uma independência urdida pelos liberais, mas que se fez mantendo a mesma família real no poder; um segundo imperador que passou à história como sábio e não deixou uma palavra escrita – salvo cartas de amor, afinal redescobertas, um tanto pífias; uma abolição pacífica, que roeu as entranhas da monarquia; uma república feita por militares conservadores mais autocratas do que o próprio imperador. Num registro não sarcástico: desenvolvimento conservador a partir de rupturas históricas libertadoras; esse filme parece nunca terminar.

Menos latino-americanos que os vizinhos

Nas Américas, o Brasil perde em extensão territorial apenas para o gelado Canadá e para os Estados Unidos. Representa um quinto do território total da Améri­ca, mais de um terço da América Latina e quase a metade da América do Sul. Fomos empurrando o meridiano do Tratado de Tordesilhas para oeste, até bater nos Andes­. Anexamos o Uruguai uma vez, como Província Cisplatina, tomamos territórios do Paraguai na infame guerra, tudo dentro dos conformes da tradição da formação dos Estados nacionais na velha Europa e nos Estados Unidos. Por aí não há diferença.

Anexamos o Acre, então uma província boliviana, como fato consumado da expansão da frente de exploração da borracha. O expansionismo territorial só foi encerrado já no século XX. A história brasileira, fundada no mesmo movimento de expansão do mundo, tem, entretanto, algumas singularidades que nos distinguem dos outros latino-americanos: somos menos latino-americanos que nossos vizinhos.

Há marcadas diferenças entre os que povoavam o território da América portuguesa em 1500 ante os povos autóctones de outros países da América Latina. Nossas sociedades pré-“descobrimento” eram mais tribais no plano da organização, mesmo que revisões e avanços nos estudos antropológicos, arqueológicos e paleontológicos tenham condenado o velho estigma do indígena brasileiro como “selvagem”, puro nômade, sem agricultura. Na verdade, a própria Amazônia abrigou sociedades agrícolas muito estáveis, embora, neste caso verdadeiro, sem uso de metais. Alguns produtos, como a mandioca e o milho, já eram cultivados.

O parentesco da conquista portuguesa com a similar espanhola não esconde enormes dissimilaridades, entre as quais persistiu a língua, que se tornaria mãe: a única população americana de fala portuguesa é a brasileira, o que teria dificultado suas relações com os demais povos. Em verdade, a dificuldade maior deveu-se à herança dos contenciosos vindos da colônia, que se projetaram nas novas nações e nacionalidades, sobretudo nas relações com alguns parceiros do Mercosul, como Uruguai, Argentina e Paraguai.

Embora as duas metrópoles fossem igualmente ibéricas, as colonizações portuguesa e espanhola diferiram muito, sobretudo pela base produtiva, mas também na transferência de instituições da matriz e sua adaptação às condições da colônia.

Colonização ibérica, mas peculiar

A colonização espanhola não era, absolutamente, um regime sem lei, embora sua aplicação nas colônias dependesse muito do poder local e o recurso à metrópole fosse quase inviável. Já a colonização portuguesa no Brasil foi muito mais frouxa. Nela nunca houve nada parecido com a encomienda e a mita (sistemas de trabalho obrigatório dos índios na agricultura e nas minas) dos territórios da Coroa espanhola – salvo nas breves e destruídas reduções jesuíticas dos guaranis no sul do Brasil. Em contrapartida, a escravidão no Brasil alcançou uma escala só comparável a Cuba, Jamaica e ao sul dos EUA.

Religião comum, o severo catolicismo romano da época da Contrarreforma foi implantado no Brasil com o predomínio da Companhia de Jesus, enquanto nos territórios coloniais de Espanha houve maior equilíbrio entre as diversas grandes ordens católicas. O sincretismo religioso elaborou entre o catolicismo e as crenças africanas uma rica galeria de deuses e deusas, enquanto, entre os hispânicos, ocorreu fenômeno semelhante, mas com as deidades indígenas. Nos dois casos foram geradas religiões populares e a religião dos dominantes tratou de construir “santos” e “milagres”, a exemplo de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil, e da Virgem de Guadalupe, no México.

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O Senado aprova a Lei Áurea que aboliu a escravidão no país, em 1888 (Wikimedia Commons)

Os processos de resistência ao conquistador foram diferentes em grau e caráter. Ao não encontrar qualquer “civilização” que lhe pudesse opor grande resistência cultural, e também pelo caráter “primitivo” – com todo o respeito antropológico – das populações autóctones, a dominação portuguesa foi mais “suave”, quando comparada à “crueldade” espanhola. Na verdade, no fundo tratava-se, para os espanhóis, de destruir culturas cujo grau de refinamento equiparava-se, com vantagens muitas vezes, à europeia. Alguns conhecimentos maias sobre o universo eram, sem dúvida, superiores aos de seus conquistadores.

Continua a surpreender os historiadores que punhados de aventureiros temerários tenham conquistado o Altiplano andino, a Meseta mexicana e o imenso território brasileiro, com populações milhares de vezes maiores que as dos invasores. Numa demonstração desse destemor, Hernán Cortés mandou queimar as naus em Veracruz, para não recuar da conquista do México. Daí que não exista no Brasil nenhum grande herói indígena antiportuguês: o caráter abastardado da própria colonização, que dizimou mais pelo desastre epidemiológico do que pela matança, não cristalizou nenhum mito; ou, pelo contrário, todos os mitos construídos o foram já sob o signo da cordialidade: João Ramalho e Bartira, portugueses e índias fundando o Brasil. Não temos um Cuáuthemoc ou um Tupac Amaru.

Monarquia negociada

Diga-se a mesma coisa das guerras de independência e de seus processos. Guerras houve, como já foi ressaltado, sobretudo na Bahia, mas a solução “brasileira” da conciliação – anterior ao “transformismo” lampedusiano da Itália do Risorgimento – tirou-nos também um herói da independência. Em lugar de Bolívar, San Martín, Miranda, Sucre, O’Higgins, o próprio príncipe herdeiro da Coroa portuguesa foi transformado em imperador do Brasil. Dom Pedro I mesmo, pela intensidade de sua vida conturbada, rei de Portugal que também foi no regresso à metrópole (dom Pedro IV), incluindo-se um certo desregramento lúbrico, ficou para os brasileiros mais como piada, menos como herói. A solução “brasileira” de uma monarquia não teve similar nas Américas.

Essas “especificidades” foram, depois, saudadas pelas novas ciências sociais brasileiras, com Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, sobretudo em livros como Casa-Grande & Senzala e Raízes do Brasil. O primeiro com o elogio da plasticidade portuguesa, da malemolência católica, sem a vergonha anterior que estigmatizava o encontro das “três raças tristes” formadoras do caráter do brasileiro, herói sem nenhum caráter, o Macunaíma, personagem já clássico de Mário de Andrade; mas, ao contrário, com uma aposta na capacidade desse povo miscigenado. O segundo, mais we­­beriano, vendo vantagens no iberismo, mas assinalando-lhe as falhas que repercutiriam nos problemas futuros da indistinção entre o público e o privado, do patrimonialismo brasileiro, do amolengamento católico resultando em rigor ético, que se projetou da vida privada para a pública.

Richard Morse, historiador norte-americano, em seu O espelho de Próspero, alinhou-se a Freyre e Buarque de Holanda no elogio do iberismo, apontando para o rigor protestante como fonte da intolerância que já dava mostras na América do Norte com os pilgrims e que George W. Bush nos jogou na cara.

O conjunto de especificidades, tanto do Brasil quanto dos países de herança espanhola, criou dois mundos diferentes, que mal se comunicaram durante séculos. Na verdade, os contenciosos coloniais, somados ao posterior desenvolvimento capitalista ligado às novas metrópoles imperialistas e às formas internas diferentes de dominação, fizeram com que as Américas portuguesa e espanhola se dessem as costas. E as costas do Brasil são largas: têm fronteiras com todos os países da América do Sul, com exceção de Chile e Equador.

O fato de que todos os países transformaram-se em produtores de mercadorias de origem primária para o mercado internacional dirigiu os melhores esforços nacionais da região para os intercâmbios com a Europa e os EUA – a partir da segunda metade do século XX, também para o Japão. No século que passou, todo o continente conheceu processos de industrialização voltados para o mercado interno, de “substituição de importações”, o que quer dizer que todos, quase ao mesmo tempo, tentaram criar estruturas produtivas similares, logo competitivas entre si.

Indiferença e problemas comuns

Desde sua fundação, em 1948, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) tentou injetar perspectivas integracionistas nos dois tipos de formação. De seus esforços nasceu a Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (ALALC), projeto ambicioso de integração continental que incluiu o México. Como tática para chegar lá, houve processos mais em escala sub-regional, reunindo países de nível similar de desenvolvimento: o Mercado Comum Centro-Americano e o Pacto Andino.

O Brasil, no princípio, participou com seus melhores esforços, dando à ALALC seu primeiro secretário-geral, Rômulo de Almeida, mas as ditaduras militares do Brasil (a partir de 1964) voltaram-se outra vez para a integração com o núcleo desenvolvido do sistema capitalista, da qual resultaram o abandono do projeto de integração regional, um truncamento ainda maior da estrutura produtiva e uma pesada dívida externa, que passou a constituir componente estrutural do tipo de desenvolvimento com dependência financeira.

A queda das taxas de crescimento no conjunto da América Latina e a derrubada das ditaduras militares, nos anos 1980, deram nova oportunidade ao projeto integracionista. Àquela altura, a dimensão das dívidas externas indicava que o projeto de integração com o centro desenvolvido não tinha condições de seguir adiante, a não ser ao preço da total perda de autonomia e soberania nacionais. O México abandonava, então, qualquer projeto latino-americano e optava pelo Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA), com o que se elevou, a partir dos anos 1990, à condição de um dos maiores exportadores para os EUA, mas com resultados internos mais do que pífios na melhoria dos salários, criação de empregos formais e melhor distribuição da renda.

O México viu sua bela capital, la región más transparente segundo Carlos Fuentes, transformar-se numa enorme favela high-tech. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai optaram pela criação do Mercosul, baixando um pouco o nível das ambições da ALALC. Os resultados em curto prazo do Mercosul – ao qual Chile e Bolívia se associaram como membros não plenos, seguidos em 2005 pela Venezuela – podem ser qualificados de excepcionais, no sentido de que o comércio entre os países tornou-se parte do mecanismo estrutural de reprodução de suas economias: a proporção do comércio do Mercosul nas economias dos países-membros mostra que, agora, cada um deles tornou-se vital para os outros.

Consenso de Washington em voga

O Mercosul, entretanto, deparou-se com uma contradição: poucos anos depois de sua implementação (1991), entraram em cena novas correlações de forças na estrutura política dos países-membros, cujos governos optaram claramente pela agenda neoliberal do Consenso de Washington como pauta para o desenvolvimento. Carlos Menem, na Argentina, e Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, lideraram o novo movimento de integração com o centro desenvolvido e obtiveram, em curto prazo, resultados que pareciam confirmar o acerto da opção: uma baixa notável e mesmo radical das taxas de inflação e um movimento de recepção de capitais que parecia duradouro e prometedor.

Enquanto a Argentina obtinha taxas de crescimento excepcionais com seu modelo de câmbio fixo (paridad), o Brasil neoliberal de Fernando Collor de Mello (1991-1992) mergulhava em recessão. Nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o país registrou expansão econômica pouco maior do que a do crescimento da população, algo como 2,3% ao ano, resultando numa taxa de crescimento per capita claramente insuficiente – 0,8% em média. No primeiro ano de Luiz Inácio Lula da Silva, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi de pífio 0,5%, para, em 2004, saltar para cerca de 5% e regredir em 2005 a 2,4%. Em suma, o Brasil passou a viver um crescimento errático e não sustentável.

O Mercosul desprezou a lição europeia de que a integração não é um projeto a ser conduzido pelo mercado, mas que, ao contrário, requer não apenas uma forte vontade política como também a implementação concreta de mecanismos e instituições que tornem irreversível a reprodução combinada das economias. A desregulamentação, as privatizações, a dissolução do precário Estado de bem-estar (que malbarataram o ainda malformado mercado de trabalho), e as políticas cambiais suicidas (o peso ao par com o dólar durante quase uma década na Argentina e o real durante três anos no Brasil) anularam, na prática, as vantagens do comércio intrarregional. Foi o preço pago pelos governos neoliberais para obter êxitos rápidos no controle da inflação.

Giro à esquerda após onda neoliberal

Cedo findaram as pretensões argentina e brasileira de alçarem ao Primeiro Mundo. Uma monumental crise da dívida externa jogou ambos os países, respectivamente em 1999 e 2001, de joelhos perante o capital especulativo internacional e a uma submissão quase completa aos ditames do FMI. A crise argentina, radical, fez o país austral retroceder aos níveis pré-Perón. A crise brasileira, embora menos profunda, foi suficiente para anular mesmo o progresso obtido com o controle da inflação. Essa contradição ainda acua o avanço do Mercosul: Uruguai e Paraguai pouco puderam fazer ante a crise de seus grandes vizinhos e principais parceiros comerciais.

A conjunção de novos governos saídos das urnas, empurrados pela decepção com os resultados do neoliberalismo e da agenda do Consenso de Washington, no Brasil (Lula), na Argentina (Néstor Kirchner), depois no Uruguai (Tabaré Vázquez), e um governo renovado no Paraguai – embora não se possa falar de uma guinada à esquerda no país guarani – pode ajudar a superar os impasses do Mercosul. A aproximação, cada vez maior, da Venezuela está trazendo força e recursos ao bloco, ao qual o governo de Hugo Chávez já se associou formalmente e em cuja agenda já influi.

As contradições, no entanto, não estão superadas: em 2006, a Argentina crescia a velocidades recordes mesmo em comparação com os primeiros anos de Menem, e o governo Lula superava a taxa negativa de seu primeiro ano, mas continuava dependendo fortemente da expansão do mercado mundial (leia-se da China), para vender as commodities do agronegócio e o minério de ferro de Carajás. A Argentina mostrou, tragicamente, que era a dívida externa o entrave ao seu crescimento; aproveitou a moratória para voltar a crescer e abater 75% de sua dívida externa.

O Brasil, enquanto isso, permanecia amarrado ao nó da financeirização que sustenta a acumulação de capital em condições de forçada obsolescência das indústrias de ponta. Seria melhor que aprendesse a lição argentina, antes de precisar de uma grande crise para seguir receita diversa. Ao final de seu mandato, Lula mostrava performance externa extraordinariamente comercial, sem uma alteração da estrutura interna da acumulação de capital, e aprofundava a condição de produtor de commodities de baixo valor agregado.

As aberturas para a Venezuela e para Cuba eram promissoras, porém seria necessário provar não apenas que as relações regionais poderiam substituir com vantagens as relações com o mundo desenvolvido, mas ir além: seriam o bloco e os acordos regionais capazes de destravar o bloqueio da péssima distribuição de renda do país? Em outras palavras, o Mercosul e os novos parceiros seriam requisitos para o projeto de um desenvolvimento nacional – e intrarregional – autônomo e redistributivo? Seriam reformas ou meras vantagens comerciais?

Vertigem: quinhentos anos em cinquenta

Juscelino Kubitschek, presidente brasileiro entre 1956 e 1960, cunhou o slogan “Cinquenta anos em cinco”. Prometia fazer o país avançar meio século em seu mandato de apenas cinco anos. Kubitschek foi, aliás, o primeiro presidente descendente de imigrantes que não os originais conquistadores portugueses. Sua ascensão política, com o handicap de uma ascendência materna da Europa central – tcheca, ao que consta –, era sinal das intensas transformações que o Brasil experimentava desde a década de 1930. O período de 1930 a 1980 pode ser sintetizado parodiando o slogan de Kubitschek: a vertigem da aceleração de quinhentos anos de desenvolvimento em cinquenta anos de história.

A Revolução de 1930, de acordo com o historiador brasileiro Boris Fausto, não foi, nem de longe, um “raio num dia de céu azul”: tendências de ruptura acumulavam-se em todas as direções, quase mesmo desde o princípio da República, em 1889. Rebeliões militares, sobretudo no Exército, estudadas pela historiografia e ciência política como o ciclo do tenentismo, sucediam-se quase em cascata. Nesse ciclo, inscreve-se a legendária Coluna Prestes, que se internou Brasil adentro numa marcha de mais de 24 mil quilômetros, comandada por Miguel Costa e Luiz Carlos Prestes, capitão do Exército que se tornaria figura mítica – Prestes ingressou depois no Partido Comunista Brasileiro, no qual ficaria décadas como secretário-geral.

O Exército funcionava como caixa de ressonância do anacronismo das instituições, sobretudo do nanismo do Estado brasileiro frente a uma sociedade que ganhava em complexidade e uma economia que já requeria a intervenção do Estado. O pensamento autoritário dominante nas protociências sociais do começo do século, fortemente influenciado pelo positivismo (aliás presente na formação dos militares do Exército), exigia um Estado que organizasse a nação, interrompendo a dinâmica anárquica e centrífuga da federação basea­da em clãs regionais. Uma protociência política derivada de uma antropologia a la Gobineau (teórico do racismo e amigo de d. Pedro II) anatematizava a herança das “três raças tristes”, depois revalorizadas pelos demiurgos da geração de 1930.

Parto conturbado do novo século

As turbulências e os movimentos civis localizados denunciavam o anacronismo institucional já no início do século XX. Foi o caso da Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, em 1904, quando a população se rebelou contra a campanha de Osvaldo Cruz – o patrono da pesquisa biológica e da moderna saúde pública brasileira – para debelar a varíola e a febre amarela. As doenças eram então devastadoras, num Rio de Janeiro deslumbrante mas envolto em miasmas perigosos. Reformas urbanas no Rio (entre 1903 e 1906), São Paulo e Recife, e a fundação de Belo Horizonte (1897) constituíram dupla empreitada: de saneamento e ampliação do mercado imobiliário.

Uma campanha pelo serviço militar obrigatório, liderada por ninguém menos que o então príncipe da poesia brasileira, o parnasiano injustamente esquecido Olavo Bilac, buscava transformar o Exército de uma tropa insignificante em uma expressão do vigor nacional, além de atribuir-lhe uma tarefa civilizadora – cumprida depois pelo marechal Cândido Rondon. Apesar de rugir como um leão, os efetivos do Exército não passavam, nos anos 1920, de 20 mil soldados, num território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, depois do auge alcançado na guerra contra o Paraguai.

A política econômica era dominada pelos interesses da oligarquia paulista, feita sob medida para privilegiar os cafeicultores: a chamada “valorização do café”. Mesmo num modelo econômico primário-exportador, com o Estado liderado por uma poderosa oligarquia liberal e fortemente anti-industrializante, já aparecia o intervencionismo estatal que depois seria assumido pelo governo federal com Getúlio Vargas, a partir de 1930.

A questão social, incipiente, tratada pe­la República Velha como um “caso de polícia”, já forçava as portas de um sistema po­lítico anacrônico e teria um peso importante na história brasileira do século XX, com pelo menos dois marcos importantes: no começo dos anos 1920 e no início dos anos 1980. As greves operárias importantes das duas primeiras décadas do século XX desaguaram na fundação, em 1922, do Partido Comunista do Brasil (depois Brasileiro), como uma seção da III Internacional.

O PCB nasceu de uma conjunção de operários, intelectuais e militares. Não por acaso parte do tenentismo foi parar nele: Luiz Carlos Prestes, Agildo Barata e Apolônio de Carvalho. O partido desempenharia papel importante ao longo da história brasileira. O Partido dos Trabalhadores (PT), criado seis décadas depois, reestruturaria a presença das classes trabalhadoras na política brasileira. Sua formação seguiria quase o mesmo figurino, com exceção da presença dos militares, pois o PT formou-se em plena ditadura militar do período 1964-1984.

Vargas, construtor do Estado unitário

Getúlio Vargas reformou o Estado brasileiro, imprimindo-lhe, pela primeira vez, uma forte centralização, pois o unitarismo do primeiro e segundo impérios era, para efeitos administrativos, quase uma ficção. A era Vargas significou intervenção nos Estados, derrubada de velhas oligarquias e promoção de novas lideranças. Encampou a política de “valorização do café” e realizou uma operação keynesiana avant la lettre, ao queimar os estoques para garantir o preço externo do produto, operação brilhantemente analisada por Celso Furtado em seu clássico Formação econômica do Brasil.

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A comitiva de Getúlio Vargas (ao centro) fotografada por Claro Jansson durante sua passagem por Itararé (São Paulo) a caminho do Rio de Janeiro após a vitoriosa Revolução de 1930 (Claro Jansson/Wikimedia Commons)

Getúlio também instituiu as carreiras civis no Estado sob o paradigma webe­riano meritocrático. Criou o Ministério da Aeronáutica e a Força Aérea Brasileira, antes apenas uma seção aérea do Exército. Enviou um modesto contingente militar, a Força Expedicionária Brasileira (FEB), para combater no front italiano na Segunda Guerra Mundial. Organizou a produção em setores vitais, com o Instituto Brasileiro do Café (IBC), o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e o Instituto do Sal. Federalizou e estatizou o comércio exterior; criou, no Banco do Brasil, a Carteira de Comércio Exterior e a Carteira de Crédito Comercial. Desfez as fronteiras econômicas entre os Estados, anulando os impostos interestaduais sobre exportação e importação, instituindo o imposto de consumo. Unificou o sistema fiscal, criando o mercado em escala nacional. 

Em seu primeiro governo, de 1930 a 1945, mudou o estatuto do trabalho na sociedade e na economia, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e fundou – tomando emprestado do movimento de algumas categorias de trabalhadores e, em alguns casos, usurpando-as – a previdência social. Instituiu o salário mínimo como horizonte do cálculo econômico e, nas grandes cidades e indústrias, como realidade.

Em seu segundo período (1950-1954), eleito com o voto popular pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Vargas empreen­deu com decisão a segunda Revolução Industrial no país. A Petrobras foi o marco por excelência desse período, interrompido por seu suicídio em agosto de 1954. A estatal do petróleo foi fundada, contraditoriamente, na experiência dos militares com sua discreta participação na Itália já nos estertores da Segunda Guerra Mundial, na consciência aguda da inutilidade de um Exército sem petróleo, nas novas guerras motorizadas, e da dependência externa das fontes de combustível.

Dominação burguesa se consolida

Vargas fundou a siderurgia, extraindo – ainda durante a guerra – do presidente norte-americano Franklin Roosevelt a primeira grande usina de fabricação de aço: a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), instalada em Volta Redonda (RJ). Empreen­deu, com a criação da Eletrobrás, um programa de eletrificação, que somente tomaria forma completa na ditadura militar de 1964-1984. Criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), uma instituição ímpar na experiência mundial, financiadora da acumulação de capital no país. Criou os bancos regionais de fomento, o Banco do Nordeste do Brasil e o Banco da Amazônia.

No plano econômico, Vargas centralizou o câmbio, praticando uma política cambial de franco subsídio às importações de máquinas e equipamentos, com um engenhoso sistema de hierarquização das prioridades e câmbio múltiplo por meio de leilões, para horror dos liberais brasileiros e das instituições monetárias internacionais. Deu partida ao processo de institucionalização da pesquisa científica no país, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisa, hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Getúlio Vargas foi o verdadeiro construtor da dominação burguesa de classe mais ampla no Brasil. O longo período de 1930 a 1984, com sua sequência de golpes, atestou um formidável e permanente ajuste de contas entre setores da classe dominante e, portanto, de ausência de consenso. A hostilidade da mídia ao estadista foi um dos maiores paradoxos da história brasileira. Sintomaticamente, até os dias atuais não existe sequer uma humilde rua com o nome de Vargas na capital paulista, de cujo crescimento ele foi, com certeza, o impulsionador maior. A simples enumeração das inovações na política econômica e nas instituições estatais é de tirar o fôlego.

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Um grupo de voluntários paulistas, em 1932 (Reproducão)

A grande oligarquia paulista, porém, derrotada em 1932, com a cabeça feita há mais de um século pelo jornal O Estado de S.Paulo, elegeu Vargas seu inimigo número um. E mesmo em 2006, quando a influência desse jornal era menor, persistiam no imaginário paulista o horror e o desprezo – que a academia e a universidade ajudaram a enraizar – ao seu nome. Diga-se logo que esse é um fenômeno relativamente recente, que vicejou entre as elites paulistas, pois nas eleições de 1945, impedido de concorrer à Presidência, Vargas foi eleito senador por dois Estados – o que a legislação da época permitia: Rio Grande do Sul e precisamente São Paulo (ao lado de Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, que foi eleito senador também pelo Rio Grande do Sul e deputado por Goiás).

Confronto com a hegemonia dos EUA

A política varguista levou ao inevitável enfrentamento com a hegemonia norte-americana. Entrando de chofre na chamada Guerra Fria, os EUA elaboraram uma doutrina paradoxalmente anti-industrialista. E todos os que dissentiam eram catalogados como inimigos da democracia. A extraordinária aceleração do desenvolvimento capitalista no Brasil parecia não deixar dúvidas de que aqui se estava construindo uma nação capaz de rivalizar com os EUA no plano industrial, sustentada num amplo território e numa população em acelerado crescimento. A acusação de estatização serviu como uma luva para um suposto aggiornamento do Brasil em direção ao Leste.

O caso do petróleo, para o qual os EUA e outros países industrializados decididamente não colaboravam, devido ao controle do mercado pelas grandes empresas petrolíferas mundiais – dominadas por EUA, Inglaterra e Holanda –, radicalizou a opção brasileira pela exploração estatal. Basta dizer que a Petrobras tomou seu primeiro empréstimo internacional já na década de 1980, tal o boicote liderado pelas grandes empresas de petróleo.

Kubitschek veio avançar no sentido deixado por Vargas, realizando a promessa de seu slogan dos “cinquenta anos em cinco”. Juscelino investiu decididamente num amplo programa industrializante, com simultaneidade em todos os fronts, que viabilizou a interação dos diversos setores, desbloqueando um velho problema, que era por onde começar a industrialização numa economia com renda extremamente concentrada. Começar pelos bens-salários não era, decididamente, uma boa estratégia, mas a opção também não deu prioridade absoluta à produção de bens de capital, como foi o caso da industrialização da ex-União Sovié­tica, embora a longo prazo a ausência de prioridade para os bens de capital tenha se revelado um entrave ao desenvolvimento.

Assim, a simultaneidade foi uma estratégia de criar o mercado pela ação combinada da oferta e da procura: o avanço na siderurgia fornecia aço para as montadoras de automóveis, por exemplo, e a abertura de novas estradas funcionalizava a opção pelo caminhão como meio de transporte. O abandono da ferrovia num país com as dimensões do Brasil revelar-se-ia, no futuro, um equívoco, que passou a encarecer sobremaneira a produção da fronteira agrícola que se expandia em direção ao Centro-Oeste.

Juscelino na era das multinacionais

Eleito pelas mesmas forças políticas que haviam sustentado Vargas, Kubitschek diferenciou-se porque a exportação das multinacionais de seus países de origem em direção à periferia capitalista des­bloqueou a questão do financiamento. Os em­préstimos internacionais continua­ram escassos, mesmo com a encenação de uma “operação panamericana”, pela qual Juscelino pretendia obter o concurso norte-americano para seus planos. (A essa operação muitos atribuem a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID.) No entanto, apesar da negativa norte-americana em financiar a industrialização da periferia – os EUA, então em plena Guerra Fria, viviam sob o beligerante isolacionismo republicano de Eisenhower e Foster Dulles –, já era a época das multinacionais.

Eleito com um programa nacionalista, Kubitschek abriu as portas ao capital estrangeiro, utilizando para tanto o estratagema de Eugênio Gudin, o papa do pensamento econômico liberal no Brasil do século XX. A estratégia de Gudin, que havia sido ministro de Café Filho, consistiu em incentivar, via desburocratização e desoneração, as importações de bens de capitais por parte das empresas estrangeiras, como mecanismo de industrialização. Foi a chamada importação sem cobertura cambial. O subsídio às importações de bens de capital continuou forte, o que implicava uma transferência de renda dos exportadores para os importadores.

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Inauguração oficial da Volkswagen do Brasil, em 18 de novembro de 1959, com a presença do então presidente Juscelino Kubitschek (Reprodução/Volkswagen)

Kubitschek utilizou toda a nova envergadura do Estado brasileiro para induzir a industrialização e, nos cinco anos de seu mandato, todas as grandes marcas da indústria mundial se estabeleceram no Brasil. O ícone da nova industrialização, a indústria automobilística, já produzia os Volks, Fords, Chevrolets, Simcas, DKWs-Vemag e Renaults, e os caminhões Mercedes-Benz em menos tempo do que o previsto. Uma foto histórica de seu mandato mostra um orgulhoso e radiante Juscelino de pé num brilhante Fusca inaugurando a fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP), já em 1959.

É verdade que a Ford e a General Motors já estavam no Brasil havia algumas décadas montando veículos que chegavam em partes, mas a fabricação integral começou na era Kubitschek. Os japoneses chegaram também pela porta da associação de capitais na indústria siderúrgica.

Desenvolvimentismo e revolução passiva

Não houve nenhuma inovação social de monta no período Kubitschek. Juscelino deixou intocada a velha estrutura agrária, já em débâcle, pressionada pela nova demanda industrial, pela migração campo-cidade e pelas urgentes necessidades de alimento nas metrópoles povoadas por nova massa de trabalhadores – a cidade de São Paulo cresceu algumas décadas à impressionante taxa de 8% ao ano. No campo do trabalho, as reformas varguistas não experimentaram nenhuma grande modificação.

Desenvolvimentista, Kubitschek partilhava da crença de que o desenvolvimento econômico era, por si só, a política social para resolver o problema da desigualdade. A “marcha para o Oeste” se concretizava com Brasília e a abertura de enormes reservas de terra, que uma década depois iria começar a revolucionar a geografia agrária e agrícola brasileira. Os institutos de previdência – invenção varguista – foram utilizados até o osso para construir Brasília e as novas estradas federais de abertura para o interior.

A “revolução passiva” é a marca registrada do longo período iniciado em 1930 e talvez encerrado apenas com a eleição de Fernando Henrique Cardoso. Marca que se confirmou na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, a liderança sindical que assinalou a transição entre a ditadura militar que findava e o novo regime democrático de 1984. As poderosas transformações significaram uma espécie de compactação da história – de que o slogan de Kubitschek é a melhor tradução –, que talvez não pudesse ser feita no quadro das velhas instituições políticas brasileiras.

A industrialização do Sudeste, por uma espécie de “efeito dominó”, jogou no lixo trezentos anos de latifúndio no Nordeste agrário, intocado pelas transformações getulistas-kubitschekianas. As Ligas Camponesas explodiram: o grande silente começou a falar. Um sopro de renovação política parecia estar acontecendo, com eleições em importantes estados, como Bahia e Pernambuco, cujo reclamo agora não era mais o da “indústria das secas”, das obras para contornar a semiaridez de grande parte da região, mas a petição por indústrias.

Kubitschek reagiu com a criação da Sudene, uma vigorosa revolução federativa com a qual se tentou industrializar o Nordeste na mesma chave “paulista”. Celso Furtado foi a grande liderança intelectual que se metamorfoseou em liderança política para conduzir com maestria a obra cujo diagnóstico ele mesmo traçara no célebre documento “Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste”. Montado neste Rocinante, Furtado era a razão entrando nos latifúndios da des-razão oligárquica multissecular. Os latifúndios da desolação.

Anos 1950 e 1960 desenham um novo país

O país fervilhava no fim dos anos 1950 e início dos 1960: bossa nova, Paulo Freire, dom Hélder Câmara e seus apartamentos populares do Banco da Providência, na Gávea, zona mais que nobre da cidade do Rio de Janeiro. O Cinema Novo destacava-se numa explosão cultural intensamente renovadora na qual o teatro teve um enorme papel. Um movimento estudantil vigoroso dialogava diretamente com o Estado. Uma nova camada operária consolidava-se em São Paulo, saída da indústria automobilística e do complexo metal mecânico e de eletrodomésticos que se formou à sua volta. As Ligas Camponesas sacudiam o Nordeste e Goiás. Uma nova classe média, ávida por consumir os bens da nova revolução industrial, ultrapassava as velhas estruturas e provocava deslizamentos e substituição de classes numa voragem incontrolável.

A burguesia nacional, cuja liderança era incontestada, viu-se substituída nos setores-motores pelo capital internacional e estatal. O capital estrangeiro transitou dos serviços de transporte, ferrovias, portos, energia elétrica, telefonia e gás, para a indústria manufatureira. As empresas do Estado ocuparam os lugares-chave na produção dos bens intermediários, como petróleo, ferro, aço, álcalis e energia, além de serviços de anterior propriedade estrangeira que foram estatizados. A mudança radical nas bases da propriedade repercutiria, inevitavelmente, nas estruturas políticas. Tratava-se de uma destruição criadora à moda de Joseph Schumpeter (em Teoria do desenvolvimento econômico), de proporções quase incalculáveis, mas sempre incompleta, pois mantinha, ao lado das novas forças produtivas, uma combinação arcaico-moderna sui generis.

Uma silhueta do PCB

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Os fundadores do Partido Comunista do Brasil, criado em 1922 (Reprodução/pcb.org.br)
Uma biografia breve do Brasil, centrada no período que vai da Revolução de 1930 até 2005, seria incompleta sem uma referência ao papel do Partido Comunista. Fundado em 1922, sob o patrocínio da III Internacional como coordenação das revoluções comunistas em todo o mundo, o Partidão – apelido inicialmente pespegado ao Partido Comunista do Brasil (PCB) pela imprensa reacionária, mas que aqui se trata, até certo ponto, de um apelido quase carinhoso, uma espécie de brincadeira dos netos com o avô da esquerda brasileira – conheceu um notável avanço nas lutas populares, baseado em sua penetração na classe operária que crescia e mudava de configuração, da manufatura do princípio do século para a maquinofatura, mas não ainda para o fordismo.

O PCB cooptou Prestes, que se tornou sua figura maior e, ao ganho com a entrada de um personagem com aquela estatura correspondeu uma perda, com uma espécie de crescente militarismo dentro do partido. Esse militarismo combinou-se, em algumas conjunturas, com estratégias da III Internacional. A “longa marcha” chinesa de Mao Tsé-tung encontrou similaridade na Coluna Prestes, e ambas foram interpretadas como a confirmação da possibilidade de revoluções em países capitalistas atrasados, “o cerco da cidade pelo campo”, contra toda a tradição teórico-estratégica da esquerda.

Parte do tenentismo desaguou no Partidão e a relevância de militares nele sempre foi notável. Isso parece ter levado a uma enorme superestimação da potencialidade revolucionária da situação brasileira e conduziu o PCB – então ainda chamado Partido Comunista do Brasil – a organizar uma sublevação militar em 1935, que ficou conhecida como a Intentona Comunista. O ajuste de contas do qual se falará era real. A conjuntura poderia ser, realmente, revolucionária. Mas a rebelião irrompeu apenas em poucas guarnições militares, no Rio de Janeiro, no Recife e em Natal, e foi duramente reprimida por Vargas. Um filme como Olga (nome da companheira de Prestes que Vargas entregou a Hitler), de Jayme Monjardim, deixa a leve impressão de que se tratou de uma aventura desatinada, movida por poucos e isolados militantes comunistas em quartos escuros no Méier, mas a historiografia mais séria tratou o levante com mais propriedade.

O PCB ingressou numa clandestinidade que durou dez anos, emergindo em 1945, com a queda de Vargas. Pouco antes, a ação do partido já se fazia às claras, aliando-se ao chamado “queremismo” – uma petição por uma Constituinte com Vargas. O partido voltou com força, elegeu uma importante bancada na Constituinte, além de deputados estaduais e vereadores em todo o Brasil.

Crescendo nos redutos operários

O Partidão dominou algumas câmaras de vereadores em cidades como Santo André, Sorocaba, São Paulo, Santos (chamado de “o porto vermelho”), Jaboatão em Pernambuco (chamada Moscouzinho), e teve importantes representações no Rio de Janeiro, em Pernambuco e em São Paulo. Chegou a eleger Diógenes Arruda Câmara para deputado constituinte com uma votação proporcional ainda não superada. Prestes mesmo se elegeu senador pelo seu estado natal, o Rio Grande do Sul, e deputado pelo Estado de Goiás. Seu candidato às eleições presidenciais de 1945, Iedo Fiúza, um obscuro médico do Rio de Janeiro, obteve 10% do total de votos, uma façanha inigualada por qualquer partido de esquerda até a primeira votação de Lula em 1989.

Importante assinalar para a história da esquerda no Brasil, e para a própria história brasileira, que o PCB emergiu fortemente no pós-45 no mesmo triângulo operário que seria o berço do PT em 1980: nas cidades operárias do ABC paulista, então, na década de 1940, já o cinturão industrial de São Paulo. É claro que os “intérpretes” da novidade do PT fingiriam desconhecer essa história, até para tornar o PT o inventor da roda da história operária no Brasil.

Em 1947, com a emergência da Guerra Fria, o crescimento do PCB assustou as classes dominantes brasileiras e o governo norte-americano, e o partido foi posto na ilegalidade. Experimentara escassos dezoito meses de existência legal. Até 1988, com a Constituinte, o partido ficou ilegal. Nesse longo período, sobreviveu quase às claras em alguns Estados e algumas conjunturas. Mas a clandestinidade e a mudança de rumos da posição da então URSS no que dizia respeito às revoluções armadas levaram o PCB a navegar nas tortuosas águas da política brasileira de acomodações, fazendo alianças as mais espúrias para um partido com vocação transformadora. O fator predominante de seu declínio foi, sem dúvida, a ilegalidade: no momento em que sua base social se expandia, deixava de ser clandestina para ser central na estrutura de classes, o partido mergulhava na clandestinidade. Isso foi decisivo.

As práticas aliancistas, no quadro de uma quase incondicional submissão às diretrizes de Moscou, e uma ruptura, em 1962, que levou à criação do Partido Comunista do Brasil (PC do B) de orientação maoísta, cegaram o PCB (agora Partido Comunista Brasileiro) para a nova realidade do trabalho no país e para a nova complexidade do capitalismo. Se havia se implantado em vários e importantes núcleos operários do país, a partir da industrialização fordista, ele começou a perder o pé. A dura repressão não foi menos importante: toda a direção central do PCB foi assassinada na transição entre os ditadores Emilio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel. Até surgir, como seu concorrente na representação da classe, o PT, que foi o golpe mortal no antigo partido.

A influência do Partidão na cultura brasileira foi inegável e benéfica, o que é uma contradição, porque, no terreno da teoria marxista, ela foi no mínimo medíocre. As melhores expressões da elaboração marxista nos anos de maior influência do Partidão foram todas heterodoxas, reprimidas, e nunca chegaram a influir na ação partidária. Mas, em muitos momentos (como aquele que sucedeu a Segunda Guerra), praticamente quase toda a intelectualidade brasileira de ponta era militante ou simpatizante do PCB: escritores, poetas, pintores, arquitetos, urbanistas, teatrólogos, cineastas, professores, artistas, sociólogos, advogados, juristas, jornalistas.

Treze golpes em 34 anos

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O quartel da Polícia Militar do Rio Grande do Norte após combate à Intentona Comunista, em 1935 (Wikimedia Commons)
As Forças Armadas, silenciadas pelo progresso, voltariam a falar. Vitoriosas com o suicídio de Vargas, viram-se derrotadas com a eleição de Kubitschek, que, contudo, deu de presente à Marinha um porta-aviões – que, entretanto, não podia sair do porto do Rio de Janeiro por falta de orçamento e que recebeu do humor carioca o apelido de Belo Antônio. No período de Kubitschek, três tentativas de golpe antecipariam 1964: a manobra da Marinha para impedir sua posse ainda em 1955, e os falidos golpes de Jacareacanga e Aragarças, tentados pela Aeronáutica.

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O presidente deposto Getulio Vargas acompanhado de sua filha Alzira, deixa o Palácio da Guanabara, em 1945 (Reprodução/www.al.sp.gov.br)
A longa “revolução passiva”, um pesado ajuste de contas entre os principais blocos burgueses, e a disputa pelo controle sobre a nova classe operária contam-se, desde 1930, pela sucessão de golpes ou quase-golpes de Estado: em 1932, a Revolução Constitucionalista de São Paulo; em 1935, a rebelião comunista chamada pejorativamente de Intentona; em 1937, o putsch dos integralistas-quase-fascistas (o integralismo cristão fortemente nacionalista que seduziu um grande número de intelectuais, com as caricaturas das saudações e uniformes copiados dos nazi fascistas) que Vargas usou como pretexto para dar o golpe de Estado que fundou o regime do Estado Novo; em 1945, o golpe militar que depôs Vargas; em 1947, a cassação do PCB, que tinha forte presença no Congresso e enraizamento popular.

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O major Veloso e capitão Lameirão, na Base Aérea de Santarém, em fevereiro de 1956 (Reprodução)
Em 1954, Getúlio Vargas fez o gesto extremo de suicidar-se para não ser deposto outra vez pelo Exército. Em 1955, a Marinha tentou impedir a posse de Juscelino Kubitschek. Em 1956, há duas tentativas de golpe pela Aeronáutica, em duas remotas bases aéreas na Amazônia. Para seguir na lista: em 1961, Jânio Quadros, eleito presidente em substituição a Juscelino Kubitschek, renunciou, inspirado pelas chefias militares, com o objetivo de reforçar os poderes da presidência. No mesmo ano, adotou-se o parlamentarismo para anular os poderes do vice-presidente João Goulart, que tomaria posse na vacância de Jânio. Em 1964, o golpe de Estado sem disfarces. Feitas as contas, treze eventos político-militares de rupturas institucionais democrático-republicanas num período de 34 anos, em um país que se considera “pacífico” e “cordial”.

 Golpe de misericórdia em um sistema “rachado”

A vertigem, porém, não havia terminado. O golpe militar de 1964 apenas deu o coupe de grace num sistema político cujas rachaduras, produzidas não pela estagnação, mas pelos “cinquenta anos em cinco”, eram visíveis e grotescas. O tripé “populista” que sustentava o regime desde 1930 – sindicatos tutelados atuando como correia de transmissão do Estado; frações burguesas industrialistas; e uma vasta classe latifundiária que se mantinha neutra enquanto o estatuto da propriedade agrária ficasse intocado – havia sofrido um forte abalo. Muitas frações industrialistas eram contrárias ao desenvolvimento, particularmente setores importantes de São Paulo que, doutrinados pelo jornal O Estado de S.Paulo, ainda pensavam num país de vocação agrícola, coadjuvados pelos liberais liderados pelo economista Eugênio Gudin.

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O exército nas ruas de São Paulo, em 1º de abril de 1964 (Arquivo Público do Estado de São Paulo)

A ditadura cancelou as eleições diretas para a presidência, mantendo ainda, em 1964, as diretas para governadores e prefeitos e todas as eleições proporcionais. Depois de um período de hesitação, e de duas graves derrotas nas eleições para os executivos da Guanabara (que, então, compreendia apenas a cidade do Rio de Janeiro) e de Minas Gerais, o regime militar fechou os partidos políticos vindos do período anterior e fundou um partido do governo (Arena) e um de “leal” oposição à sua majestade (MDB), que entretanto se saiu muito melhor que a encomenda.

A presidência da República passou a ser exercida exclusivamente por generais de exército, o posto mais alto na hierarquia militar. Quando da “sucessão” de Costa e Silva, o segundo ditador, parte da tropa manifestou-se a favor do general Albuquerque Lima, que era ainda general de divisão, instalou-se uma grave crise militar, sobretudo porque o referido general era considerado um nacionalista ferrenho.

Uma profunda reforma fiscal reaparelhou financeiramente o Estado brasileiro, realizando uma façanha que o perío­do chamado populista nunca ousou. A criação do Banco Central deu um novo estatuto às políticas monetárias. A intervenção nos sindicatos de trabalhadores generalizou-se, embora, paradoxalmente, a ditadura não pudesse ser acusada de favorecer o sindicalismo amarelo. O regime de fato nunca cortejou os interventores que ele próprio nomeou para os sindicatos. Um duro arrocho salarial foi implantado e um processo de desnacionalização da propriedade industrial desenhou-se logo no horizonte. O regime utilizou o Banco do Brasil, do qual praticamente todos os empresários eram devedores relapsos, para enquadrar os recalcitrantes. Mas não abriu as portas à importação indiscriminada, senão no período conhecido como “milagre brasileiro”.

Discurso liberal, prática protecionista

A ditadura de 1964-1984 foi protecionista, apesar de sua retórica liberal. Alinhou-se integralmente com as posições norte-americanas: apenas no consulado Geisel esse alinhamento deixou de ser automático, transformando-se até em hostilidade com o rompimento do acordo militar Brasil-Estados Unidos. Um acordo de garantias de investimento foi uma das primeiras expressões desse alinhamento, visto que um dos pontos de maior atrito entre o governo João Goulart e o norte-americano havia sido, precisamente, a Lei de Remessa de Lucros, que impedia a sangria desatada da poupança nacional em direção às matrizes capitalistas como lucros das empresas. Mas, quanto ao posicionamento decididamente antissoviético e anticomunista, nunca houve dissenso no período ditatorial.

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Conflito entre estudantes e a cavalaria da polícia militar no dia da missa de sétimo dia do estudante Edson Luis Souto na Candelária, no Rio de Janeiro, em abril de 1968 (Arquivo Público do Estado de São Paulo)
A grande surpresa foi a de que a ditadura, cujo projeto as oposições, e sobretudo setores da esquerda, pensavam ser “ruralizador” ou “pastoril”, seguiu nas veredas abertas por Vargas e Kubitschek: foi claramente intervencionista, embora os formuladores da política econômica (Roberto Campos, Otávio Gouveia de Bulhões e Antonio Delfim Netto) se declarassem liberais. Na verdade, o “liberalismo” dos militares era apenas um efeito colateral de seu anticomunismo feroz radicalmente industrializante, talvez como consequência das concepções militares de poder na era industrial. O regime militar utilizou o poder coercitivo do Estado além de todos os limites pensados pelos nacionalistas do regime populista, levando o grau de estatização do sistema produtivo brasileiro a níveis elevadíssimos.

O regime investiu pesadamente na Petrobras, transformando-a, aliás, na cabeça de ponte do jovem setor da petroquímica. Ampliou as siderúrgicas estatais, multiplicando por quatro sua capacidade de produção. Investiu na modernização do setor de telecomunicações, comprando e construindo satélites, postos no espaço por norte-americanos e franceses. Ampliou as hidrelétricas estatais, da gigantesca Itaipu, em cooperação com o Paraguai, ao sistema de Furnas, e às sucessivas barragens no rio São Francisco. Empreendeu o primeiro apro­veitamento hidrelétrico da bacia amazônica, com Tucuruí.

No setor privado, a indústria automobilística conheceu taxas de crescimento anuais de dois dígitos, no período que ficou conhecido como “milagre brasileiro” (1968-1973). E todos os setores da economia experimentaram fortíssima expansão, com média anual de crescimento do PIB no período de 11%. Até a indústria de bens de capital de propriedade nacional chegou a se destacar, dando a impressão de que por fim a internalização da produção de bens de capital iria tornar autossustentável a expansão capitalista no Brasil.

Nascem novas classes operárias

A ex­traordinária turbulência do período militar deslocou, também, as antigas classes operárias – no plural porque se trata de entendê-las sociologicamente em suas aparições e formações diversificadas. A combinação da centralidade dos novos ramos produtivos industriais com a dura repressão envelheceu as antigas categorias de trabalhadores, que tiveram papel central na formação do sindicalismo. (Uma nova literatura histórica, contudo, nega a passividade do operariado e sua submissão ao varguismo e ao populismo.)

Em lugar das categorias sujeitas ao peleguismo, ganharam peso as ligadas aos novos setores industriais predominantes, destacando-se os trabalhadores metalúrgicos, que tinham como epicentro os empregados das montadoras de automóveis, caminhões e autopeças, no quadrilátero paulista do ABCD. A eles juntaram-se os petroleiros, os petroquímicos e os bancários – esta uma categoria expressiva desde há muito, mas revigorada pela crescente centralização do capital nos grandes bancos, tendo como âncora principal os bancários do Banco do Brasil e de bancos estaduais, como o Banespa. Nos bancos estatais, criou-se uma gama de lideranças que foi decisiva, inclusive, para a criação do PT.

Inicialmente refratárias à politização de suas demandas, desprezando os partidos políticos, as novas categorias gozaram, durante quase uma década, dos benefícios do crescimento acelerado. Aos salários diretos relativamente altos, somaram-se formas privadas de salários indiretos, negociados com as empresas e que não se estendiam à massa mais ampla de trabalhadores. Ford pensaria que sua perspectiva de ter os operários como consumidores dos automóveis também tinha se realizado no Brasil. São Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano eram então florescentes cidades, sem favelas, enquanto Diadema começou a crescer muito já na fase descendente do ciclo do “milagre brasileiro”.

Foi quando a crise bateu às portas do país. Os benefícios indiretos ao novo operariado começaram a ser cortados, a capacidade de repassar os salários altos aos preços dos automóveis começou a se esgotar e, num movimento conjunto com partes substantivas da sociedade e do MDB, o partido político de oposição que já se manifestava contra a ditadura, a insatisfação explodiu em greves que rapidamente se politizaram e ganharam o centro da cena política, resultando na formação do Partido dos Trabalhadores, em 1980.

Do novo sindicalismo, surge o PT

O novo sindicalismo formou-se em condições muito particulares, tendo de parentesco com os demais apenas o fato de ser vítima da repressão por parte da ditadura. Sua diferença específica em relação aos metalúrgicos de São Paulo, outrora a categoria de vanguarda do movimento sindical paulista, residia no fato de que o sindicato da capital passara por uma longa intervenção, durante a qual se firmara uma liderança conservadora assentada numa larga base de aposentados, pois se tratava de ramos industriais mais velhos. E, na fase do “milagre”, as novas indústrias, sobretudo da zona sul do município, não podiam ser consideradas fordistas, dados os processos de trabalho mais ligados à manufatura em alguns ramos de bens de capital.

A rigor, o sindicalismo do ABC tinha tudo para ser americanizado, ou de “resultados”, como viria a ser a marca da central Força Sindical, ligada aos metalúrgicos de São Paulo e liderada por eles. Os metalúrgicos do ABCD enfrentavam as empresas estrangeiras, norte-americanas, alemãs e suecas, que tinham nos benefícios indiretos que ofereciam (um welfare privado) os meios de despolitizar as negociações salariais. De qualquer modo, eram culturas empresariais bastante distintas das nacionais. Isso, aliado ao fato de que se tratava de grandes massas de trabalhadores – a Volkswagen de São Bernardo do Campo chegou a ter 25 mil operários –, deu ao sindicalismo do ABCD características bastante distintas, que foram importantes para sua formação e sua forma de inserção no movimento sindical brasileiro durante a ditadura. Dificilmente esse sindicalismo se reproduziria em qualquer outra parte do Brasil.

A crise do “milagre brasileiro” empurrou o novo sindicalismo para a luta geral contra a ditadura, e sua politização desaguou na formação do Partido dos Trabalhadores. Ainda assim, a denominação do partido, que parece ser uma identificação com a esquerda, foi muito mais, no início, um sinal de isolacionismo: a política, que finalmente batia às suas portas, lhes parecia muito mais uma projeção das negociações privadas, e um partido de trabalhadores deveria lutar apenas pelos interesses dos trabalhadores.

Essa característica é importante, porque fixou a imagem de que o PT já nasceu como partido de esquerda, o que está longe do projeto inicial. Embora não se deva proceder a um revisionismo da frente para trás, é evidente que a ausência de uma cultura de esquerda no meio operário hegemonizado pelo sindicalismo do ABCD refletiu-se na clara direitização do partido. A crise geral da ditadura e o movimento de redemocratização é que empurraram o PT para a esquerda.

O MDB e a redemocratização

Não é desprezível que a forte desaceleração do “milagre brasileiro”, que implicou sair de taxas de crescimento anuais de 9% para ainda confortáveis 5%, tenha desalinhado contingentes das novéis e numerosas classes médias urbanas do apoio ao regime militar. Elas chegaram mesmo a passar à crítica do regime. Organizações científicas, nascidas das universidades públicas, por exemplo, que promoviam as formidáveis reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), passaram a desafiar o regime no cerne mesmo de sua “competência” para dirigir o país. A crítica ao programa nuclear brasileiro ocupou boa parte das discussões da década de 1970.

As ciências humanas reforçaram a crítica à ditadura e a publicizaram através dos novos jornais alternativos, como Opinião e Movimento, e os flancos do regime militar foram se alargando. Uma Igreja militante, na qual sobressaíam dom Hélder Câmara, profético, e dom Paulo Evaristo Arns, a ousadia metódica, retirou a Igreja Católica do apoio inicial ao regime e começou a oposição a ele, que se difundia nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), donde se originaram importantes correntes formadoras do PT.

O papel do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido criado pela ditadura após as derrotas eleitorais de 1965 na Guanabara e em Minas Gerais, não pode ser avaliado pela ótica de sua transformação posterior em PMDB, atualmente uma sigla sem identidade, que subsiste como uma federação de caciques regionais. O MDB formou-se, heterogeneamente, por políticos de variadas extrações partidária e ideológica anteriores, somando desde personagens do Partido Social-Democrático oligárquico, como o emblemático conservador mineiro Tancredo Neves, passando por Ulysses Guimarães, quase obscuro deputado federal por São Paulo, uma de suas secções mais fracas, aos políticos vindos do PTB varguista, até uma nova geração que se formou na própria ditadura (os chamados “autênticos”), e os de esquerda, do Partido Comunista (que se infiltraram no partido oposicionista, como era a prática do PCB desde que foi posto na ilegalidade em 1947).

O quase impossível e implausível MDB conduziu, na maior parte do tempo, com galhardia a oposição à ditadura, tendo seus deputados e senadores recorrentemente cassados pelos sucessivos ditadores. Tancredo Neves terminaria por eleger-se presidente da República pelo Colégio Eleitoral em 1984, quando a ditadura “entregou os pontos”, mas não se empossou vitimado por uma doença mal-escondida. O antes obscuro Ulysses Guimarães revelou-se o verdadeiro condottiere da política brasileira nos longos anos até a redemocratização.

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Manifestação nas ruas de Brasília, diante do Congresso Nacional, exige o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República (Arquivo ABr)

Muito mais que o sucessor PMDB

Nas eleições para senador de 1974, o MDB derrotou a Arena – o simulacro fundado para sustentar a ditadura no Parlamento –­ de norte a sul e de leste a oeste. O regime viu-se obrigado a criar a figura do “senador biônico”, indicado pelo ditador de plantão, para não perder a maioria na segunda casa do Parlamento (cujo presidente, aliás, tem a função de presidir o Congresso nas sessões conjuntas e ser o quarto na linha sucessória da presidência da República).

O MDB deu abrigo a todas as formas de oposição no Brasil, e algumas de suas secções regionais, sobretudo as do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, notabilizaram-se por fornecer os quadros “autênticos” mais aguerridos. Ulysses Guimarães praticamente liderou todos os grandes movimentos políticos que trabalhavam pelo fim da ditadura, desde as passeatas dos grevistas do ABCD paulista – de Lula e seus companheiros –, garantindo-lhes a mobilização ao servir-lhes de escudo contra as investidas policiais, até a consagradora campanha pelas Diretas Já, em 1983 e 1984, que terminou por encurralar a ditadura, obrigando-a a sair da cena política, derrotada no mesmo Colégio Eleitoral que havia criado como forma de eleição indireta para garantir-se a perpetuação.

Nenhuma história da redemocratização brasileira, nem nossa história do século XX, pode ser escrita sem o capítulo do MDB e seu papel na luta pela democracia. Falta ainda um estudo da figura e do papel de Ulysses Guimarães que faça jus à sua estatura. O PMDB, que o sucedeu na reforma partidária de 1979, não chega sequer a um pálido reflexo daquele que foi criado para ser o legitimador “oposicionista” da ditadura. As condições do pretenso bipartidismo – inspirado no exemplo norte-americano – imposto pelo regime eram completamente artificiais. As sublegendas criadas para acomodar facções rivais dentro do próprio partido da ditadura o comprovaram. E os dois partidos, o de apoio à ditadura e o MDB, não resistiriam às transformações da prolongada “via passiva” brasileira, dilatada pela própria ditadura.

Esquerda estilhaçada

A incapacidade do PCB de entender a nova situação o fez estilhaçar-se em mil pedaços. Apesar de integrar, por dentro, a real oposição ao regime, sua proverbial “prudência” o levou a chocar-se com parcelas da classe média que ascendiam à universidade pública. Dele saiu a maior parte das organizações que tentaram enfrentar em armas a ditadura, inspiradas na experiência cubana e na mítica figura de Che Guevara. Essas organizações guerrilheiras, vistas em retrospecto, foram claramente derrotadas. Mas seu papel na formação da crítica e da oposição à ditadura militar não deve ser subestimado. Foram dizimadas por uma dura repressão, com destaque para o grupo que se armou no Araguaia, impulsionado pelo PC do B (de linha chinesa e, depois, albanesa), cujo clamoroso equívoco tático-estratégico foi atuar num vazio demográfico.

É do período militar também a industrialização do campo, na forma do agronegócio, ocupando os vastos espaços que a construção de Brasília, com Kubitschek, havia aberto virtualmente. Pela primeira vez na história econômica brasileira, a cidade financiava o campo e a indústria financiava a agricultura. Os créditos do Banco do Brasil foram o meio por excelência dessa inversão. Paralelamente, o regime militar realizou sua última grande inovação de inclusão social, ao criar a Previdência Rural, garantindo a aposentadoria de trabalhadores que nem sequer tinham registro de trabalho. A Previdência Rural é menos uma previdência e mais um vigoroso programa de redistribuição da renda. Esta é hoje uma fonte importante de receita para muitos municípios pobres do Brasil.

Embora a constante repressão se mantivesse atenta aos movimentos no campo, que tinham tido forte papel no pré-64 com as Ligas Camponesas, o regime não pôde repetir a façanha do Josué bíblico: o sol não parou, e no rastro das modificações da estrutura agrária, movida agora pelo agronegócio, combinado com os deslocamentos produzidos pela construção de barragens hidrelétricas, surgiu o que se tornou, no início do século XXI, o movimento social mais organizado do Brasil, uma reedição em escala ampliadíssima das Ligas Camponesas dos anos 1950-1960 –­ o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Economia no centro da polêmica

O êxito econômico da ditadura militar deu lugar a uma bizantina polêmica, posto que o “elogio” do desempenho econômico podia levar à conclusão de que o desenvolvimento econômico só é possível sob forte coerção ditatorial. Tal bizantinice parte do esquecimento de que a maior parte dos “capitalismos tardios” exitosos, como os casos clássicos da Alemanha, da Itália e do Japão, deu-se realmente sob forte coerção estatal. Não reconhecer isso é “naturalizar” a democracia, em vez de tratá-la como um campo de conflitos. Além disso, é um péssimo idealismo, pois as ditaduras nos casos citados, como a do Brasil, foram sempre pesados ajustes de contas entre as classes dominantes, em que sempre estiveram em jogo a disputa pelo controle dos dominados e a repressão sobre eles como forma de romper o equilíbrio entre os “de cima”.

Não se conclui, necessariamente, do reconhecimento histórico dos “capitalismos tardios” que toda ditadura é fator de desenvolvimento: o caso da Argentina deveria servir para não confirmar esse deducionismo banal e pobremente antiteó­rico. As ditaduras argentinas, desde a primeira queda de Juan Domingo Perón, ainda na década de 1940, conduziram o grande país austral, outrora um dos cinco países mais desenvolvidos do mundo, ao ocaso. A questão não se resolve com pretensas “leis” do desenvolvimento histórico, mas mediante o exame concreto das relações de força em cada sociedade e, claro, de sua inserção no movimento do capitalismo mundial.

O ciclo do grande salto para trás

O ciclo neoliberal teve início com Fernando Collor de Mello, em 1990. Itamar Franco preencheu os dois anos que faltaram ao primeiro, devido a seu impeachment. Vieram depois dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Luiz Inácio Lula da Silva deu continuidade ao ciclo. Cardoso foi seu grande condottiere, pois seus dois mandatos foram precedidos pela sua presença no Ministério da Fazenda de Itamar Franco, e o mandato de Lula não se diferenciou muito em vários aspectos, sobretudo no econômico.

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Os cara pintadas durante manifestação no Palácio do Planalto, em setembro de 1992 (Sergio Lima/ABr)

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O presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro, dá início à votação do pedido de impeachment do presidente Fernando Collor (Valter Campanato/ABr)

A caracterização do ciclo neoliberal não reside apenas, nem exclusivamente, nas formas e opções da política econômica geralmente conservadora e sob a égide de políticas monetárias recessivas e políticas fiscais ortodoxas. Talvez seja no plano social que o neoliberalismo fique marcado como um período único na moderna história brasileira, na história de média duração, desde 1930. De fato, é a política antirreformas sociais, antirregulacionistas, antidireitos do trabalho e direitos sociais em geral que marca o neoliberalismo. De resto, completamente dentro do paradigma neoliberal urbi et orbi.

As políticas antissociais e antitrabalhador se refletiram, no Brasil, nas reformas da Previdência: a primeira, realizada por Fernando Henrique Cardoso, incidiu sobre os trabalhadores do setor privado, aumentando a idade para aposentadoria, limitando o teto dos proventos e pensões e instituindo a contribuição previdenciária para aposentados e pensionistas. Lula da Silva fez o que o seu predecessor não havia conseguido (até porque, então, o PT posicionou-se claramente contra as reformas e usou sua capacidade parlamentar de veto).

Lula atacou a Previdência dos funcionários do Estado, em todos os níveis: da mesma forma, aumentou a idade para aposentadorias, instituiu a cobrança da contribuição previdenciária para aposentados e pensionistas, e igualmente limitou o teto dos ganhos dessas categorias. Seu prestígio como liderança de trabalhadores deu-lhe “carta branca” para destituir direitos, numa linha muito parecida com a da estigmatização do funcionário público levada adiante por Collor: os servidores seriam “marajás”, detentores de privilégios que os trabalhadores do setor privado não tinham. Em vez de procurar estender aos da iniciativa privada a proteção de que já gozavam os servidores públicos, restringiu o direito destes sem melhorar a situação daqueles.

Os planos de previdência privada experimentaram, então, um enorme crescimento e seguem em ascensão. Esse foi outro dos objetivos, nunca declarados, de Cardoso e de Lula. Com a política de reduzidos reajustes salariais para os servidores públicos, que nem sequer cobrem a inflação do período de treze anos dos mandatos dos dois presidentes, houve um achatamento salarial grave, que incide nas aposentadorias e pensões e cria campo propício para os negócios da previdência privada.

Crescimento medíocre

A economia do período Collor-Itamar-Cardoso-Lula caracteriza-se em primeiro lugar por uma taxa de crescimento medíocre. Apesar de todas as reformas feitas com os supostos objetivos de reduzir a dívida pública, sanear empresas estatais que comiam recursos do Estado e, dizia-se, promover o crescimento econômico, os resultados foram pífios. Em média, o crescimento do PIB mal alcançou os 2% ao ano de 1990 a 2005 (taxa média de 2,06%), resultado pior que o dos três últimos anos do ciclo desenvolvimentista, encerrado com José Sarney em 1989. Naquele ano, em meio à crise aberta pela débâcle do Cruzado e à conturbação da questão inflacionária, o crescimento médio ficou em 2,2%.

O padrão da crise do desenvolvimentismo tornou-se, assim, o padrão normal do período neoliberal. Em termos de taxa per capita, a situação é ainda pior. Se tomarmos o referencial da década 1990-1999, quando o crescimento per capita acumulado ficou em apenas 1,6%, levaremos 450 anos para dobrar a renda per capita dos brasileiros. Se considerarmos o período de 1990 a 2004, precisaremos de “apenas” 150 anos para produzir o mesmo feito. E contra toda a história brasileira desde os anos 1930, trata-se de uma política econômica conservadora, medrosa, anti-intervencionista.

Claro que o anti-intervencionismo valia apenas para o lado do trabalho e do trabalhador e de seus direitos recém-adquiridos. Para as privatizações, o Estado brasileiro utilizou todos os recursos, desde a coerção e coação até os recursos do BNDES, que não foram poucos. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso encarregava-se de coagir os principais fundos de pensão das estatais para que aderissem aos grupos e consórcios que disputavam o controle das estatais, como ficou claro no caso da Companhia Vale do Rio Doce e pelo depoimento de um de seus ministros.

Calculou-se que o Brasil gastou 88 bi­lhões de reais para arrecadar 89 bilhões com as privatizações, isto é, o “lucro” do Es­­tado foi de 1 bilhão. Isso quer dizer que havia 88 bilhões de reais que poderiam ter saneado as empresas estatais e lançado ainda um vigoroso programa de crescimento econômico. A taxa de investimento sobre o PIB, que andava na casa de modestos 19% em 2005, poderia ter se elevado a cerca de 28%. Malbarataram-se 9% do PIB da época para financiar meras transferências de patrimônio, sem acrescentar nada ao crescimento real da economia.

Beco sem saída

Muito do impasse do crescimento, dessa espécie de beco sem saída, deve-se ao período neoliberal – sobretudo na área do emprego. Cardoso jogou fora cerca de 2,5 milhões de empregos industriais e Lula da Silva não conseguiu melhorar muito a situação, que já se deteriorava desde Collor de Mello, com sua política de abertura indiscriminada. A quebradeira de empresas foi recorde na história econômica brasileira. O desemprego elevou-se de 5% para 9% da força de trabalho no período Cardoso, e estimativas com metodologia mais apurada (que leva em conta o desemprego oculto), como as do Seade/Dieese, calculam em cerca de 20% o desemprego na região metropolitana de São Paulo. No início do governo de Fernando H. Cardoso era de 9% da população economicamente ativa. Salvador ostenta algo como 25% de desemprego de sua força de trabalho.

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Os políticos Antonio Carlos Magalhães, Élcio Alvares, Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso durante a gestão tucana da presidência da República (Flickr/Élcio Alvares)

A indiscriminada abertura comercial, conjugada com as privatizações que não acrescentaram quase nada à capacidade produtiva, e a afluência de novas gerações de trabalhadores à população ativa reforçaram a tendência à banalização do trabalho, jogando milhões nas ocupações informais. Ao mesmo tempo, a elevação sem paralelo da produtividade do trabalho aumentava essa banalização, o que se conjugou com a perda de capacidade dos sindicatos, por sinal apaziguados por Lula da Silva.

Em 2005, a economia reinava soberana, impunemente blindada pelo acúmulo de erros do período neoliberal, e a política tornava-se impotente para modificar o rumo das coisas. Ocorria um poderoso bloqueio da política e esta, por sua vez, dava lugar a uma economia sem regulação, o que reduzia o papel do Estado a quase zero. Levou-se o país a uma situação de crescimento errático, sem nenhuma previsibilidade, perseguindo-se desesperadamente o modelo chinês de mão de obra barata e custos de previdência zero.

Os superávits primários (receitas estatais menos despesas, sem contar o que fica reservado para o pagamento dos juros das dívidas) eram escorchantes (em média 5% do PIB no governo Lula), ao tempo em que os juros pagos no e pelo Brasil eram os mais altos do mundo capitalista. Quanto mais se pagava os serviços da dívida interna, mais esta crescia, porque os juros altos eram a condição para se conseguir um risco-país baixo e atrair capital especulativo. Uma espécie de roda da fortuna girando velozmente para trás.

Estrutura de classes indefinida

As estruturas de classes e de dominação permanecem em flutuação, sob o signo de uma forte indeterminação. Sem dúvida, há classes dominantes e classes dominadas no Brasil, mas as ciências sociais não conseguiam, ainda em 2005, nomeá-las. Em parte porque nossas insuficiências teóricas e o parco conhecimento do que havia se passado no Brasil nos vinte anos anteriores tornaram-nas incapazes. De outro lado, a mescla de setores e interesses dificultava passar o fio definidor das fronteiras. E sobretudo porque a própria política viu evaporar-se suas relações com as classes, turbilhonadas pela velocidade das transformações, inclusive as advindas da globalização.

E se a política é, por definição, o que finalmente define o estatuto das classes, não apenas como proprietárias ou produtoras, mas como detentoras de projetos de poder e de nação, então as classes se faziam ausentes. Mas a dominação seguia em ascensão, e havia uma espécie de crescimento do aburguesamento do Brasil, sem burgueses e sem proletários. O crescimento da pobreza fazia, no terreno da classe operária, o caminho inverso da história da industrialização capitalista: os pobres transformaram-se em classe operária; em 2005, a classe operária transformava-se em pobre.

O neoliberalismo não prescindiu da política. Por isso sua caracterização entre nós a partir das presidências do país. Mas o resultado que produziu foi o da virtual irrelevância da política. Não menos que as opções políticas de Lula, a irrelevância da política respondeu por boa parte da antropofagia do novo, da liquidação da novidade da eleição de Lula. Uma espécie de poderoso aparelho digestivo da cultura política brasileira comeu o governo Lula.

“País do futuro” torna-se mito e slogan

Stefan Zweig, escritor austríaco, refugiou-se da perseguição nazista no Brasil e aqui publicou, em 1941, Brasil, país do futuro, numa linha entre o ufanismo e a cordialidade, em oposição aos tempos sombrios vividos então na Europa civilizada. Zweig suicidou-se com sua mulher, em 1942, ao ver quase toda a Europa dominada por Hitler. Daquele momento em diante, o título do livro de Zweig transformou-se numa espécie de emblema do Brasil: ele se identificaria com o mito do país do futuro. A Europa o havia reconhecido, nossos recursos naturais o asseguravam, a ausência de grandes catástrofes naturais nos livravam de tragédias que outros povos conheciam, nosso espírito antibeligerante – negado por nossa própria história – não nos conduzia a empreitadas expansionistas e imperialistas, o Rio de Janeiro era a cidade mais bonita do mundo e a alegria contagiante de seu povo contrastava com a frieza dos civilizados. A cordialidade, já trabalhada pelos nossos clássicos dos anos 1930, ganhava a adesão de autores como Morse.

O futuro, porém, demorava a chegar. Apesar da aceleração vertiginosa iniciada nos anos 1930, o desenvolvimento tardava e não chegou sequer com a industrialização aos jorros do varguismo-kubitschekismo. Mesmo a segunda aceleração, empreendida pela ditadura militar, ainda que provisoriamente retirando a “cordialidade” da equação, provocou uma transformação social e societária de que o gênio brasileiro se apropriaria para chegar a Shangrilá.

Em 1984, a redemocratização seria outra vez realizada “por cima”, na tradição da “revolução passiva”, sem sangue, mas também, como diria nosso clássico da música popular, Noel Rosa, sem “choro nem vela”. Confirmava-se a capacidade do Brasil alquimista de transformar chumbo em ouro. Mas as dobras desse futuro que não chegava escondiam uma realidade que estava longe de se parecer com a imagem ideal que embalou o Conde de Afonso Celso e seu herdeiro Stefan Zweig.

O estado a que chegou a sociedade brasileira depois de uma longue durée (praticamente um século) de desempenho como a economia capitalista com a segunda taxa mais alta de crescimento foi alvo de análise por este autor em Crítica à razão dualista – O ornitorrinco. O século em questão foi de 1870 a 1970, vale dizer, do começo do ciclo do café à conclusão da segunda Revolução Industrial. O período inclui os “quinhentos anos em cinquenta” posterior a 1930, correspondente à “revolução passiva” da industrialização.

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Vista aérea da cidade de São Paulo (Leandro Neumann Ciuffo/Creative Commons)

“O futuro está aí”

Em que consiste, pois, o adeus do futuro ao país do futuro? Sua presentificação permanente. Não há mais futuro, porque ele já está aí. Há uma simultaneidade entre todas “as idades geológicas” do capitalismo. Ou, aproveitando Marx, se é a anatomia do homem que explica a do macaco, neste caso é a anatomia do capitalismo mais avançado que explica as infinitas combinações esdrúxulas presentes na economia e na sociedade brasileira. O diferencial do subdesenvolvimento, ou, no dizer de Cardoso, a “originalidade da cópia”, é que foi interpretado como forma específica do capitalismo na periferia que ele mesmo, capitalismo, criara.

O conceito de subdesenvolvimento foi criação teórica da CEPAL, que preencheu o vazio deixado pelo marxismo, que tinha a obrigação de decifrar as formas pelas quais o capitalismo se expandia. O subdesenvolvimento não era uma “etapa” do desenvolvimento, num esquema a la Rostow ou a la etapismo stalinista. Ele poderia ser rompido, tentando-se inverter a relação entre os centros do núcleo desenvolvido e a periferia, ou, em outras palavras, fazendo-se com que a periferia alcançasse os graus de industrialização do centro, para fazer desaparecer a condição de economias dependentes.

Havia, portanto, uma larga franja de atividades que, em se tornando capitalistas, liquidariam o subdesenvolvimento. ­Simplificando muito, este seria vencido exatamente pelo desenvolvimento. Esse caminho não carecia de perspectiva histórica: muitos países que foram “periferia” ou quase colônias copiaram aceleradamente os desenvolvidos e hoje fazem parte do núcleo. Os casos mais notórios são o do Japão, a partir da Restauração Meiji, e da Austrália e Nova Zelândia, criadas como colônias de degredo.

Até subcolônias, como a Coreia do Sul, dominada pelo Japão, empreenderam, a partir da década de 1970, um decidido esforço de modernização, sob ditaduras também, traço característico dos “capitalismos tardios”. Na direção contrária, no entanto, os exemplos não faltaram, inclusive em nosso próprio continente: a Argentina, que no princípio do século XX era um dos cinco países mais ricos do mundo, havia retrocedido à condição de periferia.

Pobreza high-tech e financeirização

O futuro chegou porque o subdesenvolvimento já não era uma singularidade, a forma própria de expansão do capitalismo na periferia. Já não havia, no mundo globalizado de fins do século XX e início do XXI, fronteiras para a expansão do capital que, ao se realizar, viesse a liquidar todas as anteriores formas “feudais” ou pré-capitalistas. Conviviam, à essa altura, todas as eras “geológicas” do capitalismo, setores high- tech com o trabalho informal. As classes de renda mais baixa falando em telefones celulares. O campo brasileiro, depois de uma reforma agrícola, não a agrária, colocando o país entre os maiores produtores mundiais de grãos e no topo do ranking da exportação de carne bovina.

O problema da alimentação da massa urbana de trabalhadores criada pela aceleração vertiginosa dos anos 1930 aos 1980 já não existia: o agronegócio o resolveu. O que existia em 2005 era uma distribuição da renda altamente concentrada, que não encontrava via de resolução pelo “progresso técnico”, porque este tendia a ser ainda mais concentrador, com o enorme aumento da produtividade do trabalho barateando os bens-salário. A economista Maria da Conceição Tavares chegou a classificar o período FHC como de “destruição não criadora”.

O caso da educação ilustra perversamente esse ângulo do problema: na era molecular-digital, a educação tornou-se não funcional para a melhoria do mercado de trabalho. Qualquer pessoa pode manejar um computador, o que viabilizou o trabalho sem-forma ou informal. E a situa­ção da educação no Brasil confirmou o diagnóstico: construíram-se escolas pobres para os pobres, apenas como um mecanismo de legitimação, embora a vida real das populações e das classes nada tivesse a ver com o que se ensinava nas escolas.

A financeirização da acumulação de capital deslocou definitivamente a questão do desenvolvimento para o exterior – mesmo que, do ponto de vista macroeconômico, seja possível pensar num processo de acumulação baseado num equilíbrio entre poupança e investimento internos, que não requeira a mal-chamada “poupança externa”. De fato, já não era relevante distinguir entre as poupanças interna e externa. O processo real fez com que o capital externo, na forma dinheiro, se tornasse o pressuposto e o resultado do funcionamento das economias periféricas. E esse capital externo continha uma alta porcentagem de poupanças “internas”, que migravam para ser aplicadas no mercado internacional. A corrida alucinante do progresso técnico projeta sempre uma fuga para a frente, para a qual os recursos internos mostram-se sempre insuficientes.

Estado máximo e políticas de controle

O conjunto de novas determinações do capitalismo globalizado erodiu a nação como comunidade política (no sentido dado por Hannah Arendt) e, ao contrário do que foi apregoado pela ideologia neoliberal, não produziu um Estado mínimo, mas um Estado máximo. Esse Estado buscava assegurar os movimentos do capital contra toda incerteza, exponencialmente crescente em tempos de globalização.

A combinação de máxima incerteza, erosão da comunidade política e Estado máximo produziu um Estado que está muito perto de ser um Estado Policial, no sentido que lhe atribuiu Jacques Rancière em O desentendimento. Para Rancière,

a pós-democracia é a prática governamental e a legitimação conceitual de uma democracia de depois do demos, de uma democracia que liquidou a aparência, o erro na conta e o litígio do povo, redutível portanto ao jogo único dos dispositivos de Estado e das composições de energias e de interesses sociais.

É a prática e o pensamento de uma adequação, sem resto, entre as formas do Estado e o estado das relações sociais.

Com que isso se parece? Parece que Rancière está descrevendo o Estado na periferia capitalista do século XXI, inclusive no Brasil. Com superávits primários estratosféricos, com políticas assistencialistas de funcionalização da pobreza, com autonomia e independência do Banco Central, com reforma da Previdência, com redução de auxílio-doença, com alto desemprego e “trabalho informal” em expansão. Isto é, a política policial fazia o acordo entre as formas do Estado e o estado das relações sociais. Se não havia emprego formal (estado das relações sociais), a forma que o Estado encontrava para dar conta dessa ausência era a precariedade, a transformação da exceção em regra, com programas como Primeiro Emprego e Bolsa-Família. Se não havia recursos para a construção de habitações, utilizava-se o mutirão, a exceção da cidade, como política estatal de habitação.

O impressionante àquela altura era que havia vencido na mídia e na esquerda o paradigma do Estado mínimo. Quando as organizações não governamentais faziam o que o Estado demonstrava incompetência para fazer, mostravam que elas mesmas, as ONGs, apenas haviam se transformado em aparelhos do Estado, fazendo desaparecer aquilo que Rancière chamava de “litígio do povo”.

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O presidente Lula em batismo da P-51, primeira plataforma da Petrobras semi-submersível construída integralmente no Brasil, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, em outubro de 2008 (Imprensa/Agência Petrobras)

Negociação e negação da política

Não havia então um só recanto do social (interesses sociais, na citação de Rancière) que não fosse objeto de políticas de Estado. Desde aquelas destinadas a reduzir as incertezas do grande capital até as que apenas asseguravam a “vida nua”, na acepção do filósofo italiano Giorgio Agamben: uma Lei de Falências, que garantia que nenhuma empresa iria falir, e normas para levar comida, simulacros de educação e participação na elaboração dos orçamentos de prefeituras a todas as favelas das grandes cidades.

O cotidiano havia se transformado, em 2005, numa constante negociação entre a não forma mercantil, que impõe sobrevivências praticamente gângsteres (o narcotráfico, por exemplo, e sua consanguínea violência), e as precárias formas das políticas assistencialistas. Costumava-se dizer que a vida do pobre no Brasil transitava entre o azar e a sorte, palavras que em francês são uma só. Os ricos, as classes superiores (para designação das quais as velhas clivagens já não dão conta), também transitavam numa permanente negociação entre a bandidagem e a forma legal. E isso se havia transportado para a política: a palavra-chave no Brasil do início do século XXI era “negociação”, que não significava um negócio comercial, ou, mais grosseiramente, a transformação da política em negócio, mas exatamente seu contrário: a quase impossibilidade do contrato formal, mesmo na política.

As medidas provisórias eram a nova forma de legislar, ou de improvisar, na impossibilidade de prever, requisito básico da política. O que parecia revelar-se era a permanente incapacidade de as sociedades da periferia capitalista suportarem qualquer institucionalidade. A descartabilidade imposta pela globalização transportou-se para a política nesse simulacro de negociação. Tratava-se de uma espécie de dialética negativa: os problemas não eram superados para dar lugar a uma nova e superior contradição; os problemas eram rebaixados, “solucionados” por formas precárias, arcaicas, regressivas. Tal como, na sua longa trajetória em companhia do capitalismo, o liberalismo realizou a façanha de retirar da política seu caráter agonístico, de decisão, nos termos de Carl Schmitt, na periferia o neoliberalismo completou o círculo: a política tornou-se irrelevante, uma “conversa sem fim”.

(atualização) 2005 - 2015

por Emir Sader

A crise de janeiro de 1999 jogou o Brasil em uma espiral recessiva, que só terminaria no governo Lula. A administração Fernando Henrique Cardoso elevou as taxas de juros ao patamar de 48% ao mês, numa tentativa desesperada de conter a fuga de capitais, provocando uma profunda e prolongada depressão econômica. Tal situação foi resultado das políticas neoliberais do governo do PSDB, que conseguiu controlar a inflação – um dos principais trunfos usados por FHC para se reeleger em 1998 –, porém, com consequências econômicas e sociais desastrosas. A dívida pública cresceu mais de dez vezes, o governo assinou três acordos com o FMI – com as correspondentes Cartas de Intenção –, a economia entrou em declínio, as taxas de desemprego subiram, assim como o trabalho informal (sem carteira assinada), e a própria inflação retornou.

A crise cobrou seu preço. Fernando Henrique Cardoso não conseguiu eleger o seu sucessor em 2002. Então em sua quarta disputa pela presidência, Lula venceu José Serra, ex-ministro de FHC. E seu triunfo abriu uma nova etapa na história política do Brasil.

O governo Lula

Durante a campanha eleitoral, a imagem de Lula foi "suavizada" para torná-lo palatável ao eleitorado mais conservador. Mas a sua intenção de voto ao longo da campanha – ao redor dos 30% – só daria um salto depois da divulgação da Carta aos Brasileiros, documento em que o candidato do PT garantia que todos os contratos e compromissos firmados pelo governo até ali seriam respeitados. Foi com o voto dos moderados que Lula acabou vencendo e assumindo como presidente em janeiro de 2003.

E, de fato, a postura inicial de seu governo foi bastante moderada. A equipe econômica elevou as taxas de juros, deu sequência às medidas de ajuste fiscal e propôs uma reforma regressiva da previdência social. O que provocou a primeira crise dentro do próprio PT. Os setores mais radicais deixariam a legenda pouco depois para fundar um novo partido, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade).

A condução de viés moderado da economia se impôs nos primeiros anos de governo, ao lado da priorização das políticas sociais, bandeira histórica do PT. O país não retomava o crescimento e dentro do próprio governo era travado um debate entre os adeptos da orientação em curso – tendo à frente o ministro da Economia, Antonio Palocci – e uma corrente “neodesenvolvimentista”, liderada pela então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, que propunha a retomada da expansão econômica com distribuição de renda.

Em meio a esse debate se produziu a primeira grande ofensiva da oposição, com denúncias de que haveria um esquema de compra de apoio político por meio de doações em dinheiro (o que a imprensa passou a chamar de “mensalão”). As acusações provocaram a saída de vários dirigentes de primeira linha do governo, entre eles, o ministro chefe da Casal Civil, José Dirceu, e o ministro da Economia, Antonio Palocci. Dilma Rousseff foi nomeada para a Casa Civil, passando a atuar como coordenadora geral do governo, impondo o modelo  “neodesenvolvimentista” que defendia.

A crise do “mensalão” reverteu a imagem ética do PT e deu início ao desgaste do partido. Mesmo assim, graças principalmente ao sucesso das políticas sociais implantadas, Lula foi reeleito em 2006. O governo conquistou um grande apoio popular entre os setores mais carentes da sociedade, sobretudo no Nordeste, antes um feudo dos partidos de direita. Pode-se dizer que o governo saiu da crise fortalecido, trazendo para o seu lado bases populares que passariam a ser o seu apoio fundamental, uma vez que começava a perder prestígio em seus redutos tradicionais.

O segundo mandato de Lula foi marcado pela crise econômica internacional e pelas medidas de reação implementadas pelo governo. Estas foram na direção do fortalecimento do Estado, com ações de incentivo à economia, de expansão da atuação dos bancos públicos e das políticas sociais redistributivas –, o que permitiu ao país resistir às pressões recessivas externas e seguir crescendo.

O governo Lula deu à política externa brasileira uma projeção que ela nunca havia experimentado. Avanços no Mercosul, fundação da Unasul, do Banco do Sul, do Conselho Sulamericano de Defesa e da CELAC, foram resultado de uma linha de atuação protagonista, assim como a expressiva participação do país  entre os chamados BRICS, a associação de nações emergentes que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Apoiado sobretudo em suas políticas sociais, assim como no resgate do Estado como indutor do crescimento econômico e fiador dos direitos sociais, e pela prioridade dada aos projetos de integração regional e do intercâmbio Sul-Sul, Lula conseguiu fazer sua sucessora. Dilma Rousseff foi eleita presidente em 2010, vencendo José Serra, que já tinha sido o candidato derrotado da oposição em 2002.

LULA.jpg
O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de início da produção do petróleo da camada pré-sal do campo de Jubarte, no Espírito Santo, em setembro de 2008 (Ricardo Stuckert/PR)

O governo Dilma

O governo Dilma Rousseff foi afetado diretamente pela recessão internacional, que baixou os níveis de crescimento da economia. O governo estendeu as políticas sociais herdadas do governo Lula, mas foi alvo de campanhas concentradas da mídia opositora. Esta buscou munição na fase de julgamento do "mensalão", que acabaria condenando dirigentes do PT.

Em junho de 2013, o país foi surpreendido por manifestações de massa, sobretudo de jovens. Eles foram às ruas protestar inicialmente contra aumento das tarifas de transporte, mas acabaram questionando também a qualidade da educação e da saúde, comparando os investimentos do governo nessas áreas com os gastos com a Copa do Mundo de Futebol, que se realizaria no ano seguinte. Pela primeira vez, o governo experimentou uma queda sensível de popularidade – que, de resto, afetou os demais governantes –, e da qual voltaria a se recuperar somente em parte no final da campanha eleitoral de 2014.

O Brasil resistiu a crise internacional e não entrou em recessão. Mas os efeitos da retração da demanda se fizeram sentir, afetando o ritmo de crescimento da economia, que se manteve tímido durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff. A presidenta começou a baixar a taxa juros conforme havia prometido durante a campanha eleitoral, mas foi duramente pressionada pela mídia, que acenava com o risco do descontrole inflacionário, fazendo com que o governo voltasse a elevá-las. A manobra levou boa parte do empresariado aos investimentos especulativos, o que contribuiu para o crescimento baixo do PIB. O governo tentou reverter a tendência oferecendo isenções, subsídios e créditos, sem sucesso.

O primeiro mandato de Dilma Rousseff foi marcado por uma quase estagnação econômica. No plano social, porém, os programas foram intensificados e, entre outras conquistas, o Brasil finalmente deixou de figurar no mapa mundial da fome, de acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), apresentado em setembro de 2014.

Institucionalmente, a oposição dura por parte do Judiciário durante a fase do julgamento do processo do “mensalão”, consolidou junto à opinião a pública a imagem do PT e do governo como envolvidos em corrupção. Contribuíram nesse processo a disposição da mídia, que atuou como um verdadeiro partido de oposição durante o julgamento, e também a postura retraída do próprio governo e do PT, que perderam o debate sobre tema.

Durante o primeiro mandato, Dilma Rousseff criou a Comissão Nacional da Verdade, a fim de apurar os crimes da ditadura militar. A Comissão realizou todas as investigações possíveis, mesmo sem contar com a colaboração dos militares envolvidos nos atos de repressão. O trabalho recordou ao país as atrocidades cometidas durante o regime militar. O relatório da Comissão, entregue no final de 2014, recomenda processo e a condenação dos militares envolvidos em casos de tortura, apesar da vigência da anistia imposta pela ditadura, que prescreveu os atos de violência perpetrados por esta.

No plano internacional, depois de ter baixado o perfil da atuação do país em comparação com o governo Lula, Dilma tomou decisões que voltaram a alavancar a política externa. A reunião dos BRICS, em julho de 2014 em Fortaleza, foi marcada pela proposta de fundação de um banco de desenvolvimento próprio e de um fundo de reservas, a fim de atender os países do Sul em dificuldades. As decisões apontam para a construção de um mundo multipolar no plano econômico, alternativo ao construído no fim da Segunda Guerra com os acordos de Bretton Woods e centrado no FMI e no Banco Mundial.

A corrida presidencial de 2014 expressou uma dura polarização em termos de disputa eleitoral. Depois de anos de reiteradas denúncias de casos de corrupção – reais ou não e, mesmo quando reais, unilateral e desproporcionalmente  destacados –, a imagem do governo e do PT foram afetadas nos setores sobre os quais os monopólios privados dos meios de comunicação ainda detém poder de influência. O outro eixo das sistemáticas campanhas da mídia – que atua, como em outros países da região, como um verdadeiro partido de oposição – foi uma espécie de terrorismo econômico. Apesar da inflação controlada, disseminou-se uma imagem de descontrole, pressionando o governo a abandonar tentativas de reativação econômica.

A campanha eleitoral de 2014 se encaminhava para uma quarta vitória do PT, quando um acidente aéreo vitimou Eduardo Campos, candidato a presidente pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), quatro assessores, o piloto e co-piloto da aeronave em que viajavam. Campos havia sido ministro de Lula e se lançara como candidato de oposição ao governo, tendo como vice outra ex-ministra lulista, Marina Silva. Muito mais popular do que o companheiro de chapa, Marina assumiu a candidatura presidencial. Em meio à comoção causada pela morte de Campos, ela canalizou o grosso dos votos de oposição, chegando a figurar como favorita à vitória nas pesquisas de intenção de voto.

Porém, ao revelar um projeto neoliberal para a economia, sua popularidade se desfez. E Aécio Neves, do PSDB, candidato do partido tradicional da oposição, voltou a polarizar a disputa com Dilma Rousseff. No segundo turno, ele recebeu o apoio de Marina Silva. Mesmo assim, e sob fogo cerrado da mídia, Dilma Rousseff acabou reeleita por uma estreita margem de votos.

A ofensiva midiática continuou depois da eleição, concentrando-se nas denúncias de casos de corrupção em torno da intermediação de obras da Petrobras. A empresa, orgulho do governo do PT, viu sua imagem ser demolida diante da opinião pública, tornando-se um foco de problemas.

Apesar de justificativas legais discutíveis, a oposição, valendo-se de um Congresso conservador, conseguiu aprovar a abertura de um processo de impeachment da presidenta eleita. O país assistiu a grandes mobilizações contra e a favor do impedimento. Em 12 de maio, o Senado decidiu pelo afastamento provisório de Dilma Rousseff. O vice Michel Temer, do PMDB, assumiu a presidência interinamente, até que o Senado julgue em definitivo a questão.

No dia 29 de agosto de 2016, a presidente Dilma Rousseff foi deposta do cargo por meio de um golpe parlamentar. Em seu lugar, assumiu o vice Michel Temer, que se apressou em aprovar uma série de medidas austeras e antipopulares.

800px-Esplanada_dos_Ministérios,_Brasília_DF_04_2006.jpg
A Esplanada dos Ministérios, em Brasília, capital do Brasil (Mario Roberto Durán Ortiz/Creative Commons)

 

Dados Estatísticos 

 

Indicadores demográficos do Brasil

1950

1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020*

População 
(em mil habitantes)

53.975

72.7776

96.060

121.740

149.648

174.505

195.210

211.102

• Sexo masculino (%)

49,61

49,85

49,92

49,88

49,68

49,44

49,23

49,05

• Sexo feminino (%)

50,39

50,15

50,08

50,12

50,32

50,56

50,77

50,95

Densidade demográfica
(hab./km²
)

6

9

11

14

18

20

23

25

Taxa bruta de natalidade (por mil habitantes)**

44,02

42,04

33,69

30,81

22,60

19,82

15,1*

13,1 

Taxa de crescimento
populacional**

3,06

2,96

2,38

2,25

1,57

1,29

0,85*

0,6

Expectativa de vida 
(anos)**

51,01

55,88

59,82

63,50

67,45

71,03

73,80*

76,4 

• Expectativa de vida 
masculina**

49,32

54,02

57,57

60,42

63,72

67,31

70,20*

72,9 

• Expectativa de vida feminina**

52,75

57,82

62,17

66,87

71,45

74,90

77,50*

79,8

População entre
0 e 14 anos de idade (%)

41,56

43,26

42,30

38,05

35,29

29,60

25,49

20,9

População com mais 
de 65 anos (%)

2,98

3,30

3,72

4,21

4,47

5,49

6,91

9,5

População urbana (%)¹

36,16

46,14

55,91

65,47

73,92

81,19

84,34

86,84 

População rural (%)¹

63,84

53,86

44,09

34,53

26,08

18,81

15,66

13,16

A população do país 
na América do Sul (%)

47,99

49,25

50,15

50,51

50,59

50,11
 

49,54

48,58 

Participação na população
latino-americana (%)***

32,15

33,01

33,40

33,43

33,61

33,16

32,74

31,90 

Participação na população
mundial (%)

2,137

2,405

2,602

2,736

2,813

2,848

2,823

2,735 

Fontes: ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Population Database
¹ Dados sobre a população urbana e rural retirados de ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision 

* Projeção. | ** Estimativas por quinquênios. | *** Inclui o Caribe.

Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados indicada.
 

Indicadores econômicos do Brasil

1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020*

PIB (em milhões de US$ a p
reços constantes de 2010)

1.169.549,9

1.502.509,5

2.143.034,3

... 

• Participação no PIB 
latino americano (%)

44,19

41,97

43,08

...

PIB per capita (em US$ a
preços constantes de 2010)

7.815,5

8.610,5

10.981,3

...

Exportações anuais  
(em milhões de US$)

20.132,4

31.413,8

55.085,6

201.915,3

...

• Exportação de produtos
manufaturados 
(em milhões de US$)

362,5

7.491,9

16.300,1

31.987,6

72.467,3

...

Exportações de produtos
manufaturados (%)

13,2

37,2

51,9

58,4

37,1

...

• Exportação de produtos
primários
(em milhões de US$)

2.376,2

12.640,2

15.096,8

22.755,9

123.079,2

... 

Exportações de produtos
primários (%)

86,8

62,8

48,1

41,6

62,9

... 

Importações anuais 
(em milhões de US$)

22.955,2

20.661,4

55.783,3

181.768,4

...

Exportações-importações
(em milhões de US$)

-2.822,8

10.752,4

-697,7

20.146,9

...

Investimentos estrangeiros
diretos líquidos 
(em milhões de US$)

1.544,0

324,0

30.497,6

36.918,9

...

População Economicamente
Ativa (PEA)
²

21.362.000

28.044.400

46.153.627

63.918.297

84.779.561

101.902.479

 117.058.478

• PEA do sexo masculino (%)²

82,44

79,36

68,94

63,47

58,60

56,95

55,47

• PEA do sexo feminino (%)²

17,56

20,64

31,06

36,53

41,04

43,05

44,53

Taxa anual de 
desemprego urbano** (%)

4,5

...

...

Gastos públicos em educação 
(% do PIB)

0,70³

4,50⁴

4,01

5,82

...

Gastos públicos saúde 
(% do PIB)⁶

...

...

2,90

4,23

...

Dívida externa
bruta desembolsada
(em milhões  de US$)¹

3.738,0

6.240,0

64.259,0

123.438,5

236.156,3

351.940,8

...

Fonte: CEPALSTAT
¹ IPEA/DATA
² Para os anos de 1960 e 1970 a fonte é LABORSTA
³ CEPAL Anuario estadístico de América Latina y el Caribe 2001
⁴  CEPAL Anuario estadístico de América Latina y el Caribe 2004
⁵  Calculado a partir dos dados do Global Health Observatoryda Organização Mundial da Saúde
* Projeção. 

Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados ou no documento indicados.

 

Indicadores sociais do Brasil

1970

1980

1990

2000

2010

2020*

Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH)¹

0,545

0,612

0,682

0,739

...

Analfabetismo 
acima de 15 anos (%)

...

...

17,80

...

...

...

 Analfabetismo
masculino (%)

...

...

17,30

...

...

...

 Analfabetismo
feminino (%)

...

...

18,30

...

...

...

Matrículas no
ciclo primário

12.812.029

16.089.731

20.312.241

20.211.506

16.893.490

...

Matrículas no
ciclo secundário

4.086.073

...

...

...

23.538.717

...

Matrículas no
ciclo terciário

430.473

1.409.243

1.540.080

2.781.328**

6.552.707

...

Professores

808.926

...

...

...

2.520.049

... 

Médicos

46.051***

146.091

290.587

... 

Fonte: CEPALSTAT
¹  Fonte: UNDP. Coutries Profiles
*  
Projeção.  
**  A partir do ano de 1998 os dados de matrícula passaram a ser calculados segundo nova classificação, sendo os dados até 1997 não estritamente comparáveis com os dados dos anos seguintes.
*** Para o ano de 1970 o dado se refere aos médicos que trabalham em estabelecimentos de saúde 

Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados ou no documento indicados.

 

Mapas

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brasil-2.png

brasil-3.png

 

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