Filho de professora primária, Darcy Ribeiro perdeu o pai aos três anos e foi morar com a mãe na casa dos avós maternos. Em 1939, ingressou na Faculdade de Medicina, em Belo Horizonte. Iniciou sua militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB), aproximou-se da filosofia e da literatura e, ao descobrir sua vocação para as ciências sociais, abandonou a medicina em 1943. Com uma bolsa de estudos oferecida por Donald Pierson, professor na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, matriculou-se nessa instituição. Graduou-se em etnologia em 1946 e se empregou no Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
De 1946 a 1948 participou de expedições, entrando em contato com os terenas, ofaié-xavantes, guaranis, caapores e kadiwéus. Em 1950, publicou seu primeiro livro, Religião e mitologia kadiwéu, que lhe valeu o Prêmio Fabio Prado, concedido pela União de Literatura de São Paulo. Assumiu a direção de estudos do SPI e desenvolveu várias iniciativas em favor da causa indígena, entre elas a criação do Museu do Índio, em 1953, que estabeleceu o primeiro curso brasileiro de pós-graduação em antropologia, e o projeto de criação do Parque do Xingu. Seus escritos sobre os índios inscrevem-se na luta para devolver-lhes a força e a criatividade cultural que lhes foram usurpadas e lhes permitem redefinir a relação com a sociedade e o Estado que os envolvem.
Em 1953, lecionou por dois anos etnologia brasileira na Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) e, posteriormente, integrou o corpo docente da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Convidado a colaborar na elaboração das diretrizes educacionais do governo Juscelino Kubitschek, foi designado por Anísio Teixeira para dirigir a divisão de Estudos Sociais do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), vinculado ao Ministério da Educação, onde criou a revista Educação e Ciências Sociais. Designado, em 1959, para organizar a Universidade de Brasília (UnB), no Distrito Federal, tornou-se, em 1961, seu primeiro reitor, cargo que entregou a Anísio Teixeira para assumir em 1962, no governo João Goulart, o Ministério da Educação e Cultura. No ano seguinte, foi chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. O golpe de 1964 cassou seus direitos políticos e o demitiu dos cargos de professor na Universidade do Brasil e de etnólogo no SPI. Fracassada a tentativa de organizar a resistência, Darcy exilou-se em Montevidéu, Uruguai, onde lecionou na Universidade da República Oriental do Uruguai.
Processos civilizatórios mundiais
Nesse período desenvolveu seus estudos sobre antropologia da civilização, que situaram em nível superior sua problemática indigenista e acompanharam toda a sua trajetória intelectual. Escreveu sobre o tema: O processo civilizatório (1968), As Américas e a civilização (1969), Os índios e a civilização (1970), O dilema da América Latina (1971), Os brasileiros (1972) e, posteriormente, O povo brasileiro (1996).
Seu pensamento dirigia-se contra o funcionalismo, o marxismo dogmático e as teorias da modernização, afirmando um evolucionismo multilinear. Darcy enfatizava a cumulatividade do conhecimento como a chave do desenvolvimento de processos civilizatórios que promovem transfigurações étnicas, criam conglomerados histórico-sociais e tendem a unificar a humanidade numa formação social global. Da revolução agrícola até a pastoril ocorreram processos civilizatórios distintos, mas a partir das revoluções mercantil e, sobretudo, industrial, eles alcançaram âmbito mundial. Essas revoluções estabeleceram formações sociais coetâneas, partes de um mesmo processo civilizatório: as formas capitalistas-mercantis, que se transformaram em capitalistas-industriais, e as formações dependentes, que geraram formas coloniais e, por atualização histórica, neocoloniais. Para Darcy, a Revolução Industrial seria sucedida pela revolução termonuclear, iniciada no século XX e baseada no trabalho qualificado e intelectual. Esta exigiria uma formação social global, a ser desenvolvida por um socialismo mundial, resultante de revoluções ou de processos evolutivos no âmbito das democracias nos países centrais. Não estava excluída, porém, a possibilidade de regressões, ameaçando a própria sobrevivência da humanidade.
Em sua antropologia da civilização, Darcy dedicou um lugar especial ao Brasil e aos brasileiros. A fusão das três grandes etnias (negra, branca e índia) que caracteriza a formação social brasileira a colocaria em papel de destaque na criação de uma nova civilização global fundada na criatividade, liberdade e solidariedade, uma vez libertada das amarras da dependência.
Em 1968, voltou ao Brasil, quando foram anulados, no Supremo Tribunal Federal, os processos que eram movidos contra ele. Entretanto, depois da promulgação do Ato Institucional n o 5, ficou preso até setembro de 1970. Absolvido pela Auditoria da Marinha, fixou-se na Venezuela, onde organizou o projeto da Universidade Central da República. A convite de Salvador Allende, deslocou-se para o Chile, em 1971, e trabalhou no Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile (UC). Depois colaborou com o governo de Juan Velasco Alvarado, dirigindo o programa de integração das universidades peruanas.
Retorno ao Brasil
Em 1974, autorizado a voltar ao Brasil, realizou uma cirurgia para tratamento de câncer, extraindo um dos pulmões. Em 1976, retornou definitivamente ao país no âmbito da distensão promovida pelo governo Geisel. Eleito membro do Conselho Diretor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) em 1979, recebeu o título de doutor honoris causa na Sorbonne, título que lhe seria concedido também pelas universidades de Copenhague, da República Oriental do Uruguai, Central da Venezuela (UCV) e de Brasília.
No Brasil, foi integrado à Universidade Federal do Rio de Janeiro e participou, com Leonel Brizola, da refundação do trabalhismo, com a legenda do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Eleito vice-governador do Rio de Janeiro em 1982, em chapa encabeçada por Brizola, acumulou o cargo de secretário estadual de Ciência e Cultura e coordenou o Programa Especial de Educação. Entre suas realizações estão a construção dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) – unidades de ensino voltadas para crianças de baixa renda que funcionavam em regime integral, proporcionando alimentação, assistência médica e atividades de lazer e cultura –, a fundação da Biblioteca Pública Estadual e a criação do Sambódromo. Foi eleito senador em 1990 pelo Estado do Rio de Janeiro, mas licenciou-se para assumir a Secretaria Estadual de Projetos Especiais de Educação do Governo do Estado do Rio de Janeiro no segundo mandato de Brizola, iniciado em 1991. Coordenou a retomada do programa dos CIEPs e a construção da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).
Em 1992, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Internado em dezembro de 1994, na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Samaritano para tratar-se de câncer, deixou o hospital, contra a orientação médica, em “fuga espetacular”. Em fevereiro de 1995, retomou sua cadeira no Senado e dedicou-se a seus últimos escritos, entre os quais se destacam O povo brasileiro (1996), encerramento de seus estudos de antropologia da civilização, e Confissões (1997), livro de memórias e balanço de sua vida. Além de sua contribuição às ciências sociais, legou obra literária e poética manifesta em livros como Maíra (1976), O Mulo (1981), Utopia selvagem (1986), O Migo (1988), Noções de coisas (1995) e Eros e Tanatos (1998).