Ianni, Octavio

Itu, 1926 - São Paulo (Brasil), 2004

Oriundo de família camponesa, Octavio Ianni cursou ciências sociais na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), onde se tornou assistente de Florestan Fernandes e um de seus principais discípulos. Iniciou seus estudos pela análise da questão racial na sociedade brasileira, desenvolvendo uma preocupação de Florestan Fernandes, que buscava na combinação entre a dinâmica de classes e as origens estamentais dessa sociedade um dos determinantes de sua originalidade. Sua dissertação de mestrado, Raça e mobilidade social em Florianópolis (1956), sua tese de doutorado O negro na sociedade de castas (1961) – publicada com o título de Metamorfoses do escravo (1962) – e seu livro Raças e classes sociais no Brasil (1966) refletem esse enfoque. Em Metaformoses do escravo, dedica-se à análise da situação do negro em Curitiba na transição de uma sociedade escravista para outra, formalmente livre, desvelando a reinvenção dos mecanismos de exclusão social desenvolvidos pela elite branca para garantir seu protagonismo e adequar a ordem competitiva à herança estamental. Esses trabalhos evidenciam a sofisticação analítica do autor, capaz de articular as questões estruturais da sociedade com suas manifestações cotidianas e culturais, como revela o ensaio O samba de terreiro em Itu, incluído no livro de 1966.

Populismo

Entre 1958 e 1965 Ianni participou dos seminários de leitura de O Capital organizados por jovens pesquisadores da USP, entre os quais Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer e José Arthur Gianotti. Na mesma época, realizou uma profunda crítica aos processos de desenvolvimento democrático-burgueses e ao populismo como sua forma de expressão. Para o autor, a integração imperialista, com a qual se articulam as burguesias nacionais latino-americanas, as impede de exercer uma liderança efetiva no interior de suas sociedades, tendendo estas a assumir as concepções ideológicas dos países centrais para suas decisões. O populismo, correspondente à aliança entre a burguesia industrial e os setores populares para que a primeira imponha à oligarquia agroexportadora seu controle no aparato de Estado, teria seus dias contados com o aprofundamento da integração imperialista. Mais ainda, se o populismo permite um avanço na participação e no grau de consciência popular, a política de massas de que se utiliza para a mobilização, mesmo em suas formas nacionalistas e anti-imperialistas mais radicais, fundada em lideranças carismáticas e voltada para as necessidades imediatas, dissolve os limites de classe no de nação e não permite ao proletariado organizar autonomamente seus interesses para impô-los como dominantes dentro da aliança. O autor critica a esquerda que se utiliza desses métodos de mobilização, afirmando que levam à capitulação, ou ao autoritarismo, quando a burguesia se utiliza do terror fascista para conter os brotos de autonomia proletária. Essas críticas, tão contundentes quanto polêmicas – pois sofreram a objeção da esquerda nacionalista –, foram estabelecidas principalmente em O colapso do populismo no Brasil (1968) e A formação do Estado populista (1975).

Em 1969 foi aposentado compulsoriamente da USP pelo AI-5 (Ato Institucional n⁰ 5 da ditadura militar) e se tornou um dos fundadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), do qual se desligou mais tarde, concentrando suas atividades na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

Já a partir de seus trabalhos sobre populismo, Ianni aproximou-se de uma forma própria da teoria da dependência. Para ele, tratava-se de um novo ângulo para observar a problemática mais global do imperialismo. Seu conceito de dependência estrutural afirma a determinação externa, pelo imperialismo, das estruturas de dependência e se expressa nos níveis econômico, político, ideológico, cultural e militar. Essas estruturas estariam marcadas pela superexploração do trabalho e pela instabilidade política, levando a burguesia a buscar no autoritarismo e no fascismo instrumentos de resolução de suas crises de legitimidade. Tais temáticas foram desenvolvidas em Estado e planejamento econômico (1971), Sociologia da sociologia latino-americana (1971), Imperialismo na América Latina (1974), Imperialismo e cultura (1976) e A ditadura do grande capital (1981), entre outros trabalhos.

Globalização

A partir dos anos 1990, Ianni produziu análises tão instigantes quanto controvertidas sobre o fenômeno da globalização. Para o autor, a monopolização do capital cria uma nova etapa da revolução burguesa mundial e funda a sociedade global. Suas estruturas de dominação e hegemonia se desligam dos Estados nacionais e passam a ser exercidas diretamente pelas empresas transnacionais, auxiliadas por organismos internacionais – FMI, Banco Mundial, ONU etc. – e pela indústria cultural, que atuam como expressão política e ideológica dos interesses do capital global. Esse fenômeno o leva a afirmar a obsolescência das lutas socialistas ligadas a marcos nacionais e a reivindicar sua manifestação num plano global, contrapondo à globalização capitalista outra socialista. Tal enfoque se expressa nos livros: A sociedade global (1991), Teorias da globalização (1996), A era do globalismo (1996) e Enigmas da modernidade-mundo (2000), pelo qual conquistou os prêmios Juca Pato de Intelectual do Ano (2000) e o de ensaios, da Academia Brasileira de Letras (2001).

Professor emérito da USP e da Univesidade Estadual de Campinas (Unicamp), trabalhador incansável, morreu de câncer aos 77 anos, após terminar os originais de Capitalismo, violência e terrorismo (2004).