Unidade Popular

Coalizão partidária chilena

Formada em dezembro de 1969, a coalizão denominada Unidade Popular (UP) surgiu de uma aliança entre o Partido Comunista, o Partido Socialista, dissidentes da Democracia Cristã (DC), o Partido Radical, o Partido de Esquerda Radical, a Ação Popular Independente e o Movimento de Ação Popular Unitária (MAPU), que propiciou a adesão de amplos setores populares e progressistas.

A UP chegou ao governo em 4 de novembro de 1970, com a eleição de Salvador Allende, que derrotou o candidato de centro Ramiro Tomic, concorrente pela DC, e Jorge Alessandri, representante da direita pelo Partido Nacional. Apesar da vitória, a UP conquistou apenas 34% dos votos e uma pequena diferença de 30 mil votos em relação ao segundo colocado, indicando futuros problemas para governar.

Seu programa visava à transição de acordo com os marcos institucionais ao socialismo, por meio da própria estrutura capitalista subdesenvolvida, a chamada “via chilena ao socialismo”. Nessa estratégia, o socialismo seria a decorrência da ampliação das liberdades políticas da democracia liberal, enquanto a ação estatal nacionalizaria as empresas monopolistas, criando um núcleo socializado na economia. Assim, as políticas aplicadas teriam um conteúdo antioligárquico, antimonopolista e anti-imperialista, que garantiria a emancipação popular, a autodeterminação e a soberania do povo chileno.

Todavia, essa forma de atingir o socialismo não era consensual, pois, nesse perío­do, uma parte importante da esquerda latino-americana estava muito influenciada pela Revolução Cubana e outras experiências de transição ao socialismo pela via armada.

Governo da UP

As principais iniciativas da UP foram: estatização de bancos e indústrias, nacionalização efetiva do cobre, intensificação de uma reforma agrária que enfrentava os latifúndios, políticas de redistribuição da renda e elevação dos salários reais, expansão das exportações e elevação dos gastos sociais, entre outras.

Essas políticas tiveram efeitos positivos para a população mais humilde, a ponto de reduzir o desemprego de 8,3% em 1970 para 3,6%, em 1972. Isso se refletiu na grande votação da UP nas eleições municipais. No entanto, à medida que geraram um aumento na demanda, essas medidas criaram uma pressão inflacionária. O governo introduziu o controle de preços para evitar a inflação, descontentando os empresários, que reagiram reduzindo os investimentos e desorganizando o setor de transportes e abastecimento, criando um mercado negro, o que afetou diretamente as classes médias e baixas. Consequentemente, a aliança entre as classes, baseada na economia e não no projeto político, desfazia-se, favorecendo a polarização social.

Paralelamente, no plano externo, a UP teve de enfrentar um bloqueio econômico promovido pelo governo dos Estados Unidos, que pressionou o governo chileno, dificultando o crédito e o comércio internacional. Para se ter uma dimensão desse bloqueio, a administração de Eduardo Frei Montalva, que foi um dos governos latino-americanos mais beneficiados pelo programa Aliança para o Progresso, recebeu cerca de US$ 1 bilhão, enquanto a ajuda financeira ao governo da UP foi quase inexistente. Somada à redução da ajuda, a desvalorização internacional do cobre também teve impacto negativo sobre as contas nacionais chilenas.

No plano legislativo, o Congresso bloqueava as iniciativas governamentais, incluindo leis orçamentárias, criando uma inflação descontrolada, provocando a troca constante de ministros e dificultando a nacionalização de empresas. O desfecho dessa crise ocorreu em dezembro de 1971, quando aconteceu a primeira manifestação de descontentamento conhecida como a Marcha das Panelas Vazias. Foi realizada por mulheres de bairros nobres, apoiadas por setores da classe média, demonstrando a perda de apoio à UP.

Em 1972, intensificaram-se os protestos, com a adesão de alguns trabalhadores de empresas privadas. Os partidos opositores dificultavam os trâmites no Congresso e voltavam-se para a mobilização social e a propaganda contra o governo. Havia ainda ações terroristas executadas pelo grupo de extrema direita Pátria e Liberdade e o apoio do governo ditatorial brasileiro e do norte-americano aos adversários de Allende. O último era dirigido pessoalmente por Henry Kissinger, por meio da CIA, que articulava e financiava grupos golpistas.

Todavia, o principal grupo opositor era de caráter corporativo-empresarial, conhecido como Movimento Gremialista. Afastando-se da direita partidária, fazia sua representação política por meio das Forças Armadas, que passaram a ser consideradas como a forma de eliminar totalmente a instabilidade na qual o país se encontrava.

Em reação aos ataques, o governo apoiou-se na institucionalidade política, que minava a possibilidade de construção de uma nova hegemonia formada pelas classes populares e perigosamente transferia a disputa política ao interior do Estado. Ademais, essa postura desagradou aos militantes da esquerda socialista e do Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR), que apresentavam propostas mais radicais. Os setores progressistas organizavam e animavam os trabalhadores rurais e urbanos; e a imprensa crítica, com destaque para a revista Punto Final, denunciava as maquinações golpistas da burguesia chilena e do imperialismo.

Radicalização

Nas eleições ao Congresso, em março de 1973, a direita esperava obter ampla maioria para conseguir o impeachment de Allende. No entanto, a campanha de desestabilização não impediu que o governo conseguisse 43% das cadeiras. Ou seja, a UP permaneceu minoritária, mas garantiu a permanência no poder.

Esse processo de radicalização culminou com um “ensaio” de golpe, em fins de junho de 1973. O golpe foi desarticulado no interior das Forças Armadas pelo general legalista Carlos Prats, mas evidenciou que a esquerda não estava preparada para uma contraofensiva.

O governo e Allende, conscientes dos riscos que corriam, tentaram uma nova manobra, que consistia na formação de um gabinete cívico e militar, já que os últimos, aparentemente neutros, tornaram-se “árbitros” na disputa de classes. A iniciativa não surtiu efeito, pois foi duramente criticada pela esquerda e favoreceu a convergência da direita, representada pelos segmentos mais conservadores da DC e pelo Partido Nacional. Além disso, proporcionou às Forças Armadas a oportunidade de se articular internamente, depurando os oficiais legalistas para dar sustentação ao golpe. Assim, antes mesmo do 11 de setembro, os militares foram ocupando posições e desarticulando as organizações populares.

Desse gabinete de Allende participou Augusto Pinochet, o que lhe garantiu acesso a informações estratégicas, como a proposta de convocação de um plebiscito que garantiria a transição institucional de forma pacífica. Os oficiais se adiantaram e deram o golpe no dia em que seria convocado o plebiscito.

O governo da UP terminaria tragicamente em 11 de setembro de 1973, com o bombardeio do Palácio La Moneda. Allende autorizou seus assessores a se retirarem, mas alguns permaneceram e combateram bravamente ao seu lado. Assim, o governo que tantas esperanças despertara na esquerda chilena e latino-americana foi derrubado por um golpe militar. A coalizão foi dissolvida posteriormente, pois os partidos adotaram linhas diferentes no combate à ditadura.

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