Mídia

A última década do século XX foi palco das mais profundas transformações no terreno da mídia, em pouco mais de cem anos. As redes de comunicação, anteriormente compreendidas em limites nacionais, passaram a compor um sistema transnacional, cujos centros irradiadores são os oligopólios midiáticos dos países ricos, em especial os dos Estados Unidos. Não é fenômeno diverso do que ocorre em outras esferas do capitalismo, como no mundo das finanças, do comércio ou da indústria, que se realizam cada vez mais em escala global.

O avanço tecnológico, combinado com as reformas de privatização, desregulamentação e enfraquecimento do poder estatal, nos países da periferia, abriu espaço para que as corporações midiáticas espalhassem seu poder acima dos limites geopolíticos, nas áreas de produção de conteúdo, distribuição e acesso. Os empreendimentos do setor exigem cada vez mais pesados investimentos de capital, impossíveis de serem realizados por empresas de âmbito nacional.

Para seguirem existindo, os grupos empresariais locais, na América Latina, buscam associar-se a grandes corporações mundiais, dando lugar a uma complexa teia de interesses multimidiáticos que pressiona governos a alterarem legislações, a fim de abrigar inéditas composições societárias e a abrir caminho para novas mídias. As precárias fiscalizações estatais não conseguem fazer frente a um setor que se modifica e se fortalece em períodos de tempo cada vez mais curtos.

Assim como a economia internacional não é apenas a soma das diversas economias nacionais, mas um sistema em si, o sistema midiático planetário também não é a adição de diversas redes nacionais, mas uma trama heterogênea, com hegemonias, contradições e tensões próprias.

O desenvolvimento das comunicações na América Latina só pode ser analisado sob essa ótica, tendo como pano de fundo a hegemonia norte-americana no continente. É possível também classificá-lo por quatro avanços tecnológicos fundamentais no último século e meio, a partir da segunda Revolução Industrial: a máquina de impressão rotativa, o rádio, a televisão e a tecnologia digital.

A máquina rotativa
A primeira dessas fases situa-se nos últimos decênios do século XIX. Um conjunto de inovações mais ou menos concomitantes mudou a maneira de se fazer jornal. Foram elas: o uso do telégrafo para a transmissão rápida de informações, o linotipo a quente para a composição de textos, a clicheria para a utilização de imagens, a zincografia como meio de impressão e a máquina rotativa como forma de reprodução em larga escala.

A Ministra Secretaria Geral do Governo chileno, Ena von Baer, participa da inauguração da Semana da Imprensa, na Praça da Constituição, em Santiago no Chile, em maio de 2011 (Ministerio Secretaria General de Gobierno del Chile)
Com essas mudanças, o jornal ficou mais ágil, mais atraente no aspecto gráfico, e o aumento das tiragens tornou o seu preço unitário mais acessível, em tempos de redução do analfabetismo e de melhoria dos padrões de renda.

Em contrapartida, essas novas características exigiram vultosos investimentos, o que tornou a atividade jornalística – antes iniciativa de pequenos grupos – um empreendimento capitalista de grande porte. Ou seja, a mídia tornou-se industrial.

O lançamento de um periódico, a partir de então, passa a necessitar de uma sólida estrutura financeira, algo não obrigatório nos tempos dos pasquins destinados a círculos restritos das elites, de vida efêmera e produção artesanal. Entre outras características, o período é marcado no Brasil pela fundação do Jornal do Brasil (1891) e de O Malho (1902, carro-chefe da editora de mesmo nome, que lançaria várias publicações para distintos públicos); no Chile, pela renovação de El Mercurio, de Santiago (existente desde 1827, em Valparaíso, adquirido por Agustín Edwards Ross na década de 1880 e relançado em Santiago em 1900); na Argentina, pelos La Nación e La Prensa (1869); e no México, por El Imparcial (1896). São publicações que crescem à sombra das oligarquias e se beneficiam de um fluxo financeiro tornado possível pelo avanço capitalista em direção ao sul do mundo.

O rádio
O segundo avanço técnico se deu com a chegada do rádio no início dos anos 1920. Mais do que qualquer outro meio, até então, o rádio cumpre uma tarefa integradora em países com população em grande parte vivendo na dispersão do meio rural. Os capitais necessários à sua implantação, por sua vez, só são possíveis pelo desenvolvimento econômico notadamente urbano, concretizado em investimentos estatais, ou lastreado em anunciantes de médio e grande porte a disputar mercados domésticos em expansão.

O rádio torna-se o primeiro veículo de comunicação realmente de massas, atingindo indistintamente públicos de elite e populações pobres, letradas e analfabetas, e inventando um novo discurso comunicativo. Aos poucos, ajuda a moldar a linguagem jornalística, tornando-a mais direta e popular, distanciando-a dos textos rebarbativos do início do século XX. As ideias têm de ter expressão rápida e clara, em busca de audiência e patrocínio.

As primeiras emissoras do continente estabeleceram-se na Argentina (1921), no Brasil (1922), no Chile (1922) e na Venezuela (1926). A compreensão exata do que representava o novo meio por parte do chamado “mercado”, no entanto, só se daria em inícios da década seguinte. Até lá, o rádio seria muito mais uma curiosidade do que um meio de comunicação com sólidos potenciais comerciais.

O traço fundamental da alteração do perfil dos negócios da mídia, delineado a partir dos anos 1930-1940 e concretizado após a Segunda Guerra Mundial, é a constituição de grupos empresariais de comunicação. Estes se caracterizam pela propriedade cruzada de vários meios, como revistas, jornais, emissoras de rádio e, posteriormente, a televisão. Exemplo maior na região são os Diários Associados – criados a partir do lançamento de O Jornal (1924), no Rio de Janeiro, do empresário brasileiro Assis Chateaubriand (1892-1968). Os Diários chegaram a compreender, nos anos 1960, 36 estações de rádio, 34 jornais, 18 canais de televisão e uma revista de circulação nacional, O Cruzeiro. Fundado em 1928, o semanário alcançou a tiragem de 720 mil exemplares e chegou a ter uma edição em espanhol para todo o continente.

A televisão 
O terceiro salto tecnológico se dá por volta de 1950, com o advento da televisão nos diversos países latino-americanos. Privilégio de poucos, em seus primórdios, em menos de uma década já era um fenômeno popular, atingindo regiões distantes das capitais, moldando hábitos, comportamentos e formando correntes de opinião. Seu potencial político e mercadológico mostrou-se quase ilimitado.

Quando a televisão chega à região, encontra à sua disposição a linguagem radiofônica. De certa maneira, o que se faz de início é um rádio com imagens. Os programas eram pobres pictoricamente, pois várias das atrações apresentadas acabaram transplantadas mecanicamente de um meio para outro.

Seu surgimento na América Latina se dá, nos maiores países, preferencialmente pelas mãos do Estado. Isso acontece na Argentina (1951), como parte da expansão dos meios de comunicação durante o governo de Juán Domingo Perón (1946-1955); no Chile (1959), por meio de universidades católicas; na Venezuela (1952), como parte do esforço de legitimação da ditadura do general Marcos Pérez Jiménez (1948-1958); e na Colômbia (1954), como peça do departamento de propaganda da ditadura do general Gustavo Rojas Pinilla (1953-1962).

No caso mexicano (1950) há uma particularidade. Seu desenvolvimento esteve estreitamente vinculado à trajetória do PRI (Partido Revolucionário Institucional), que governou o país por mais de setenta anos, e, por conseguinte, do Estado. Tanto o consórcio Televisa como seu predecessor, o Telesistema Mexicano (1955), cresceram à sombra do sistema unipartidário. Como consequência, o país teve um sistema televisivo único, quase sem concorrentes viáveis, apesar da existência de inúmeras emissoras regionais. Houve, durante décadas, uma clara aliança entre o governo e os empresários da Televisa.

No Brasil (1950), embora o meio tenha chegado através de um grupo privado, os Diários Associados, a história da televisão é a história de como poderosos grupos políticos e econômicos criaram, à sombra do Estado, uma teia de serviços de comunicação na qual se cruzavam meios escritos, radiofônicos e televisionados. A primeira emissora do continente foi a TV Tupi, de São Paulo.

Todos esses países apresentavam escassa industrialização, eram primário-exportadores e – à exceção de Argentina e Chile – tinham a maioria de suas populações vivendo no meio rural. A televisão é, em todos eles, uma espécie de passaporte para a modernidade. No entanto, a maioria do empresariado ainda via no veículo pouco mais que uma brincadeira científica ou atração circense. O próprio meio publicitário ainda duvidava de sua eficácia.

A década de 1950 assiste, de forma desigual em cada região, a um crescimento lento do meio televisivo. Como limitadores havia o alto preço dos receptores e o pequeno alcance das emissões, geralmente restritas aos grandes centros. O surgimento do videoteipe, que chegaria ao Brasil em meados dos anos 1960, permitiu a reprodução de programas em áreas afastadas, ao mesmo tempo em que surgiam paulatinamente emissoras regionais, a maioria delas impulsionada pela iniciativa privada.

Há ainda um entrave crônico ao pleno desenvolvimento do novo veículo: a carência de capitais. No início dos anos 1960, uma realidade começa a se impor e um novo pé, além do Estado, aparece para sustentar o empreendimento: o capital externo, em especial oriundo dos Estados Unidos.

Representantes das redes estadunidenses ABC (American Broadcasting Company), NBC (National Broadcasting Company), CBS (Columbia Broadcasting Company) e Time-Life Broadcast Station percorrem o continente, oferecendo parcerias. Os aportes de capital não são a única interferência. Com eles, chega também boa parte da programação estadunidense para televisão, cinema e publicidade, além de vasta gama de produtos industriais. Ou seja, a modernização e a urbanização latino-americanas se dão não só em aliança com a televisão, mas conjuntamente à absorção de padrões culturais do norte.

Um exemplo das associações com parceiros de fora se dá na Venezuela. Em 1961 surge a Venevisión, Canal 4, com apoio da rede estadunidense ABC, que detinha 42,95% do capital, além da Pepsi-Cola Internacional. Dados da época dão conta de que 80% do capital pertenciam a investidores estrangeiros, enquanto os grupos empresariais locais, como a Cerveja Polar, a Philco, a Publicidad Vepaco e o empresário de origem cubana Diego Cisneros, detinham o controle das demais partes. Era o início de um império, que deslancharia com a saída dos estrangeiros, anos depois.

O caso mais eloquente desse tipo de sociedade se daria no Brasil. Aproveitando-se da abertura de um mercado que se expandia, o grupo Time-Life (hoje Time-Warner) chega ao país em 1962 e associa-se ao grupo Globo, do empresário Roberto Marinho (1904-2003), à época possuidora de um jornal diário, três emissoras de rádio e uma editora de revistas. Até 1966, a Time-Life investiu cerca de US$ 6 milhões, em valores da época, na TV Globo, que iniciaria suas emissões no ano anterior. O aporte de capital em tal montante desequilibrou o mercado televisivo e estabeleceu uma disputa desigual no setor, além de desrespeitar a norma constitucional que vedava a entrada de sócios não brasileiros em empresas de comunicação. Vale lembrar que, em muitos países, como subproduto da fase de substituição de importações e do nacional-desenvolvimentismo, as legislações impunham restrições à entrada de capital externo nas comunicações.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito tentou investigar o negócio e recomendou a cassação da concessão, em 1966. Era tarde. Àquela altura, Roberto Marinho, com a empresa a pleno gás, desfez a aliança e legalizou a situação. A Globo já contava com um patrimônio e um empurrão do governo militar para paulatinamente assumir a liderança na audiência, na captação de receita publicitária e na produção de programas. A emissora e suas afiliadas tornaram-se uma espécie de porta-voz não oficial da ditadura, apoiando seu chamado “milagre econômico”, no início dos anos 1970, a fase mais repressiva do regime.

O monopólio da Globo nunca foi seriamente ameaçado pelas outras redes. Sua capacidade de adaptação ao governante de turno é tamanha que, em poucos meses, mudou o irrestrito apoio que dedicava ao regime militar – ignorando a maior mobilização de massas da história do país, a campanha por eleições presidenciais diretas, em 1984 – para a defesa do primeiro governo civil pós-ditadura, liderado por José Sarney. Neste, a Globo conseguiu influir na nomeação de um dos proprietários de uma afiliada sua, o senador baiano Antonio Carlos Magalhães, como ministro das Comunicações.

Na Argentina, ao contrário do que ocorreu no Brasil, a legislação impedia que uma mesma pessoa ou grupo fossem proprietários de diferentes meios – como jornais, rádios e televisões – simultaneamente e em uma mesma região. Por esse motivo, até os anos 1970 ali não ocorreu a formação de cadeias multimidiáticas nas proporções da Rede Globo, no Brasil; da Venevisión, na Venezuela; e da Televisa, no México. A lei argentina também proibia a formação de redes, o que possibilitou o surgimento de inúmeros canais independentes, de propriedade de oligarquias regionais.

Até o final da década de 1960, a maioria dos capitais externos sai das emissoras da Argentina, do Brasil, do Peru e da Venezuela. Se de um lado tal fato reduz sensivelmente os orçamentos das emissoras, de outro isso ocorre quando os empreendimentos já andam com as próprias pernas. Entre as causas dessa saída estava a rentabilidade maior do mercado dos EUA, num tempo em que começava a chegar no país a TV a cabo e por satélite.

Mesmo assim, há nos países maiores o amadurecimento de um ambiente publicitário profissionalizado, formado na esteira da industrialização, da urbanização e na ampliação do mercado interno. A chegada de poderosas empresas estrangeiras como Colgate-Palmolive, Ford, Johnson&Johnson, entre outras, propicia a expansão de agências publicitárias. A essa altura já se havia consolidado também o papel das agências de notícias, como a Associated Press e a United Press atuando como fornecedoras de informação aos meios locais.

Televisão e urbanização 
Elitizada de início, a televisão logo aprofunda a característica radiofônica de meio de comunicação de massas. Sua história, na maioria dos países, coincide com o período de maior migração interna de populações do campo para a cidade e com a fase mais dinâmica do ciclo de substituição de importações na economia. É também a etapa de desenvolvimento mais acelerado que a região já conheceu, com Brasil e México deixando de ser países agrários para tornarem-se sociedades industriais modernas, nas quais a maior parte de sua população passa a viver em cidades. O fenômeno na Argentina é anterior. O censo de 1914 já apontava que 53% dos habitantes estavam em meios urbanos. Mas, ainda assim, o país seguiu por um bom tempo como fornecedor de produtos agrícolas para o mercado externo.

É possível traçar uma relação direta entre a proliferação dos meios de comunicação com o processo de urbanização no continente. A imprensa só começa a se tornar um produto de larga difusão a partir da existência de um público letrado e com um poder aquisitivo maior. No início do século XX, em que pesem as diferenças regionais, cerca de 25% da população latino-americana vivia em cidades de mais de 2 mil habitantes. Cem anos depois, a cifra se inverteu e 75% dos habitantes do continente estão em meios urbanos. A tabela abaixo mostra a migração campo-cidade em seis países latino-americanos, a partir do ano do advento da televisão. 

América Latina: porcentagem 
da população urbana (1950-1990)

1950

1960

1970

1980

1990

Argentina

62,5

73,8

79,0

83,0

87,3

Brasil

36,5

43,0

55,9

67,6

78,4

Chile

60,7

68,2

75,1

82,2

83,5

Colômbia

42,7

52,1

59,1

67,2

71,0

México

42,6

50,7

58,7

66,3

71,3

Venezuela

53,7

67,4

77,2

84,0

84,4

Fonte: base de dados Depualc-CEPAL, 2000. Boletim Demográfico , n. 56 e n. 63.

 

Embora a Argentina chegue à primeira metade do século passado como o país mais urbanizado, seguida pelo Chile, a maior movimentação humana – tanto em termos absolutos quanto relativos – se dá no Brasil. Em 1950, pouco mais de um terço de sua população vivia fora das zonas rurais. Cinco décadas depois, essa porcentagem alcança quatro quintos do total.

As emissoras, nos primeiros anos, concentravam-se no eixo mais dinâmico da atividade econômica, compreendido entre Rio de Janeiro, então a capital federal, e São Paulo.

Na prática, a televisão funcionou como um dos elementos ordenadores tanto da industrialização quanto da urbanização e da integração nacional brasileiras, aceleradas no final da década de 1950 por um empuxo desenvolvimentista empreendido pelo governo Juscelino Kubitschek.

O meio passa a ser, também, o grande organizador coletivo e agente de integração social nas décadas que se seguem, em vários países. Como o rádio, é um dos poucos traços de união entre pobres e ricos, velhos e jovens, cultos e ignorantes, homens e mulheres. Busca a integração cultural, linguística, de sotaques e de visões de mundo. Através das telenovelas, derivadas das radionovelas que comoveram multidões nos anos anteriores, de programas de auditório e de telejornais, um padrão de vida urbana e de classe média, com hábitos de consumo inacessíveis para as maiorias, difundiu-se por todas as sociedades. Até o advento da TV paga, sua modalidade aberta era vista como uma espécie de espaço público, no qual o público era o espectador passivo.

A partir dos anos 1970 e, em especial, da década seguinte, essa população que acorre às cidades, sem referências culturais e afetivas em um meio agressivo, desordenado e que a aloja em periferias inchadas, sem infraestrutura e carente de instâncias de sociabilização, passa a ter na televisão sua ligação emocional mais forte com o novo ambiente.

O barateamento dos aparelhos possibilita uma democratização no acesso à TV, enquanto ocorre a expansão da cobertura geográfica por parte das emissoras.

Potencializadas por transmissões via satélite, o meio audiovisual doméstico chega à década de 1980 cobrindo praticamente a totalidade do território latino-americano.Com isso, a televisão apresenta-se com enorme poder político e baliza os rumos da indústria cultural no continente. Desde meados da década de 1960, a maior parte da receita publicitária desloca-se do rádio e dos meios impressos para a televisão.

A telenovela 
É possivelmente a atração de maior apelo popular, juntamente com a programação esportiva. Derivada da radionovela, acabou por se tornar a peça mais característica da televisão latino-americana, em especial no Brasil, no México, na Argentina, na Colômbia e na Venezuela. O sucesso de tais produções impulsionou não apenas a renovação da linguagem dramática, mas também a aquisição de novos equipamentos e estúdios.

Na Rede Globo, em geral há três diferentes tramas exibidas diariamente, em seis dias da semana. Apresentando uma qualidade superior, tanto técnica quanto dramática, em relação às suas congêneres latino-americanas, as novelas da Globo são vendidas para mais de 70 países desde a década de 1970. No início dos anos 1990, a televisão argentina também se tornou uma exportadora de teledramaturgia para vários países da região, chegando a comercializar suas atrações para a Europa. O empresário e líder político italiano Silvio Berlusconi resolve, a partir daí, estender seus negócios para o país. Pouco depois, a Televisa mexicana resolveu ampliar seus investimentos no continente, alcançando Peru, Bolívia, Chile e Argentina.

O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, inaugura o LabHacker, um espaço para programadores desenvolverem aplicações que facilitem a divulgação de dados legislativos e aumente a transparência do trabalho parlamentar, em Brasília, no Brasil, em fevereiro de 2014 (Lúcio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados)

A tecnologia digital 
O quarto marco do desenvolvimento das comunicações na América Latina se dá no início dos anos 1990, com avanços no terreno da tecnologia digital e da informática. O salto se concretiza em diversas modalidades, como a televisão digital, as transmissões por cabo e via satélite, a telefonia móvel, a internet etc. Ao mesmo tempo em que se diversifica, a mídia se internacionaliza. Investimentos, desenvolvimento tecnológico e estratégias de crescimento passam a ter escala planetária, formando um mercado cada vez menos competitivo, tendendo à uniformidade de conteúdos e marcado por intensa concentração de capitais, por meio de fusões e aquisições.

Quando um filme ou uma música de país periférico obtém grande acolhida popular doméstica, pode-se internacionalizar a produção, ou a distribuição, tornando o conteúdo mais palatável, de modo a se ganhar em escala. A estética cinematográfica e os ritmos musicais podem ser moldados a uma uniformidade pretensamente sem fronteiras. Assim, o que era uma característica local pode ser compreendida por públicos de diferentes países, tendendo a homogeneizar a estética e os gostos de diferentes partes do mundo.

Essa tendência, que costuma ser chamada de “pasteurização”, atinge praticamente todas as modalidades de mídias. Publicações impressas radicalizam seu comportamento mercadológico, buscando atrair anúncios a qualquer custo e se dobrando a tendências e metas traçadas por institutos de pesquisa. Sem vender explicitamente espaço editorial ou reportagens, revistas e jornais promovem quase uma simbiose entre o conteúdo jornalístico e o publicitário, criando uma nova modalidade do que se convencionou chamar de jornalismo de “serviço” ou de “comportamento”.

Exemplo disso são reportagens sobre consumo adolescente, gostos de frequentadores de shoppings centers e de academias de ginástica, negócios ligados à beleza e à estética pessoal, as engenhocas da moda (celulares, computadores pessoais, câmeras digitais etc.), além de uma febre de assuntos sobre saúde. Espaços dedicados a tais temas são secundados por vastos anúncios publicitários, oferecendo produtos correlatos. A evolução máxima dessa tendência é o sonho da TV interativa, na qual toda a parafernália de objetos em cenas de filmes, programas ou novelas – de roupas a casas – possa ser comprada on-line pelo espectador.

Nos meios eletrônicos, as grades de programação obedecem à mesma lógica, sendo elaboradas, muitas vezes, no interior de agências de propaganda e marketing. Nos últimos anos, a programação televisiva também tende a se uniformizar internacionalmente, através da espetacularização dos noticiários, exaltação da violência, talk shows e reality shows (os difundidíssimos Big Brothers), com predomínio de pesquisas de opinião a direcionar a grade de programas.

Cabo 
A primeira das novas tecnologias a propiciar o investimento externo direto nas empresas da região é a TV a cabo. Ela chega em épocas distintas, que vão do México (1957) ao Brasil (1990). É na última fase que o capital globalizado, especialmente através de operadoras estadunidenses, alcança os países latino-americanos. As grandes empresas regionais apressam-se em articular-se com as gigantes do setor (DirecTV, Sky e Telmex), mudando legislações nacionais de modo a permitir associações e joint ventures.

 A Argentina é o país latino-americano em que a TV a cabo tem um desenvolvimento mais acelerado e amplo. É o quarto mais cabeado do mundo, em porcentagem, depois de Canadá, Alemanha e Estados Unidos. A modalidade de transmissão e recepção chegou ao país ainda na década de 1960. Em 1994, a legislação é modificada, durante o governo Carlos Menem (1989-1999), para possibilitar a entrada de capitais estrangeiros.

Alternativos
Os países do continente também possuem, de maneira desigual, um crescente movimento de rádios e TVs comunitárias, que se difunde através do barateamento e avanços técnicos em cada área. Com a difusão de equipamentos de vídeo, no início dos anos 1980, o segmento alternativo conheceu razoável expansão no Brasil e no México, na esteira do aumento dos movimentos de mobilização popular.

 No Brasil há centenas de emissoras comunitárias de TV e de rádio. No entanto, centenas dessas pequenas emissoras têm sido fechadas de modo violento pela Polícia Federal. Nessas ações, equipamentos são confiscados e radialistas presos, muitas vezes de modo ilegal. Há uma legislação regulamentando as rádios comunitárias, mas suas lacunas acabam por facilitar ações repressivas.

Internet
A grande rede chegou à América Latina e a outros países do mundo quase simultaneamente, na segunda metade da década de 1980, geralmente como iniciativas acadêmicas em universidades. A partir de 1995 começa a difusão comercial. A expansão da internet aconteceu na onda das privatizações das empresas de telefonia, com os maiores grupos de mídia e de telecomunicações investindo de forma agressiva no setor, tendo a frente o Grupo Folha e o Grupo Telefónica na região.

O crescimento da rede mundial de computadores gera uma contradição em seu interior, que é a proliferação de portais, sítios e blogs alternativos nas áreas de informação, opinião, cultura, esportes, pornografia, entre outros assuntos. É bem possível que as mobilizações antiglobalização realizadas a partir de Seattle, em 1997 – passando pela realização dos vários Fóruns Sociais Mundiais, até alcançar os protestos da Primavera Árabe (2010), dos indignados espanhóis (2011), das rebeliões gregas (2011-14) e das jornadas de junho de 2013 no Brasil – não seriam possíveis sem a utilização da internet em todo seu potencial.

Concentração de capital
As quatro etapas históricas da mídia tiveram pelo menos dois traços comuns: exigiram pesados investimentos financeiros e se deram através de acelerada concentração de capitais. E cada uma delas deixou para trás formas de organização empresariais e econômicas menos complexas. O século XX começa com grupos capitalistas fundando jornais e editoras e termina com gigantes transnacionais enfeixando uma vasta gama de setores de comunicação. Panorama semelhante se manifestou em outras partes do mundo.

Além do agudo adensamento vertical, o último período assiste, como nunca na história, ao entrelaçamento na propriedade de diferentes meios por um mesmo grupo, que vão da área editorial impressa, passando pelas indústrias fonográfica, cinematográfica, de telefonia, internet e institutos de pesquisa, até chegar à televisão e ao rádio, em uma abrangência de escala planetária.

Isso tem exigido mudanças nas regras legais para o setor. Até mesmo nos Estados Unidos, o FCC (Federal Communications Commission) tem sido pressionado a relaxar limitações à possibilidade da existência de propriedades cruzadas – isto é, uma mesma empresa ter canais de TV, rádios, jornais etc. em uma mesma base territorial ao mesmo tempo – para atender as corporações transnacionais. 

Mídia e poder
Os meios de comunicação ligados às classes dominantes sempre souberam exercer plenamente o poder de que dispõem. Embora a mídia impressa tenha enorme capacidade de persuasão, a televisão tornou-se quase imbatível nessa tarefa. Ela chega a lugares onde nem mesmo o próprio Estado – escolas, atendimento de saúde, exército etc. – consegue alcançar. Tornou-se praticamente o único contato externo que vastos setores da população conseguem ter. São instrumentos de mobilização, de formação de correntes de opinião e atuam em favor de determinados interesses, o que os coloca, muitas vezes, exercendo o papel de verdadeiros partidos políticos.

A América Latina é pródiga no uso político da imprensa. Há pelo menos três casos emblemáticos de como a mídia foi decisiva na precipitação de acontecimentos no Brasil, em 1964: no Chile, em 1973; e na Venezuela, em 2002.

Brasil, 1964
Na primeira metade dos anos 1960, o jornal e o rádio eram os grandes focos de difusão de informações e de opinião no Brasil. Procurando guiar o rumos dos acontecimentos numa conjuntura turbulenta, em plena Guerra Fria, com notável ascensão de um movimento popular fortemente influenciado por duas correntes de esquerda, o trabalhismo e o comunismo, a imprensa, a partir do segundo semestre de 1963, passa a verbalizar a necessidade de uma ruptura nas instituições democráticas, alardeando um suposto clima de caos reinante. Editoriais e reportagens de diversos veículos – com destaque para os jornais O Globo, O Estado de S. Paulo, Correio da Manhã e Jornal do Brasil – agindo em uníssono atacam pesadamente as reformas pretendidas pelo presidente João Goulart (1961-1964), preparando sua derrocada.

Em 1962, formara-se a Frente Patriótica Civil e Militar, centrada em um lobby anticomunista que incluía o governador carioca e jornalista Carlos Lacerda, vários chefes militares e o proprietário do jornal O Estado de S. Paulo, Julio de Mesquita Filho. Duas entidades, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) articulavam empresários, intelectuais e jornalistas para a produção de análises e artigos para a imprensa e recolhiam fundos para a conspiração. Quando o governo Goulart é deposto, com o beneplácito do governo norte-americano, a mídia exulta. Fora pedra angular em sua queda.

O golpe altera a institucionalidade, instala uma ditadura militar e busca mudar a inserção internacional do país. Ao priorizar a entrada de capital estrangeiro como motor do desenvolvimento, o ciclo militar também possibilitou novas bases para os negócios ligados à imprensa, em especial à televisão.

Chile, 1973 
A atuação das grandes empresas de comunicação foi também decisiva para acabar com a mais antiga democracia do continente, a chilena, em 11 de setembro de 1973, no golpe que derrubou Salvador Allende e levou o general Augusto Pinochet ao poder.

Na época, Augustín Edwards, o maior empresário de comunicações e a maior fortuna do Chile, liderou a investida contra o governo. Seu império tinha como carro-chefe El Mercurio, o mais importante jornal do país e um dos mais antigos da América Latina.

Bem articulado internacionalmente, Edwards buscou granjear apoios no governo norte-americano – com o secretário de Estado Henry Kissinger, o diretor da CIA Richard Helms e com o próprio presidente Richard Nixon – em sua cruzada contra a Unidade Popular, coalizão de esquerda que elegera Allende. Edwards teria recebido US$ 2 milhões (cerca de US$ 9 milhões em 2005) para desfechar ataques pesados ao governo. Outros 53 jornais e 98 rádios ecoam a campanha, somando 64% dos meios de comunicação do país.

Protesto de estudantes frente à reitoria da Universidade Católica do Chile, em Santiago, na faixa se lê: “Chileno, 44 anos depois, El Mercurio ainda mente”, em junho de 2011 (Warko/Wikimedia Commons)

De acordo com o pesquisador estadunidense Peter Kornblush, desde 1975 está provado que, além de financiar o El Mercurio, a CIA colocou editores e repórteres em sua folha de pagamento. Além disso, transformou o jornal, conforme revelou uma comissão especial do Congresso dos EUA, “no mais importante canal da propaganda anti Allende”.

Em 1970, o El Mercurio atravessava uma série crise financeira. O dinheiro da CIA foi providencial para sua recuperação. Quando a situação tornou-se mais tensa e o governo buscou se defender legalmente dos ataques, Edwards – em comum acordo com o governo Nixon – passou a brandir o espectro de ameaças à liberdade de imprensa no país.

Ao longo dos 17 anos de ditadura pinochetista, o El Mercurio funcionou como o principal divulgador dos feitos do regime, ao mesmo tempo em que não abria espaço para denúncias de violações de direitos humanos.

O casamento de interesses, ao que parece, não foi em vão. Três décadas depois, o Grupo Edwards tornou-se o maior conglomerado de mídia chileno. Embora tanto no Brasil quanto no Chile – além de outros países – a imprensa tenha sofrido censura, os grandes meios não tiveram seus negócios significativamente prejudicados. A censura voltou-se especialmente contra a imprensa popular. Em abril de 2015, o Colégio de Jornalistas do Chile decidiu expulsar Edwards, 87 anos, de seus quadros por sua colaboração com a CIA e com o golpe.

Venezuela, 2002 
A Venezuela é o país onde o poder dos grandes grupos privados de mídia têm sofrido sucessivas derrotas, após patrocinarem – juntamente com a Casa Branca e o grande empresariado local e internacional – o malogrado golpe de Estado de abril de 2002 contra o então presidente Hugo Chávez.

Os principais órgãos privados são os canais de televisão Globovisión, Televen, RCTV e Venvisión e os jornais El Nacional, El Universal e Tal Cual.

O grande embate chegou ao seu ponto alto entre os dias 11 e 13 de abril de 2002, época do pronunciamento midiático-militar que depôs por algumas horas o presidente Chávez.

Em 11 de abril, as quatro emissoras privadas tiraram suas programações regulares do ar, convocando insistentemente a população para as marchas de protesto da oposição de direita. “Nem um passo atrás” era o bordão repetido por todas elas durante flashes ao vivo das ruas de Caracas. Naquela noite, sitiado por um implacável cerco de desinformação e sob ameaça de bombardeio militar, Chávez deixa o palácio de governo como um mandatário deposto.

No dia seguinte, em meio à previsível exaltação, todas as emissoras privadas de TV esmeram-se na cobertura da posse do líder do golpe, o empresário Pedro Carmona, como presidente da República. Entretanto, a partir da tarde de sábado de 13 de abril, quando multidões tomam as ruas para exigir a volta de Hugo Chávez e a maioria das forças armadas se coloca contra os golpistas, as TVs silenciam. Colocam no ar desenhos animados de Tom e Jerry e o filme Pretty Woman, com Richard Gere e Julia Roberts. Nada sobre o que acontecia nas ruas.

Houve, no entanto, uma voz dissonante no ar. Foi a rádio Fe y Alegria, ligada à Igreja Católica. Localizada em Petare, bairro popular da periferia leste de Caracas, a emissora possui poucos recursos técnicos e humanos. Com contatos em diversas regiões e informações das agências internacionais, a Fe y Alegria rompeu o bloqueio e acabou servindo como uma das poucas fontes confiáveis de informação naqueles dias.

Em uma reviravolta impressionante, as pressões populares e militares expulsam os golpistas do palácio e permitem a volta de Chávez ao poder. Derrotado o golpe, o cabo de guerra entre governo e meios continua.

Por seu lado, o presidente Hugo Chávez (1954-2013) valia-se do meio televisivo como poucos. Percebendo, desde o início de seu governo, em 1999, que não contaria com a boa vontade das emissoras privadas, decidiu criar um espaço semanal no Canal 8 (criado em 1974), estatal, para se manifestar. Assim surgiu o programa Alô, presidente.

Com uma duração média superior a quatro horas de transmissão ininterrupta ao vivo, o programa se dividia normalmente em (1) prestação de contas da agenda presidencial da semana anterior; (2) anúncio de novas medidas; (3) propaganda e informação detalhada das iniciativas do governo, geralmente com a participação de ministros e quadros técnicos com a indicação de como a população poderia acessá-las; (4) contatos telefônicos diretos com a população e (5) variedades, como sugestões de livros para leitura, divulgação de iniciativas de diversos tipos de entidades e movimentos sociais, discussão de temas polêmicos de interesse nacional e internacional. O programa era transmitido sempre de diferentes locais do país, desde uma escola situada em uma pequena localidade a um museu militar ou de uma grande favela de Caracas.

A globalização midiática 
O avanço sem limites dos oligopólios privados da mídia na região tem gerado, entre outras ações, uma consequência danosa ao Estado. As emissoras de rádio e televisão públicas vão sendo sistematicamente dilapidadas por meio de cortes orçamentários, redução de pessoal e obsolescência material.

A exceção do sucateamento da área pública de telecomunicações se dá na Venezuela e na Argentina, especialmente. Incentivando na melhoria de duas emissoras públicas locais, o governo local investe também em uma rede latino-americana, a Telesur.

De acordo com a revista Forbes (2014), o mercado de comunicação é dominado basicamente por dez gigantes dos EUA: Comcast, Disney, Fox, Time Warner, DirecTV, WPP, CBS, Viacom e Dish Networks.

A maior parte dos estúdios de Hollywood e das redes de TV a cabo é controlada por essas empresas, que potencializam ao máximo o uso de cada modalidade em que atuam, interferindo até mesmo na produção local dos países onde têm subsidiárias.

Os gigantescos conglomerados de comunicação chegaram à América Latina com o caminho facilitado pela privatização das empresas de telecomunicações, com o avanço tecnológico e com a abertura para a livre movimentação de capitais. O Grupo Telefónica (Espanha), o banco JP Morgan e o grupo Prime TV (Austrália) são alguns dos gigantes que operam em diversas modalidades da área – televisão, telefonia, internet –, internacionalizando e uniformizando a programação.

A necessidade de grandes investimentos para fazer frente à tecnologia de ponta faz com que apenas os grandes conglomerados internacionais tenham capacidade e escala adequada para enfrentar o mercado. Embora a difusão da mídia impressa ainda continue limitada a marcos nacionais, a televisão, a passos largos, deixa de se constituir em empreendimento de apenas um país, especialmente na América Latina. Começando pelos canais a cabo e chegando até mesmo à TV aberta, cada vez mais o meio se internacionaliza.

O Ministro equatoriano Ricardo Patiño é entrevistado através de Twitcam, na Telesur em Caracas, na Venezuela, em agosto de 2013 (Fernanda LeMarie/Cancillería del Ecuador)

Concorrência
As maiores empresas do continente, como a Globo, no Brasil, a Televisa, no México, o Grupo Cisneros, na Venezuela, além de redes mais restritas, como o Grupo Clarín, na Argentina, e o Grupo Edwards, no Chile, virtuais monopolistas em seus países, não têm porte para enfrentar as megacorporações globais e tentam se tornar potências regionais. Começando pela venda de conteúdo, como as telenovelas, a partir dos anos 1970, tais empresas passaram, três décadas depois, a negociar parcerias de todo tipo entre congêneres dos países vizinhos, com o objetivo de fechar associações e joint ventures em condições mais vantajosas com as maiores do mundo. Juntas, pressionam governos e parlamentos pela alteração das legislações restritivas à entrada de capital estrangeiro no setor.

O período (anos 1990) marca também o fim de uma relação entre poder de Estado e oligarquias midiáticas – geralmente grupos familiares – criadas em relação quase simbiótica com governantes de turno. A chegada do neoliberalismo não acabou com essa relação, mas alterou sua qualidade e a titularidade de parte das empresas. Em um movimento – que depois se percebeu suicida – os proprietários fizeram de seus meios de comunicação os principais propagandistas das teses sobre a privatização e a liberalização financeira, antevendo possibilidades até então inéditas de associação com o capital externo em um ambiente extremado de livre-mercado. Avaliaram que permaneceriam na direção do processo. Não foi o que aconteceu.

Um caso paradigmático é o do tradicional jornal brasileiro O Estado de S. Paulo, fundado em 1875. Endividada, a empresa que contempla ainda uma rádio, uma gráfica e uma agência de notícias, foi obrigada a reestruturar-se em 2003. A família Mesquita, que controlava o grupo desde 1891, afastou-se do comando geral, que passou a ser gerido por representantes de um consórcio de bancos credores.

Mais do que nunca, a informação passou a ser mercadoria. A disputa por mercados tem levado, após a investida mais agressiva dos conglomerados no continente, ao longo dos anos 1990, a uma certa estabilidade na disputa de espaço. No entanto, o panorama pode se alterar “por dentro”, com fusões e aquisições nos países centrais e mudanças no perfil societário das empresas, que transformam concorrentes momentâneos em braços de um mesmo empreendimento global. Encontrar poros nessa gigantesca teia buscando afirmar o direito à informação e construir alternativas são as únicas maneiras de escapar da ditadura midiática planetária.

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A sede do jornal O Estado de São Paulo, em São Paulo, no Brasil (Luis Dantas/Wikimedia Commons)

Regulação e disputa política
Na última década e meia, a elaboração de novas legislações para os meios de comunicação em alguns países do continente tornou-se motivo para sérios enfrentamentos políticos. Isso aconteceu especialmente na Venezuela, na Argentina, no Equador, na Bolívia e no Uruguai. As empresas de mídia tradicionais, por lidarem com difusão de ideias, valores e abordagens subjetivas, alegam ser pretensão dos que advogam a criação de novas normas, implantar a censura e o cerceamento à livre circulação de ideias. Os defensores das mudanças afirmam o contrário. Dizem que o setor é monopolizado e que um novo pacto legal teria por base a defesa de um pluralismo de opiniões.

Como pano de fundo, uma série de progressos técnicos tornou obsoletas as políticas públicas de comunicação estabelecidas há mais de cinco décadas.

As primeiras legislações sobre meios de comunicação no continente foram criadas no período do nacional-desenvolvimentismo, entre os anos 1930 e 1960, tendo como marca inspiradora a estratégia de substituição de importações. Seus pressupostos básicos eram a definição do espectro radioelétrico como espaço público (que funcionaria em regime de concessão à iniciativa privada) e a não permissão para que estrangeiros fossem proprietários de empresas ou meios.

As políticas de abertura das economias, privatizações e enfraquecimento dos poderes de fiscalização e regulação do poder público nos anos 1980 e 1990 resultaram em várias situações de hiatos legais. A constituição de agências reguladoras, de composição tripartite – Estado, empresas e sociedade civil –, em alguns casos, deixou as sociedades a mercê de oscilações e da volatilidade dos mercados.

Tecnologia e economia 
O processo de internacionalização das empresas de comunicação na América Latina obedece a pelo menos duas dinâmicas, uma tecnológica e outra econômica e política. 

A primeira delas, a tecnológica, refere-se ao grande salto realizado pela microeletrônica nos últimos quarenta anos e que poderia ser sintetizado pela convergência digital, observada a partir da segunda metade dos anos 1980. Telefonia, televisão, rádio, transmissão de dados, cinema e música passaram a confluir e a se apoiar cada vez mais em plataformas comuns. No âmbito legal, isso fez com que lógicas balizadoras nas décadas anteriores, que tratam separadamente dessas mídias, ficassem obsoletas.

As empresas de telefonia, por exemplo, que nos anos 1990 tinham a seu cargo apenas a comunicação de voz à distância, consolidaram-se, duas décadas depois, como os maiores provedores de internet da região e apresentam um poder econômico e cultural dificilmente igualado por qualquer rede de TV tradicional.

A privatização das teles abriu uma caixa de Pandora. Foram vendidos monopólios de telefonia do Estado. É possível que os governantes que patrocinaram tais ações não vislumbrassem estar às portas de uma reviravolta tecnológica. Pelas leis em vigor, as teles não são classificáveis como empresas produtoras de conteúdo informacional.

Como conviver com leis que impedem a participação de estrangeiros em grupos de mídia se tais empresas estão não apenas no mercado de internet, mas no de televisão, de radiofonia e de produção de conteúdos? Como submeter tais empresas às jurisdições nacionais?

A segunda variável dessa equação tem contornos na dinâmica da economia e da política. A abertura dos países do sul do mundo à globalização, através dos pontos definidos pelo Consenso de Washington (1989), acarretou ampliação da liberdade de circulação de capitais, incremento de investimentos em carteira, compra de empresas, joint ventures e fusões de toda ordem.

Ativos negociados nas grandes bolsas internacionais mudam rapidamente de mãos e sociedades são feitas e desfeitas com a rapidez de um impulso eletrônico. Acionistas majoritários tornam-se minoritários da noite para o dia. Na lógica dos negócios, não haveria razões para que empresas de comunicação seguissem senda diversa.

Desterritorialização empresarial
Outra novidade com a chegada da tecnologia digital e das redes virtuais é a desterritorialização das empresas de comunicação. Até a virada dos anos 1980 e 1990, as companhias tinham de estar sediadas no país em que operavam. Não se tratava apenas de uma exigência legal. Toda uma teia de negócios, especialmente aqueles ligados à publicidade e ao financiamento dos meios, estava ancorada em fronteiras definidas.

Agora, um provedor de internet, um sítio, portal ou uma emissora de TV a cabo podem emitir conteúdo de qualquer parte do globo para qualquer país, sem necessidade de antenas transmissoras ou equipamentos sofisticados.  

Como os provedores não estão enquadrados nas antigas normas legais, suas atrações podem ser produzidas em qualquer parte do mundo. Ao mesmo tempo, como as empresas globais possuem representações também em cada país, uma complicada cadeia de brechas nas antigas regulações foi aproveitada para legalizar as novas firmas.

As novas leis
Na Venezuela (2000), na Argentina (2009) e na Bolívia (2011) foram aprovadas normas para regulamentar a atividade de comunicação. No Equador, em dezembro de 2011, a Assembleia Nacional discutia novas regras para o setor. O México possui uma legislação aprovada em 1995, que não impõe restrições ao capital externo. O Uruguai aprovou novo texto legal no final de 2014. No Brasil, o debate sobre uma nova legislação faz parte da demanda de diversos setores sociais, mas não chegou a integrar a agenda governamental.

Argentina
A legislação mais abrangente e detalhada para o setor de comunicações dos anos recentes foi promulgada na Argentina, em 2009, após uma série de audiências públicas e debates congressuais. A Ley de Medios propõe mecanismos destinados à promoção, descentralização, desconcentração e incentivo à competição, com o objetivo de baratear, democratizar e universalizar as novas tecnologias de informação e de comunicação. Sua principal marca é impedir a criação de monopólios no setor.

Bolívia
Em 2011, o presidente Evo Morales promulgou a Ley general de telecomunicaciones, tecnologías de información y comunicación, que estabelece um marco regulatório para a propriedade privada de rádio e televisão e garante vários direitos aos chamados povos originários. O dispositivo legal também criou um processo de licitação pública para as concessões, e estipulou requisitos a serem cumpridos pelas concessionárias privadas.

Brasil
No Brasil, onde ainda vigora o Código Nacional de Telecomunicações de 1962, apesar da vigência de novas normas – como a Lei do cabo (1994) e da Lei da TV paga (2011) – não há uma regulação abrangente. Uma parcela expressiva da sociedade organizada (movimentos populares e entidades empresariais) e representantes do Estado realizaram, no fim de 2009, a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), na qual se destacaram seis pontos centrais: um novo marco regulatório para as comunicação, a regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal (que trata da regionalização da programação da televisão), os direitos autorais, a comunicação pública (radiodifusão estatal), o marco civil da internet e a concretização do Conselho Nacional de Comunicação. São debates que ainda aguardam desfecho.

Chile
Não há no país restrição ou limitação de capital estrangeiro.

Equador
A Lei orgânica de comunicação do Equador foi aprovada em 2013. Com 128 artigos, ela estabelece que as frequências a serem concedidas no espaço radioelétrico se repartirão em um terço para cada setor: estatal, comunitário e privado. A publicidade pública será também distribuída de maneira equânime. Exige-se 50% de produção própria para emissoras de rádio e televisão, como forma de garantir a diversidade cultural e identitária.

Paraguai
Junto com o Poder Executivo, o Consejo Nacional de Telecomunicaciones (Conatel) fiscaliza, controla e se pronuncia a respeito das renovações das licenças após o prazo máximo de vinte anos, renováveis uma única vez por mais dez anos. Não há restrição ao capital estrangeiro.

Uruguai
A lei uruguaia, aprovada no final de 2014, proíbe o monopólio na radiodifusão e busca regulamentar um percentual mínimo de produção nacional.

Venezuela
Na Venezuela, a Lei orgânica de telecomunicações foi aprovada em 2000. A norma reserva a exploração dos serviços de telecomunicações a pessoas domiciliadas no país. O tempo de concessões de frequências de rádio e de televisão é estipulado para um período máximo de quinze anos, podendo ou não ser prorrogado. E foram estabelecidas sanções aos concessionários que vão de admoestação pública, multa e revogação da concessão à prisão dos responsáveis.

O futuro 
Todas essas leis se voltam para a regulação das mídias tradicionais. Não incidem sobre a internet e sobre a ação de provedores e sites, que operam em escala mundial. Um novo padrão comunicacional se estabeleceu em todo o mundo a partir de 2005. Trata-se da proliferação dos chamados smartphones, que possibilitou a convergência, em um só aparelho, dos serviços de telefonia, transferência de dados, transmissão de imagens, sons, mensagens e um sem número de interações entre usuários, graças aos avanços da internet móvel. O site brasileiro Teleco, voltado para o setor, estima que o número de aparelhos celulares na América Latina passou de 381,5 milhões, em 2007, para 664 milhões, em 2015.

Se compararmos esses números com a população continental – cerca de 580 milhões – podemos ter uma ideia de que a comunicação não apenas se massifica, mas faz isso de forma interativa e personalizada com cada usuário. A tela dos pequenos aparelhos compete em audiência com a TV em suas modalidades aberta e paga. O futuro do setor passa, seguramente, pelas mãos de cada habitante da região. E pelos desígnios das grandes corporações.

 

Bibliografia

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  • http://www.sipiapa.com