Paz Estenssoro, Víctor

Tarija (Bolívia), 1907-2001

Intelectual e político controverso, foi quatro vezes presidente da Bolívia e participou das mudanças econômicas e políticas mais significativas dos últimos cinquenta anos.

Nascido em 2 de outubro de 1907 na cidade de Tarija, formou-se advogado na Universidade Mayor de San Andrés e marchou na frente de batalha durante a Guerra do Chaco.

Em 1937, trabalhou como advogado na empresa mineira do empresário Patiño, um dos três grandes “barões” bolivianos do estanho, e um ano mais tarde foi eleito deputado. Em 1942, alcançou notoriedade ao levar adiante a denúncia parlamentar da matança de operários mineiros realizada pelo Exército e pelas empresas mineiras.

Em 1941, ao lado de outros intelectuais de classe média, os “primos pobres da oligarquia” nas palavras de Zavaleta, fundou o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), com claras inclinações nacionalistas.

Ministro da Economia em 1941, participou também do gabinete do governo de Gualberto Villarroel, um general surgido na geração da Guerra do Chaco que tentava aumentar os impostos para as grandes empresas mineiras, e liberar os indígenas do “pongueaje” – trabalho gratuito que os índios realizavam para os donos de fazendas. Perseguido pelas forças empresariais conservadoras, o presidente Villarroel foi objeto de uma revolta que culminou com o seu enforcamento num dos postes de iluminação da praça Murillo, situada em frente da sede presidencial.

Exilado em Buenos Aires, Victor Paz manteve o controle político de seu partido, o qual se transformou na força de mobilização popular mais importante do país durante os seis anos seguintes, inclusive acima dos partidos de cunho marxista que também tiveram uma relativa influência no movimento operário.

À diferença da esquerda marxista que privilegiava o discurso como ferramenta exclusiva de luta política, o MNR promoveu e estruturou uma organização de quadros e de massas que fez uso de diferentes meios, tais como golpes de Estado e revoltas armadas, para chegar ao governo. Essa vontade decidida de poder transformou rapidamente o MNR no referencial político dos setores de trabalhadores do país.

Em 1951, ainda no exílio, Víctor Paz ganhou as eleições gerais que, imediatamente, foram ignoradas por uma junta militar. Após a insurreição popular de abril de 1952, regressou ao país para assumir a presidência da República e, meses mais tarde, decretou a nacionalização da grande mineração, a reforma agrária e o voto universal.

Na primeira presidência de Víctor Paz (1952-1956) teve início o ciclo do capitalismo de Estado que durou 33 anos. Foram ampliados os direitos de setores dos trabalhadores, redistribuiu-se a terra, extinguiu-se o latifúndio em terras altas e ampliaram-se os direitos políticos para os setores indígenas excluídos. No entanto, nesse período também se modificou a política do hidrocarboneto, abrindo-se áreas de exploração para as empresas estrangeiras, e reorganizou-se o Exército com assessoria norte-americana.

A segunda presidência de Víctor Paz (1960-1964) marcou a decadência da revolução nacional. Distanciado cada vez mais de um movimento operário autônomo, Paz buscou contrapor o peso político da COB apelando para a crescente intervenção das Forças Armadas na política. Em 1964, depois de impor o instituto da reeleição contra a opinião dos setores de esquerda do MNR, Víctor Paz voltou a ganhar as eleições com o apoio de um vice-presidente militar, o general Hugo Banzer, que, em poucos meses de gestão governamental, encabeçou um golpe de Estado que deu início a um novo ciclo de governos militares durante os dezoito anos seguintes.

Exilado, retornou em 1971, apoiando o golpe de Estado dos militares conservadores dirigidos pelo coronel Banzer, contra o general progressista Juan José Torres.

Essa aliança de Víctor Paz com Banzer durou dois anos, quando novamente voltou a exilar-se, até 1978, no momento de convocação às eleições gerais. Nelas, candidatou-se novamente à presidência pelo MNR, que já havia se fracionado em três organizações diferentes. Paz obteve o segundo lugar nas sucessivas eleições de 1978, 1979 e 1980, transformando-se no mais férreo opositor parlamentar ao governo esquerdista da Unidade Democrática e Popular (UDP).

Em 1985, voltou a disputar as eleições obtendo o segundo lugar com 26% da votação. Apoiou-se no partido do general Banzer (ADN) em agosto de 1985 para vencer o segundo turno, no congresso, e assumir seu quarto período presidencial, mas impulsionou políticas neoliberais que modificaram o modelo de desenvolvimento econômico e de governabilidade política nos vinte anos que se seguiram.

Víctor Paz deu início ao fechamento das minas e ao desmantelamento da empresa estatal mineira. Em sintonia com as recomendações do Consenso de Washington, liberalizou o mercado, reduziu o gasto público e flexibilizou as relações de trabalho. Em 1989, retirou-se da política ativa.

Em um aparente paradoxo histórico, Victor Paz foi o presidente que introduziu o capitalismo de Estado ao mesmo tempo em que o enterrou, dando lugar a políticas de liberalização da economia. Do mesmo modo, buscou o apoio da COB para chegar ao seu primeiro governo e, durante o último, colaborou para incentivar sua quase total liquidação. No entanto, em todo esse processo, ganhou relevo sua característica pessoal básica: um elevado pragmatismo político.

Quando no mundo prevalecia o capitalismo de Estado, Paz levou adiante políticas de bem-estar, estatizações e industrializações. Quando o neoliberalismo se impunha planetariamente como credo conservador, Paz foi igualmente neoliberal nas suas políticas de ajuste estrutural. Quando os sindicatos tiveram peso político, governou com eles, e quando os sindicatos entraram em crise, enfrentou-os. No fundo, mais do que agir na história, acomodou-se a ela. Morreu em 2001.

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