Pobreza, Programas de alívio da

Ao longo da implementação das políticas neoliberais de ajuste estrutural na América Latina, os diversos organismos internacionais propulsores dessas políticas adotaram o que foi denominado de “medidascorretivas”, sobretudo diante das evidências de que tais políticas vinham produzindo efeitos sociais “indesejáveis” ou “além do esperado”. Essa correção de rumos teve início, principalmente, no começo dos anos 90.

Uma dessas medidas foi a disseminação dos chamados “programas de alívio da pobreza”. O primeiro documento a tentar conciliar o ajuste com políticas compensatórias, já em 1987, foi o do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), intitulado “Ajuste com rosto humano” (ACRH). A preocupação com os “programas para os pobres” (pro-poor programs) foi expressa pelo Banco Mundial no documento World Development Report 1990: Poverty, contendo indicadores do agravamento da pobreza produzido pela crise, somado aos efeitos das políticas de ajuste. No bojo do Programa Conjunto sobre Políticas Sociais para América Latina (Proposal), um documento de 1992 sob o patrocínio do Instituto Latino-americano de Planificação Econômica e Social (ILPES) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) colocava a erradicação da pobreza como um desafio para os anos 90. Essa preocupação evoluiu com a publicação de Reforma social e pobreza, documento do BID em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de 1993.

Equidade

A síntese das posições de governos latino-americanos e de algumas organizações internacionais, no que se refere ao combate à pobreza no início da década de 1990, encontra-se nas II e III Conferências Regionais sobre a Pobreza na América Latina e o Caribe (realizadas em 1990 e 1992, respectivamente). Com relação às organizações internacionais, são aqui apresentadas as colocações da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), do Unicef e do FMI.

Constatando a presença da pobreza como um elemento constitutivo da história da região, a CEPAL afirma que desde a sua criação, na década de 1940, considerou central o problema da pobreza. Mesmo nos anos de crescimento econômico, a CEPAL manteve a postura de evitar os efeitos concentradores e excludentes que geravam um padrão de desenvolvimento pouco equitativo, o que não permitia a extensos setores sociais, tanto urbanos como rurais, sair da pobreza. Se por um lado a CEPAL sustenta que uma estratégia para superar a pobreza é, em essência, uma estratégia de crescimento e desenvolvimento, por outro lado reconhece que isso não garante a eliminação nem a diminuição significativa da pobreza. Para que um novo dinamismo econômico se conjugasse com maior eqüidade, seria necessário que, desde o início, estivesse acompanhado de um conjunto de medidas redistributivas que englobassem aspectos muito diversos. Esse conjunto de medidas deveria, naturalmente, adaptar-se à extrema diversidade que apresenta a pobreza na região tanto em forma como em magnitude, de país a país e do âmbito urbano ao rural. A proposta da CEPAL para o desenvolvimento econômico e social da região nos anos 90 está contida no clássico documento Transformacão Produtiva com Equidade. Nele já são privilegiados os objetivos de compatibilizar competitividade internacional e equidade em um contexto institucional democrático pluralista participativo e no marco de um desenvolvimento ambientalmente sustentável. A obtenção da equidade, que supõe o combate à pobreza, é parte integrante e não subordinada dessa estratégia.

O Unicef apresentou seu Plano de Ação (para a aplicação da Declaração Mundial sobre a sobrevivência, a proteção e o desenvolvimento da Criança ), no qual existe um capítulo exclusivo sobre a “Mitigação da pobreza e reativação do crescimento econômico”. Esse plano indica que a

obtenção das metas relacionadas com as crianças nas esferas de saúde, nutrição, educação etc., contribuirá em grande medida para mitigar as piores manifestações da pobreza.

A persistência das dificuldades econômicas, o chamado restabelecimento dos “equilíbrios macroeconômicos” e das contas fiscais nos moldes de sucessivos esquemas de ajuste, em muitos casos implicou uma redução da renda real e da capacidade de compra das famílias de menor renda. Tais fenômenos, acompanhados da redução do gasto público, particularmente do gasto social, e a redução dos subsídios alimentares, agravaram a situação dos setores mais vulneráveis da sociedade, impulsionando o Unicef a estruturar a proposta do ACRH.

Em consonância com essa proposta, que tenta combinar o ajuste com a proteção dos grupos mais vulneráveis e a restauração do crescimento econômico, o Unicef estabeleceu o Fundo Especial de Ajuste para América Latina e o Caribe, com o objetivo de proporcionar cooperação especial e adicional àqueles países que estavam experimentando uma deterioração objetiva em sua situação socioeconômica e no bem-estar da infância. Entre os programas financiados por esse fundo estão: apoio ao desenho de políticas sociais; contribuição ao estabelecimento de fundos de desenvolvimento social; desenvolvimento de modalidades para aliviar a carga doméstica da mulher e incrementar seus níveis de nutrição; e apoio ao estabelecimento de mecanismos de acesso ao crédito para mulheres dos setores informais. Além disso, o Unicef também estabeleceu um Fundo global de monitoramento alimentar e nutricional e priorizou as atividades de desenvolvimento de sistemas idôneos de indicadores sociais, com ênfase na vigilância nutricional e na vigilância do baixo peso ao nascer. No plano da cooperação internacional, é citada a iniciativa conjunta BID/Unicef para constituir um Fundo de Investimento Social na região, entre outras. No âmbito sub-regional, é mencionado o projeto “Proandes – Programa Andino de serviços básicos contra a pobreza”, implementado em algumas das zonas de maior pobreza relativa de cinco países: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.

“Melhorar o desenho dos programas”

Já o FMI explicitou sua opinião, segundo a qual

a melhor contribuição que pode fazer o Fundo para a luta contra a pobreza, é a de continuar ajudando e alentando os países-membros a adotar políticas macroeconômicas e estruturais acertadas que promovam um crescimento econômico duradouro.

De acordo com o FMI, as “deficiências” das políticas macroeconômicas e estruturais não apenas prejudicam as perspectivas de crescimento, mas também exercem um efeito “adverso desproporcionado” sobre os mais pobres. É por isso que o Fundo recomenda que os países que enfrentam desequilíbrios acentuados tomem medidas de ajuste oportunas e de grande cobertura, a fim de evitar os ajustes desordenados dos quais os pobres dificilmente podem proteger-se.

Cumprindo sua função de “agente catalisador de recursos financeiros internacionais”, o FMI recentemente destacou a criação do Serviço Financeiro de Ajuste Estrutural (SALT) e do Serviço Financeiro Reforçado de Ajuste Estrutural, desenhados “especialmente” para apoiar programas de reformas nos países mais pobres, com taxas de juros e prazos de amortização muito “favoráveis”. No entanto, o Fundo reconhece que algumas medidas de ajuste, ainda que “necessárias”, podem prejudicar no curto prazo certos grupos de rendas mais baixas, especialmente nos centros urbanos. Esses efeitos “adversos”, segundo o FMI, podem ser particularmente “severos” quando se acumulam “desequilíbrios macroeconômicos substanciais” que descartam as possibilidades de um “ajuste gradual”. O Fundo também estaria tratando de “melhorar o desenho de programas” que apoia, tentando reforçar seus aspectos positivos e reduzir, “na medida do possível”, seus efeitos negativos sobre os pobres. Nesse sentido, por exemplo, recomenda que as reformas fiscais sejam compatíveis com critérios não apenas de eficiência, mas também de equidade; para o gasto público, recomenda a eliminação de imposições “dispendiosas”, a manutenção de gastos sociais “indispensáveis” e sua “reestruturação” para que resultem não apenas mais “eficazes” em razão de custos, mas que também sejam de “maior benefício” para os mais pobres.

A intervenção do FMI poderia ser resumida em uma espécie de slogan , colocado pelo próprio Fundo como um “desafio” para a região: “combater a pobreza sem comprometer o processo de ajuste”.

Frei Beto em palestra sobre o Programa Fome Zero na Universidade de Havana, em Cuba (Antônio Milena/ABr)