Termo cunhado em meados de 1980 para designar a população de brasileiros que voltaram do Paraguai, mas posteriormente se estenderia aos residentes. O fluxo imigratório começou a partir dos anos 1940 e se prolongou até a mudança do século. Os brasiguaios contribuíram, em grande medida, para o aumento do comércio intra-regional e produzem grande parte da soja que o país exporta, mas enfrentam críticas dos movimentos sociais e do governo paraguaios, e problemas quando retornam ao Brasil. Estatísticas recentes estimam que oscilam entre 300.000 e 500.000 os brasileiros que vivem no Paraguai, somando seus descendentes.
A primeira dinâmica de imigração se deu por vários motivos. No que diz respeito às transformações estruturais na economia brasileira, em primeiro lugar encontra-se a expansão da fronteira agrícola para o oeste do Paraná, que introduziu o latifúndio, expropriando os pequenos proprietários, e a “modernização” do campo com a implementação do monocultivo na região sul, especialmente o cultivo da soja mecanizada, que tornou desnecessária grande parte da mão-de-obra. Finalmente, no início dos anos 70, o processo de construção da represa hidrelétrica de Itaipú, cujo depósito inundou quase 1.500 km2, com o qual expulsou milhares de famílias ribeirinhas do Paraná e milhares de trabalhadores atraídos pela obra, os quais, uma vez terminada, não encontraram trabalho no lugar.
Por outro lado, no Paraguai, as políticas públicas do governo ditatorial do General Alfredo Stroessner trataram de estimular a ocupação e o desenvolvimento agrícola por meio de incentivos para a compra de terra pelos brasileiros, com o programa de colonização implementado pelo Instituto de Bem-Estar Rural. O processo de colonização, em princípio, foi desenvolvido por brasileiros mais humildes, que desmatavam a região da fronteira e abriam, assim, caminho para a exploração capitalista e para outros brasileiros do sul que possuíam mais recursos. Desta maneira, seguindo os passos do que havia ocorrido anteriormente no Brasil, os camponeses exploradores foram expulsos das fronteiras, os quais, depois de prepará-las para a penetração efetiva do capital, foram seguidos por agentes na ocupação da fronteira, para produzir ou especular com a terra. Desses, alguns trabalharam para os novos proprietários e outros migraram para as cidades onde vivem precariamente.
Esta dinâmica, em pouco tempo, evidenciou a divisão étnica, representada por brasileiros descendentes de europeus proprietários de parcelas, que falam português, e por outro lado paraguaios descendentes de indígenas, que falam guarani e/ou espanhol, e trabalham em suas terras ou expropriados nas cidades.
Como era de se esperar, esse processo altamente conflitivo causou inconvenientes, como a expulsão do camponês paraguaio de suas terras, problemas ambientais à raiz da expansão da fronteira agrícola – o desmatamento e a contaminação pelo uso intensivo de agrotóxicos -, a falta de respeito à legislação trabalhista e do imigrante, o questionamento da validade dos títulos de propriedade da terra e denúncias de colonização de territórios estrangeiros. Além disso, os brasiguaios se estabeleceram majoritariamente na região sudeste do Paraguai, parte da chamada Tríplice Fronteira, região geoestratégica da América do Sul. Isso alarmou as autoridades regionais e principalmente as do Paraguai.
Em meados dos anos 80, quando começou o processo de redemocratização paraguaia, a situação se agravou. Os setores mais pobres, principalmente os sem terra paraguaios no contexto mais amplo da luta por reforma agrária, reivindicaram a propriedade da terra, alegando que suas terras tinham sido expropriadas no período ditatorial.
No Brasil, a conjuntura se mostrava mais favorável, pois havia um intenso debate sobre o Plano Nacional de Reforma Agrária que alimentava a expectativa de que esses brasileiros poderiam ser beneficiados ao retornar ao país. Outros, que se sentiam inseguros, enviaram seus filhos para viver com parentes e que estudaram em escolas brasileiras ou retornaram ao Brasil. Este caudal de fatores propiciaria que, em meados dos anos 80, se observasse um primeiro fluxo emigrátorio organizado para o Brasil de aproximadamente 1.000 pessoas, que apresentavam demandas concretas ao governo.
Ao retornarem, entraram pela fronteira do Mato Grosso do Sul, forte reduto da União Democrática Ruralista (UDR) – criada em 1985 -, organização que representava politicamente os latifundiários, os quais controlavam a polícia de fronteira e muitos jagunços, dificultando seu retorno. Eles contam com movimentos que os apóiam como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e com organizações ligadas à Igreja, como a Comissão Pastoral da Terra e Pastoral do Imigrante, que os amparam.
Em 1989, ao terminar a ditadura, o movimento camponês paraguaio se reorganizaria. Como resultado imediato, intensificaram-se as ocupações de propriedades de estrangeiros em todo o país, especialmente nos estados de Canindeyú e Alto Paraná, onde se concentra grande parte das propriedades dos brasiguaios; assim, o nível de tensão e fluxo de retorno dos brasiguaios foi cada vez maior.
Particularmene importante foi a criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), em março de 1991, entre outras medidas de integração econômica, a livre circulação de trabalhadores e a possibilidade de regularização do trabalhador e do proprietário. Isso, por outro lado, acarretou em um problema, porque relativizou a questão da nacionalidade e introduziu a condição idealizada de “cidadão do Mercosul”, que tenderia a debilitar mobilizações como os dos chamados brasiguaios, os quais encontram nos direitos à cidadania e nos símbolos nacionais suas principais bandeiras de luta. Por outro lado, cria-se a possibilidade de regularizar sua situação no Paraguai. No entanto, essa legislação não avançou pois se fundamentou no Tratado de Ouro Preto de 1994. Somente em 2002 se retomaria a questão com a Lei de Livre Residência.
Nos últimos anos, os paraguaios acusaram os brasiguaios de monopolizar as terras, de impor a língua portuguesa e símbolos como a bandeira brasileira em seu território, de comportamento racista nas relações com a população de origem indígena. Existem casos famosos de cidades pequena, como San Alberto de Mbaracayú, onde a maioria é brasileira, fala português, são comercializados em reais produtos brasileiros e, em alguns casos, o prefeito é brasileiro. Essas denúncias se agravam ainda mais pelo ressentimento vivo da Guerra do Paraguai, na qual Argentina e Brasil, usados pelo imperialismo inglês, arruinaram o país. Esses fatores despertaram na população paraguaia sentimentos de nacionalismo e xenofobia.
Por seu lado, os brasiguaios se queixam das pressões exercidas pelas autoridades paraguaias, das invasões de terras, das dificuldades para obter a naturalização, de discriminação nas escolas, de “comissões” pagas por sua produção e/ou transporte, de que suas crianças são obrigadas a estudar em espanhol ou guarani, e de os jovens serem obrigados a servir no exército paraguaio, de enfrentarem problemas para revalidar suas documentações, e tem-se notícias da formação de milícias brasiguaias em território paraguaio. Além do mais, graças ao seu poder econômico, os brasiguaios se constituíram em influentes atores políticos, que apresentam suas demandas específicas.
Em resposta, o Senado paraguaio aprovou um projeto de lei que estabelece zonas de segurança de 50 quilômetros nas fronteiras territoriais da República, reservand0-as aos paraguaios. Pequenos, médios e grandes proprietários brasileiros se uniram em defesa de seu direito de permanecer no Paraguai e enviaram representantes ao Brasil para denunciar a situação ao presidente da República, governos e parlamentares do estado do Paraná.