A empresa Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), primeira grande estatal argentina e também a pioneira latino-americana de grande porte do petróleo, foi criada em 1922, por iniciativa do presidente Hipólito Yrigoyen, que conseguiu quebrar a hegemonia dos partidos oligárquicos e eleger-se por um partido então popular e reformista, a União Cívica Radical (UCR).
Em 1935, uma nova lei estabeleceu a autossuficiência nacional como objetivo para o setor de hidrocarbonetos e atribuiu a propriedade das jazidas ao Estado. No ano seguinte, o setor foi regulamentado de forma a proibir as exportações e limitar as importações, pressionando as principais concorrentes na Argentina, Esso e Shell, a se concentrarem em atividades de refino e distribuição. Em 1958, uma nova lei nacionalizou completamente a pesquisa, a extração e o transporte de minérios energéticos, atribuindo-os para as empresas Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), Yacimientos Carboníferos Fiscales (YCF) e Gas del Estado.
Em 1967, sob a ditadura militar de Juan Carlos Onganía, a política de nacionalização começou a recuar. O ortodoxo ministro da Economia Adalbert Krieger Vasena quis mostrar aos investidores estrangeiros que havia acabado o “nacionalismo petroleiro”. Abriu ao setor privado a possibilidade de concessões para a produção com domínio do produto e permitiu contratos da YPF com terceiros – principalmente com os grupos Pérez Companc, Astra e Bridas – para operar jazidas já produtivas, embora o setor continuasse fortemente regulamentado pelo Estado.
Essas medidas foram parcialmente anuladas em 1974 pelo segundo governo de Juan Domingo Perón, que restabeleceu o controle estatal da produção à distribuição, mantido sob a ditadura militar vigente de 1976 a 1983. As empresas privadas voltaram a ter sua produção controlada, com a obrigação de vendê-la à YPF, aos preços ditados pela estatal, e de comprar seus insumos de fornecedores locais. Em 1985, o governo de Raúl Alfonsín abriu parcialmente o setor com o chamado Plano Houston, com o qual voltou-se a admitir a celebração de contratos de risco com o setor privado para procurar e produzir petróleo.
No início dos anos 1990, o sucesso inicial do plano de estabilização, implantado pelo presidente Carlos Menem e por seu ministro da Economia Domingo Cavallo, conferiu ao governo capital político para calar os setores nacionalistas desmoralizados pela hiperinflação e assumiu o papel de ponta de lança do neoliberalismo na América Latina. Em 1991, os contratos de risco foram convertidos em concessões e anunciou-se a completa desregulamentação e privatização do setor. Os preços do petróleo e de seus derivados foram liberados, a YPF vendeu os direitos de prospecção e produção de 34% de suas reservas totais comprovadas e foi preparada para a privatização.
O número de funcionários caiu de 51 mil em dezembro de 1990 para 10.600 em março de 1993, quando foi realizada a privatização propriamente dita. Do capital da YPF, 59% foram oferecidos a acionistas privados, 20% ficaram com o governo federal, 11% com as províncias e 10% com os funcionários (reduzidos a 7.840 em fins de 1993 e 6.500 em 1994).
Em 1989, 63% da produção petrolífera argentina ainda era da YPF, 35% de empresas contratadas e 2% de concessões privadas do Plano Houston. A empresa detinha ainda entre 55% a 60% do refino e da distribuição, diante de 18% da Shell, 16% da Esso e 5% de empresas privadas argentinas. Logo após a privatização, passou a responder por 43% da produção total de petróleo, 50% do refino e 52% da distribuição, além de 60% da produção e venda de gás e 25% da petroquímica.
O custo de prospecção e desenvolvimento da YPF somava então US$ 1,86 por barril, ante US$ 7,36 da brasileira Petrobras. O custo médio de produção, segundo a empresa, caiu com a privatização de US$ 3,60 por barril para US$ 3,30, ante US$ 5,07 no Brasil. A razão da diferença era que o Brasil já obtinha a maior parte de sua produção de águas profundas, enquanto a maioria dos campos da YPF ainda se localizava em terra. Por outro lado, como as refinarias argentinas eram relativamente pequenas e antigas, seu custo médio de refino totalizava US$ 4 por barril, contra US$ 2,40 da Petrobras.
Sob controle estatal, 95% da produção argentina era refinada no próprio país e o comércio exterior limitava-se a compensar a diferença entre o perfil do refino e o do consumo interno. Após a desregulamentação e privatização, procurou-se maximizar a produção e exportar o excedente. Em 1995, o país consumiu e refinou internamente apenas 64% de sua produção, e 36% foram exportados em bruto, principalmente para o Chile e o Brasil. Esse último, em 1996, chegou a obter da Argentina a maior parte de suas importações de petróleo, já bastante reduzidas em relação aos anos 80.
A produção, por outro lado, caiu nas áreas recém-privatizadas. Nessas áreas já amadurecidas, de alta produtividade e baixos custos, as novas concessionárias (principalmente Astra, Bridas e Pérez Companc) limitaram-se a aproveitar a oportunidade de fazer caixa com custos baixos, sem investir em prospecção ou em recuperação secundária. O lucro foi reinvestido fora do país, em projetos aparentemente mais atraentes e lucrativos. A Bridas, por exemplo, tentou em 1995 disputar as ricas reservas de petróleo e gás do mar Cáspio, aberto a transnacionais com a queda da URSS. Envolveu-se, assim, numa arriscada disputa geopolítica pelas boas graças do Turcomenistão e do Afeganistão (governado pelo Talibã a partir de 1996), em desvantagem perante sua concorrente estadunidense Unocal, respaldada por capital saudita e pela estratégia do Pentágono e do Departamento de Estado. Por falta de condições para disputar em tal terreno minado, o proprietário da Bridas acabou vendendo seu controle à estadunidense Amoco.
A YPF também investiu no exterior, notadamente no Equador e na privatização da YPF boliviana em 1996. Nos anos seguintes, à medida que o consumo argentino aumentava e a produção nacional caía devido à escassez de novas descobertas, as exportações voltavam a diminuir e as projeções atuais indicam que o país voltará a importar a partir de 2007. Assim, a Argentina, que se esmerou em exportar petróleo barato no final dos anos 1990, quando o preço do produto atingiu sua baixa mais acentuada, poderá ter de importá-lo muito caro em um período de provável escassez internacional.
No primeiro momento da privatização, o controle efetivo da YPF continuou semiestatal: União e províncias, junto com os empregados da empresa, detinham 50% das ações, usadas para influir na administração e como garantia da dívida externa. Mas os crescentes desequilíbrios nas contas argentinas, consequentes do aumento da instabilidade dos fluxos internacionais que se seguiram à crise mexicana do final de 1994, geraram para o governo de Menem e Cavallo uma crescente necessidade de captar dólares para salvar o plano de conversibilidade – ou melhor, adiar seu colapso. O governo esforçou-se, então, para vender a toque de caixa os ativos que lhe restavam, inclusive sua participação na YPF.
Nesse período, a Repsol entrou em ação. Criada em 1981 a partir de ativos no setor petrolífero do governo espanhol (sobretudo refino e distribuição, mas sem produção ou reservas significativas de petróleo), foi privatizada gradualmente de 1989 a 1997. Até 1996, as empresas estrangeiras mais importantes em extração de petróleo tinham sido Amoco e Total, e em refino e comercialização, Shell e Esso, mas, nesse ano, a Repsol adquiriu a argentina Astra e, no ano seguinte, os grupos argentinos Soldati e Isaura venderam-lhe seus investimentos em refino, o que a tornou a primeira empresa estrangeira a tanto produzir petróleo quanto refiná-lo e comercializá-lo.
Em janeiro de 1999, a Repsol adquiriu as ações do governo argentino na YPF e fundiu-se com a subsidiária, tornando-se uma petroleira internacional de porte médio: suas reservas de petróleo saltaram de 1 bilhão para 3,5 bilhões de barris (incluindo gás natural). A nova Repsol-YPF passou a deter 56% do mercado argentino de refino e 48% da distribuição, além de continuar a controlar 59% do refino e 47% da distribuição na Espanha.
O colapso final da conversibilidade, em dezembro de 2001, desvalorizou os ativos da Repsol na Argentina, que ainda assim continuou a ser o principal ativo internacional da organização. Apesar do congelamento de preços e tarifas administrado pelo novo governo argentino e dos elevados impostos aplicados à exportação, para assegurar o abastecimento interno, a empresa espanhola mostrou-se menos disposta que as transnacionais tradicionais a confrontar o governo do país durante os tempos difíceis que se seguiram – como também a Petrobras, que no final de 2002 adquiriu a Pérez Companc, tornando-se a segunda produtora de petróleo da Argentina (10% do total), além de deter participações importantes nos mercados de gás e energia elétrica. Em março de 2005, ambas se recusaram a aderir à decisão da Shell e Esso de reajustar os preços dos combustíveis contra a vontade de Buenos Aires, garantindo a vitória do boicote governamental e popular que obrigou as transnacionais anglo-americanas a recuar.
Mesmo assim, o governo de Néstor Kirchner mostrou-se interessado em recuperar parte do antigo controle do Estado sobre o setor de energia e voltar a deter uma ferramenta para regular os preços de combustíveis e controlar repiques inflacionários, ainda que em parceria com outras nações latino-americanas. Em 2004, quando a Shell se declarou disposta a vender seus ativos na Argentina, incentivou a venezuelana PDVSA a adquiri-los, mas o negócio acabou cancelado, o que foi atribuído, pela imprensa, à pressão de Washington.
Mesmo sem possuir mais ativos no setor, o governo argentino transferiu os direitos de produção sobre partes da plataforma continental argentina ainda livres de concessão para uma nova empresa estatal – Energía Argentina SA (Enarsa). Isso foi feito como embrião de uma possível retomada de participação no setor e no consórcio entre estatais sul-americanas proposto pela Venezuela, uma holding Petrosul/Petrosur, concretizada em maio de 2005, na forma de um acordo de cooperação no setor energético, envolvendo também as estatais brasileira e argentina, inicialmente coordenada pelo ministro do Planejamento argentino.
Em 2003, as reservas prováveis de petróleo da Argentina somavam 291 bilhões de metros cúbicos (1,9 bilhão de barris de óleo), ou seis anos de produção ao ritmo de 793 mil barris/dia, 42% dos quais produzidos pela Repsol-YPF. Havia mais 4,4 bilhões de reservas “prováveis”, correspondentes a mais quinze anos de produção. A Repsol-YPF possuía 46% de todas essas reservas. A exportação líquida da Argentina, em 2005, era da ordem de 160 mil barris/dia (20% da produção). A capacidade de refino estava em 577 mil barris/dia, 362 mil dos quais (62%) da Repsol-YPF.
Em 2003, as reservas de gás natural chegaram a 663 bilhões de metros cúbicos (equivalente a 4,4 bilhões de barris de óleo), ou treze anos de produção ao ritmo de 138 milhões de metros cúbicos diários (equivalentes a 920 mil barris/dia de petróleo), 46% dos quais produzidos pela Repsol-YPF.
A escassez do produto começou a se fazer sentir a partir de 2005, enquanto as concessionárias relutavam em investir devido ao congelamento de tarifas e as importações da Bolívia se viam ameaçadas pela crise política daquele país.
No plano internacional, a Repsol-YPF detinha em 2005 reservas de 4,5 bilhões de barris de petróleo equivalente (principalmente Argentina, Líbia e Argélia), produzia 567 mil barris diários de petróleo (quase 70% na Argentina) e 90 milhões de metros cúbicos diários de gás natural e tinha capacidade de refino de 1,2 milhão de barris diários (incluindo, além da Argentina e da Espanha, uma refinaria no Peru).