De acordo com as informações divulgadas pelo Census Bureau em 2005, os latino-americanos residentes nos Estados Unidos – 39.565.869 pessoas – representavam 13,4% da população do país, constituindo o segundo grupo étnico. A maior parte desse contingente concentrava-se nos grandes centros urbanos, principalmente nas cidades de Nova York, Los Angeles e em outras quatro das dez maiores cidades do país – Houston, San Diego, Phoenix e San Antonio – nas quais superava a população negra. Nas cidades de San Diego, Phoenix e San Antonio constituíam o maior grupo étnico.
A população chamada “latina” residente nos Estados Unidos já tinha uma composição heterogênea. Em Los Angeles era, em sua maioria, de origem mexicana (80%), enquanto em Miami predominavam os imigrantes cubanos (66%), vindo em seguida os nicaraguenses (11%) e porto-riquenhos (6%). Em Nova York, 46% dos latinos eram oriundos de Porto Rico e 15% da República Dominicana, enquanto os mexicanos, colombianos e equatorianos representavam, cada um, 5% da população latino-americana da cidade.
No período compreendido entre 1990 e 1996, a população latina dos EUA cresceu dez vezes mais rápido que a anglo-saxônica, somando um milhão a mais de pessoas por ano. Contrariamente à crença de que seria a imigração a causa determinante de seu crescimento, o fenômeno parece mais diretamente vinculado ao aumento da taxa de natalidade que, segundo as estatísticas oficiais, é maior nas famílias de origem mexicana, que representam dois terços da população latina no país.
Em meados da década de 2000, os latinos residentes nos EUA já representavam a quinta maior comunidade de todo o continente americano. Estima-se que, em cinquenta anos, serão a terceira, abaixo apenas das populações do Brasil e México. Segundo as projeções estatísticas, em 2025 haverá aproximadamente 59 milhões de latino-americanos nos EUA, quantidade que superará em 16 milhões a população afrodescendente. Esse fenômeno produzirá, sem dúvida, transformações políticas (geopolíticas) e culturais.
Dinamismo econômico e desigualdade social
A comunidade latina dos EUA demonstra um dinamismo econômico surpreendente, o que permitiu que mantivesse um crescimento acelerado durante períodos nos quais a maioria das grandes cidades norte-americanas decrescia, como resultado da desindustrialização. Apesar da impressão superficial muito difundida de que os latinos estariam tomando o lugar da mão de obra nativa em alguns ramos de atividades, as pesquisas acadêmicas demonstraram que a maioria dos imigrantes ocupa nichos do mercado de trabalho criados por eles mesmos, como restaurantes étnicos e pequenas oficinas de manufatura, ou empregos abandonados por nativos, que passam a desempenhar trabalhos mais qualificados e mais bem remunerados.
Em vez de uma invasão latina do mercado de trabalho, que tomaria os empregos dos não latinos, seria mais preciso falar em substituição. A verdadeira competição no mercado de trabalho norte-americano não seria mais entre imigrantes e nativos, mas entre os próprios imigrantes.
Devido ao excesso de oferta de mão de obra para tarefas como as de jardineiro e de serviços domésticos, que ajudaram as gerações anteriores a ascender socialmente, as condições econômicas dos imigrantes deterioraram-se nos últimos anos. Segundo um estudo de 1998, os latinos representam 28% da força de trabalho da Califórnia, mas ficariam com apenas 19% da massa salarial, enquanto os afro-americanos teriam participação no volume total de salários proporcional ao seu peso no total de trabalhadores. As pesquisas também indicavam sintomaticamente que os latinos não teriam inserção em setores de inovação tecnológica e nas principais atividades que impulsionam as economias de suas áreas de residência: os serviços financeiros e a indústria do espetáculo, ficando dessa forma excluídos da dinâmica da new economy.
Os latinos, segundo os dados, também estariam sub-representados no Exército, ocupando apenas um terço dos postos nas Forças Armadas, mas estariam desproporcionalmente concentrados em níveis malremunerados e em tarefas com escassas responsabilidades e oportunidades de ascensão social.
Os latinos de todos os graus de instrução perderam terreno na economia. Embora seja verdade que a queda na renda durante os últimos vinte anos do século XX se deve à baixa escolarização, surpreende a constatação de que os grupos de latinos com mais instrução obtinham renda menor que a de outras comunidades. Acredita-se que isso se deve a uma forma inegável de racismo. Segundo alguns estudos, a discriminação racial seria responsável por um terço das diferenças de renda entre latinos e brancos.
Educação e emprego
Nos Estados Unidos, há a tendência de conceber a educação como um fator determinante tanto para o sucesso individual como para o futuro de determinados grupos sociais. Com efeito, a relação entre escolas de baixo nível e empregos desqualificados e malremunerados é realmente complexa, já que os empregadores tendem a valorizar de forma desigual os diplomas dos diferentes grupos étnicos e sociais.
Os problemas educacionais dos latinos nos EUA, no início do século XXI, eram realmente significativos. Se considerada a população entre 18 e 24 anos, apenas 22,9% dos jovens estavam matriculados em instituições de nível superior. Dentro desse grupo, 30% dos estudantes abandonariam os estudos, porcentagem comparativamente maior que a registrada entre os estudantes brancos (8%) e afro-americanos (13%). Como consequência dessa situação, aproximadamente 60% dos jovens de 25 anos de idade careciam de diploma de formação superior. Embora o déficit educacional da população latina tenha sido importado dos países de origem, as instituições educacionais dos EUA contribuíam muito pouco para reverter o problema.
A crise educacional que afetava a população residente nos Estados Unidos baseava-se na combinação da situação de pobreza com a decadência do sistema escolar norte-americano, principalmente nas grandes metrópoles. Entretanto, e apesar das condições adversas, muitas das famílias pobres financiavam a educação de apenas um membro da família, sacrificando a escolaridade dos outros. Existiam também inumeráveis obstáculos para que a população adulta conseguisse retornar (ou se reintegrar) ao sistema educacional, dada a quantidade de horas dedicadas ao trabalho e às atividades domésticas e a escassez de oferta de cursos destinados a esse grupo etário.
A onda migratória para os EUA
Para analisar o processo migratório latino-americano para os Estados Unidos, é importante distinguir entre velhos e novos padrões na construção das cadeias migratórias para aquele país. Durante o século XIX, os imigrantes eram predominantemente homens jovens que chegavam ao novo continente buscando uma oportunidade de trabalho. Com o tempo, foram construindo redes migratórias que serviram de base para recrutar patrícios do mesmo clã, povoado ou região. Essas redes se converteram num inestimável “capital social” para as comunidades imigrantes, já que simplificavam a recepção de novos contingentes, oferecendo oportunidades de trabalho aos recém-chegados e ajudando os novos a adquirir habilidades que facilitavam a inserção no mercado de trabalho. As redes operavam como um sistema de proteção social, contribuindo para a integração dos imigrantes à comunidade local.
As redes eram criadas e mantidas por homens jovens (raramente por mulheres jovens) que emigravam com a expectativa de trabalhar nos Estados Unidos por algumas temporadas e retornar a seus países de origem, normalmente com a fortuna aumentada. Só uma certa minoria permanecia “do outro lado da fronteira ou do oceano”, para, anos mais tarde, levar a família para o novo lugar de residência.
As últimas ondas migratórias de latino-americanos, assim como as migrações europeias anteriores, foram determinadas pelo aumento da demanda de mão de obra temporária nas grandes metrópoles. As novas cadeias migratórias têm novas características. Durante a “década perdida”, ao longo dos anos 1980, à medida que as crises geravam milhões de desempregados e novos pobres na América Latina (a pobreza no México, por exemplo, saltou de 28,5% da população em 1984 para 36% em 1996) e as guerras civis selvagens, muitas das quais patrocinadas pelos EUA, afetavam significativamente a população da América Central, a emigração ganhou um forte impulso.
Em consequência da crise política, econômica e social dos anos 1980 e 1990, os fluxos de imigrantes que antes eram absorvidos pelas grandes metrópoles latino-americanas (como a Cidade do México, por exemplo) se redirecionaram para o sul da Califórnia e Nova York. Um contingente significativo de mulheres jovens começou a se unir ao êxodo para o Norte, da mesma forma que o fizeram os desempregados capacitados e os profissionais urbanos.
O forte aumento dos fluxos migratórios de latino-americanos levou os EUA a realizarem, em 1986, uma reforma das leis migratórias, orientada para estimular a instalação definitiva dos trabalhadores que migravam ciclicamente. A reforma teve efeitos tanto positivos – por exemplo, a anistia para 3,1 milhões de imigrantes ilegais –, como negativos – como a execução de sanções aos empregadores de imigrantes ilegais e a militarização das zonas de fronteira.
Fluxo de “migradólares”
Os imigrantes com permissão de trabalho começaram a aproveitar cada vez mais a vantagem legal para levar a família para os EUA e fazer investimentos sem precedentes na compra de propriedades, em educação para seus filhos e na instalação de pequenos negócios. Alguns observadores viam nesse tipo de investimento sinais de uma possível redução do compromisso dos imigrantes latinos com seus lugares de origem.
Durante a década de 1990, entretanto, o crescente enriquecimento da comunidade latina estimulou como nunca o fluxo dos “migradólares” (o dinheiro enviado pelos latinos a seus países de origem, estimado em US$ 8 a 10 bilhões anuais), que se converteram no principal recurso para as comunidades rurais do México e da América Central, superando as rendas provenientes da produção de café e açúcar.
Com a crescente incorporação dos imigrantes à cultura norte-americana, comunidades inteiras se transformaram em transnacionais, ou seja, passaram a responder às mudanças conjunturais, às vezes catastróficas, criando um equilíbrio estratégico de bens e de populações mesmo entre dois polos geográficos: a comunidade de origem e a dos residentes nos Estados Unidos. As comunidades que migraram integraram-se totalmente à economia das metrópoles, como se fossem os EUA sua própria nação (processo denominado norte-americanização), criando verdadeiros subúrbios transnacionais e transformando a fisionomia das grandes cidades contemporâneas.
O conceito de transnacionalização não é uma mera metáfora. Implica a construção de novas trajetórias de vida, geográficas e sociais, criadas com habilidade pelas comunidades e lares mais excluídos do ponto de vista do mercado mundial. Ironicamente, as estratégias de sobrevivência das comunidades apoiam-se fortemente nas tecnologias habitualmente identificadas com a globalização e a desterritorialização, como as comunicações instantâneas e as baixas tarifas do transporte aéreo. A utilização desses meios, hoje, permite que os imigrantes atuais e a segunda geração mantenham experiências de vida simultaneamente em suas comunidades de origem e de destino.
Essa dupla experiência reflete-se na esfera política. Os imigrantes, em seu país de residência, influem em suas respectivas nações. Embora não se trate de um fenômeno novo, atualmente os imigrantes podem participar da vida nacional. Um exemplo: os 10 milhões de mexicanos adultos residentes nos EUA constituem 15% do eleitorado do México, uma porcentagem maior que a de votantes da Cidade do México. Por outro lado, alguns imigrantes têm levado consigo para os EUA seus sistemas políticos, junto com outros elementos de sua bagagem cultural, como os conselhos que os migrantes mexicanos de Oaxaca criaram em Los Angeles para resolver suas dificuldades cotidianas.
Os processos migratórios também provocaram mudanças significativas nas relações de gênero, na mobilidade social e nas relações de solidariedade entre os imigrantes de origem latino-americana.
Fronteira reforçada
O aumento do fluxo migratório durante os anos 1990 fez recrudescerem os mecanismos de controle do governo norte-americano. Os visitantes do sul da Califórnia frequentemente se surpreendem com a quantidade de postos de controle do Serviço de Imigração e Naturalização (SIN) – uma verdadeira segunda fronteira –, que atuam bloqueando a principal rodovia internacional em San Clemente e Tremula, a cerca de 100 quilômetros de Tijuana.
Projetados para interceptar o contrabando de imigrantes para a cidade de Los Angeles, feito pelos chamados coiotes (os agenciadores das travessias dos ilegais) e dar confiança à população branca suburbana, demonstrando que Washington “controla a situação”, os controvertidos postos de controle e a presença da migra (polícia encarregada de controlar a circulação de imigrantes ilegais) se converteram em símbolos de um poder policial que se estende para além das fronteiras, odiado pelos latinos.
Para os imigrantes ilegais, os postos de controle – especialmente em San Clemente – são lugares perigosos. Para evitar que sejam descobertos pela migra , os agenciadores se desfazem de sua “carga” alguns quilômetros antes dos postos, obrigando os imigrantes a cruzar a autoestrada e continuar a travessia por seus próprios meios, até alcançar um lugar mais seguro, ao norte dos postos de controle do SIN. Nos últimos quinze anos, mais de cem pessoas foram mortas em atropelamentos, inclusive famílias inteiras correndo de mãos dadas, ao tentar cruzar a autoestrada.
Depois de gastar mais de US$ 1 milhão para estudar possíveis soluções para o problema dos atropelamentos (menos a de fechar o posto de controle de San Clemente), a agência de transporte do Estado da Califórnia (Calatrans) criou em fins dos anos 1980 a “primeira zona oficial mundial de acidentes de pedestres”, onde foram afixados estranhos sinais de advertência, que contêm, por exemplo, representações de uma família assustada fugindo pela autoestrada.
Mas a fronteira não termina em San Clemente, já que a perseguição se estende aos latinos pertencentes às classes trabalhadoras onde quer que vivam e sem levar em conta há quanto tempo estão nos EUA. Nos subúrbios de Los Angeles e Chicago, por exemplo, a convivência entre as opulentas maiorias anglo-saxônicas e as crescentes comunidades latinas é regulada pela “terceira fronteira”. Enquanto a segunda fronteira está diretamente ligada à fronteira internacional, a terceira fronteira é o mecanismo que regula as relações cotidianas entre os dois grupos. Invisível para muitos anglo-saxões, ela implica um limite na disposição espacial e na circulação que, amiúde, resulta na exclusão dos latinos mais pobres do uso do espaço público por diversos meios.
Cidades gêmeas
O aparecimento das empresas maquiladoras, que atualmente empregam um milhão de trabalhadores no Norte do México, dos quais 60% são mulheres, não conseguiu conter o fluxo de trabalhadores rumo ao país vizinho. O termo maquiladoras (ou maquilas) é usado para denominar as montadoras que se instalaram no México e, que – com insumos importados dos EUA – produzem bens que devem ser obrigatoriamente exportados para aquele país, aproveitando assim os baixos custos da mão de obra local.
O contraponto ao crescimento da economia mexicana na fronteira é a decadência da indústria manufatureira do interior do México. Apesar de o boom das maquiladoras ter sido apenas uma ilusão de desenvolvimento econômico para o México, sem dúvida tem redesenhado as inter-relações entre as cidades gêmeas (cidades vizinhas, uma mexicana, outra norte-americana) que se estendem ao longo da fronteira. Os dois principais exemplos dessa dinâmica são as cidades de El Paso/Cidade Juárez (1,5 milhão de habitantes, 372 maquilas) e San Diego/Tijuana (4,3 milhões de residentes, 719 maquilas).
As cidades gêmeas evoluíram por caminhos similares, criando complexas divisões do trabalho, que atravessam as fronteiras e funcionam em redes maiores de comércio internacional. Basta lembrar que, com o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA), os capitais asiáticos têm exercido um papel fundamental: em 1997, dos componentes utilizados nas maquilas, 60% provinham da Ásia, 38% dos EUA e 2% do México.
Embora há vinte anos a fronteira México-EUA fosse marcada pela oposição entre Primeiro Mundo e Terceiro Mundo, hoje ela se caracteriza pela interpenetração de temporalidades nacionais, formas de assentamento e sistemas ecológicos. O intercâmbio urbano tem fortalecido a evolução da fronteira como um sistema cultural e econômico transnacional e diferenciado, que conta com a presença de empresas como a Samsung, Sony, Sanyo e Hyundai, que dominam a economia maquiladora.
O contato gera paradoxos, como o surgimento de parques industriais hipermodernos do lado mexicano (como Cidade Industrial Nova e El Florido) e o aparecimento de assentamentos precários habitados por latinos, com graves problemas de infraestrutura, do lado dos EUA (como nos arredores de El Paso), que se igualam a paisagens urbanas características do Terceiro Mundo. O fato de as cidades gêmeas terem problemas comuns, como o impacto no meio ambiente e a falta de infraestrutura, as tem obrigado a buscar soluções transnacionais e investir em projetos como a reciclagem de resíduos tóxicos, provisão de água potável etc.
As cidades fronteiriças têm também de enfrentar o problema de que, na era do NAFTA, os bens econômicos, o capital e a contaminação circulam livremente, enquanto a circulação de trabalhadores sofre uma criminalização e uma repressão sem precedentes, a partir da militarização da fronteira iniciada pelo governo de Bill Clinton. Há grandes investimentos em tecnologia para detectar os imigrantes ilegais, com intervenção de diversas agências governamentais, como a Agência Central de Inteligência (CIA).
Para complicar ainda mais o quadro, a chamada “guerra contra as drogas” tem mobilizado vários países, dos Andinos, como Peru, Bolívia e Colômbia, até a fronteira com o México, compartilhando a lógica norte-americana segundo a qual o fornecimento externo é a principal causa do problema e que ele só se resolveria impedindo a entrada de drogas por meio de um controle fronteiriço rigoroso. Assim, as autoridades têm tratado conjuntamente os dois problemas, como se o conflito fosse um só: a guerra contra as drogas e os imigrantes. De fato, trata-se de uma guerra com muitas vítimas. As operações de controle (um milhão de detenções por ano) forçam muitos imigrantes a tentar atravessar a fronteira em lugares mais perigosos, com o consequente aumento do número de mortes por acidentes e por enfrentamentos, cada vez mais violentos, com as patrulhas fronteiriças.
Metrópoles cada vez mais latinizadas
A presença dos latino-americanos nas grandes metrópoles norte-americanas provocou uma inovadora reorganização do espaço urbano, que não pode ser simplesmente associada às reorganizações anteriores, levadas adiante por afro-americanos e depois pelos imigrantes europeus. Apesar de diversos sociólogos urbanos e historiadores utilizarem as mesmas categorias de análise para as duas experiências, as principais cidades latinas são radicalmente diferentes em sua organização econômico-espacial.
O caso da cidade de Los Angeles é emblemático, já que representa uma nova organização do espaço urbano determinada pela complexa divisão étnica do trabalho. Os anglo-saxões tendem a se concentrar na administração do setor privado e na indústria do entretenimento. Os asiáticos ocupam postos de profissionais liberais ou em alguns setores industriais; os afro-americanos trabalham em empregos públicos e os latinos em serviços e indústrias de mão de obra intensiva. Nova York, ao contrário, mantém uma classe trabalhadora mais multiétnica que Los Angeles, enquanto Miami tem um grupo importante de capitalistas com sobrenomes latinos.
Los Angeles se distingue de outras grandes metrópoles pelo peso econômico das interações diárias entre asiáticos e latinos, motivo pelo qual o espanhol já se converteu na segunda língua obrigatória dos asiáticos, superando o inglês. Considerando o número de latinos residentes na área metropolitana de Los Angeles, é possível concluir que a conquista da Califórnia, levada a cabo pelos anglo-saxões em meados do século XIX, pode vir a ser vista, analisada historicamente, como um fenômeno transitório.
Os latinos estão levando novos ares aos subúrbios norte-americanos. Em muitos casos, conseguem se transformar em proprietários de suas moradias, graças às hipotecas que, amiúde, consomem as baixas rendas de três a quatro adultos membros da família. Muitas das moradias são reformadas com a utilização de elementos estéticos característicos dos lugares de origem de seus habitantes, como cores fortes e cactos, o que revitaliza as vizinhanças degradadas. Entretanto, esse processo está entrando em conflito com as leis e regulamentos urbanos, como os códigos de edificação. Há normas que chegam a criminalizar essas iniciativas, favorecendo a construção de complexos habitacionais populares, em detrimento das moradias unifamiliares.
Essa situação expressa um conflito pelo uso do espaço urbano em que os micro-empreendimentos dos latinos são aplaudidos na teoria, mas perseguidos na prática. Embora a divisão entre áreas residenciais e áreas comerciais seja irrelevante para os trabalhadores do setor de serviços, que podem exercer suas tarefas em casa, como desenhistas gráficos, analistas de sistemas etc., há punição para pequenos empreendimentos comerciais instalados em moradias, como oficinas de conserto de automóveis, cabeleireiras etc., com os quais os latinos costumam complementar seus rendimentos.
Assim, os latinos lutam para reestruturar a “fria” estética geométrica da velha ordem espacial, incorporando uma concepção urbana mais “quente” e exuberante. Em todas as culturas latino-americanas, a reprodução da latinidade pressupõe a utilização do espaço público, já que a socialização se constrói através do intercâmbio diário em lugares como a praça e o mercado. Os latinos e seus filhos utilizam os parques, as praças, as livrarias e outros locais públicos (espaços ameaçados de extinção nos EUA) talvez mais que qualquer outro grupo da população, demonstrando uma capacidade original de transformar espaços urbanos mortos em lugares de convivência social. Os latinos estão se tornando um dínamo que ilumina novamente os espaços mortos de muitas cidades norte-americanas.
Construindo a identidade latina
Ser latino nos Estados Unidos pressupõe a construção de uma identidade, processo que não deve ser compreendido apenas como de sincretismo cultural. Essa construção de identidade é a instalação de um modelo de transformação que afeta toda a sociedade. O conceito de latinidade, como enfatizado por Juan Flores, não tem nada a ver com a indeterminação estética do pós-moderno. É uma prática, mais que uma mera representação da identidade latina. Os latinos constroem sua política cultural como um autêntico movimento social. Como afirma Octavio Paz ao definir a mexicanidade, ser latino “não é uma essência, mas uma história”. Uma história que, é possível acrescentar, será amplamente construída durante a próxima geração.
A construção da latinidade assume um significado geopolítico, considerando que os latino-americanos residentes nos EUA constituem na atualidade a quinta “nação” da América Latina. Como as atuais grandes cidades norte-americanas possuem as mais diversas mesclas de culturas latino-americanas, parecem destinadas a ocupar um papel central na nova configuração das identidades do continente.
A construção da identidade latina em território norte-americano é, entretanto, mais complexa, porque em cada uma das três cidades que reivindicam ser a “capital da América Latina” nos EUA (Los Angeles, Nova York e Miami), as receitas de latinidade incluem ingredientes nacionais específicos. Os variados elementos das identidades anteriores dos imigrantes, incluindo férreas lealdades subnacionais, regionais e locais, assim como as profundas divisões ideológicas entre subculturas religiosas e seculares radicais, são estrategicamente utilizadas (frequentemente de forma simplificada) frente às reivindicações e pressões de outros grupos similares, gerando conflitos entre “etnias” latinas. E essas identidades étnicas não são necessariamente estáveis, sofrem modificações ao longo do tempo.
A formação da identidade latina sofre forte influência do contexto regional específico onde se dá, do grupo nacional ou étnico que controla, nessa ou naquela cidade, dos sistemas midiáticos e simbólicos. A programação das quinhentas estações de rádio e das redes de televisão que transmitem em espanhol em geral não reflete a heterogeneidade cultural dos latinos em toda sua dimensão. Vários grupos lutam para manifestar suas identidades particulares, como é o caso dos equatorianos e nicaraguenses, que enfrentam frequentemente a hegemonia de cubanos e mexicanos, por exemplo.
Em algumas cidades, como Nova York, não existe um único grupo dominante. Isso incentiva o intercâmbio cultural e se manifesta no sabor tropical da comida, da música, da moda etc. Essas expressões presentes na vida cotidiana colocam-se como alternativas à hegemonia da cultura norte-americana. Certos autores consideram que a cultura latina já está indissoluvelmente incorporada à cultura hegemônica, dentro do complexo intercâmbio transcultural entre a velha e a nova América. O crescimento dos “latinos agringados”, consumidores de hambúrgueres e futebol americano, tem como contrapartida a emergência de “gringos hispanizados”, encantados com os chiles e o merengue.
Desqualificando o espanhol
O espanhol é a segunda língua mais falada nos EUA e sua vitalidade se expressa no grande número de meios de comunicação nesse idioma. Quatro cadeias de televisão aberta e três a cabo transmitem programação em espanhol. Tem também forte presença na internet, no meio radiofônico (578 emissoras de rádio AM e FM) e na imprensa escrita. Há jornais diários respeitáveis nas três cidades com maior concentração de latinos: Los Angeles (La Opinión), Nova York (La Prensa) e Miami (El Nuevo Herald). Além disso, existem cerca de 1.500 publicações, entre pequenos diários e semanários, e quarenta revistas mensais em espanhol. E grandes revistas também publicam versões em espanhol, como a Time0, a Newsweek, a People e a Vanity Fair (Vanidades). Atores, esportistas e políticos aparecem nos meios de comunicação de massa falando em espanhol, para seduzir consumidores e eleitores.
Nos últimos anos, há uma tendência a se desqualificar a língua espanhola, contrariando a ideia geral de que, num mundo globalizado, o bilinguismo constituiria uma vantagem competitiva. Em muitas escolas norte-americanas, crianças que falam espanhol têm sido consideradas portadoras de deficiência. Uma campanha recente demoniza o bilinguismo, considerando-o a causa do fracasso escolar dos estudantes latinos.
Há uma grande confusão entre os norte-americanos sobre a relação entre idioma, nacionalidade e cidadania. Apesar da crença de que os fundadores da nação estabeleceram o inglês como língua oficial, a diversidade linguística floresceu nos EUA graças a diversas ondas migratórias. Ao longo da história, já houve várias tentativas de impor o inglês como única língua aos imigrantes, como forma de “americanizá-los” e, ao mesmo tempo, controlar a suposta ameaça da integração de estrangeiros à cultura local.
No centro dessa discussão encontra-se a educação bilíngue, atacada fortemente pelos defensores do english-only. Como afirma Alicia Rodríguez, essa política tem conseguido que muita gente acredite que a educação bilíngue limita o rendimento dos alunos na aprendizagem do inglês, quando, na realidade, a maioria dos problemas ligados a esse tipo de educação se devem a falhas como a falta de professores capacitados.
Muitos dos políticos latinos eleitos são bastante tímidos, ou interessados em não perder o voto dos não hispânicos, para promover abertamente a ideia de que o bilinguismo é uma solução e não um problema. Independentemente dessa discussão, as projeções indicam que o espanhol ganhará terreno nos próximos anos devido aos fluxos migratórios e ao alto índice de crescimento demográfico da população latina.
Os latinos e a vida política
A queda de renda e do grau de instrução tem levado as comunidades latinas norte-americanas a buscar um maior poder econômico e político. Milhões de latinos em idade de votar estão excluídos da possibilidade de participar das eleições. Em alguns distritos de Los Angeles, por exemplo, dois terços dos adultos não são eleitores e a porcentagem de votantes não supera 2% da população.
O exemplo de Los Angeles ilustra por que os latinos estão significativamente sub-representados nos cargos públicos da maioria dos estados. Em Dallas, onde as crianças com sobrenomes latinos constituem 51% da população estudantil, os latinos têm 1 membro no conselho escolar, enquanto os brancos (12% dos estudantes) têm 5 postos. Embora com peso demográfico similar ao dos afro-americanos, os latinos têm apenas 18 cadeiras no Câmara, contra 37 dos afro-americanos, e nenhum representante no Senado.
A marginalização dos latinos da vida política, no entanto, parece estar chegando ao fim. De fato, o processo de naturalizações de estrangeiros entrou em colapso devido a um boom de solicitações por parte de asiáticos e latinos. O aumento vertiginoso nos pedidos de naturalização decorria da decisão do Congresso mexicano de aceitar a dupla nacionalidade de seus cidadãos. Em 1997, tornaram-se cidadãos dos EUA 255 mil imigrantes mexicanos, mais do que o dobro do último recorde de nacionalização de imigrantes de uma única origem estabelecido pela comunidade italiana em 1944 (106.626 naturalizações). Embora os latinos constituam somente 7% do eleitorado, sua importância decorre do fato de que seus votos estão concentrados estrategicamente nos quatro estados que mantêm o controle do Colégio Eleitoral: Califórnia, Texas, Flórida e Nova York. Em consequência disso, os candidatos à presidência começam a desenferrujar o espanhol estudado na escola secundária, na tentativa de ampliar sua base eleitoral entre a comunidade latina.
Bibliografia
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