Chama-se desindustrialização o processo de desmonte das plantas industriais, levado a efeito na América Latina quando esta foi induzida a abandonar o projeto de substituição de importações, para adequar-se às exigências do capitalismo globalizado. O projeto substitutivista orientou o desenvolvimento econômico do continente entre 1930 e 1970 e as políticas do desenvolvimentismo. Foi abandonado devido à subordinação ao neoliberalismo, o que expôs as indústrias às assimetrias internacionais.
O processo de subordinação aos ditames neoliberais ocorreu em duas grandes etapas, nem sempre dispostas na mesma sequência em todos os países. A primeira decorreu da drástica elevação das taxas de juros nos Estados Unidos pelo presidente Ronald Reagan. Para não perder competitividade na atração de investimentos, os países latino-americanos foram forçados a elevar a patamares ainda maiores suas taxas de juros, o que desarticulou a estrutura de suas dívidas externas e comprometeu os saldos comerciais nacionais com o pagamento de juros. A segunda etapa foi detonada pelo Plano Brady, que desarticulou a estrutura protecionista que havia amparado a substituição de importações. Isso forçou a adoção de uma macroeconomia deletéria para a manutenção da competitividade, com medidas como o câmbio sobrevalorizado – que levou à ruína economias como a do Brasil, entre 1999 e 2000, e a da Argentina, em 2002 –, as elevadas taxas de juros e as restrições progressivamente maiores ao crédito, atravancando o crescimento econômico.
A desindustrialização pode ser percebida pela redução da participação da indústria latino-americana no PIB industrial mundial e nos PIBs regional e nacional, ou seja, pela retração dos seus segmentos que proporcionam maior valor agregado. A redução do peso da indústria nos PIBs regional e nacional, ao contrário do que ocorreu nos países centrais, não deu lugar a um setor de serviços de alta qualidade, mas apareceu associada à desarticulação da ciência básica e à preservação do subdesenvolvimento científico e tecnológico. Essa falta de articulação entre indústria e ciência, na América Latina, acarretou impactos profundos sobre a estrutura do emprego, fazendo com que a avançada revolução científico-tecnológica agravasse a questão social no continente.
A queda da indústria no PIB dos países
Os dados sobre o fenômeno da desindustrialização em escala mundial ainda são raros e inconclusos, mas os indicadores nacionais são bastante expressivos. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), no Brasil, a indústria manufatureira representava 33,6% do PIB, em 1980. Desde então, sua participação passou a cair e a trajetória descendente acentuou-se na década de 1990. A participação da indústria já havia caído para 28,4% no ano de 1990. Em 2000, a indústria passou a representar somente 19,8% da produção nacional.
A década de 1990 também registrou um significativo declínio da indústria da Argentina, o que mostra o papel deletério do comércio exterior para a atividade industrial. Em 1980, a indústria argentina representava 27,9% do PIB, valor que, em 1990, caíra para 25,2%, e, em 2000, atingira sua cifra mais baixa: apenas 16,7%.
Ainda que em ritmo mais suave, o caso chileno também é ilustrativo da acentuada desindustrialização nos anos 1990. A manufatura do Chile passou de 21,7% para 17,4% do PIB entre 1990 e 2000, situando-se, em termos relativos, acima da indústria argentina, submetida a mais de uma década de currency board.
O México é o país latino-americano que apresentou melhor desempenho no setor manufatureiro, refletindo a atuação das maquiladoras, que pagam salários, em média, equivalentes à metade do setor industrial voltado para o mercado nacional. A indústria mexicana representava 22,1% do PIB em 1980 e sofreu uma pequena queda, atingindo 21,2% em 2000.
O decréscimo do valor agregado
A indústria reduziu a proporção de sua participação no PIB e no mercado de trabalho, apesar do incontido processo de urbanização, gerando mais desemprego e problemas sociais nas cidades. Além disso, dentro da indústria, os setores de maior valor agregado diminuíram sua participação no PIB industrial.
Entre 1980 e 1990, segundo a CEPAL, o segmento metal-mecânico diminuiu sua participação no PIB industrial brasileiro de 24,7% para 21,3% e, no argentino, de 25,7% para 17,6%, entre 1980 e 1996. No Chile a queda foi de 18,9 para 12,7% neste mesmo período.
O México, também neste caso, foi uma exceção na América Latina. A participação de seu setor metal-mecânico na produção industrial cresceu de 24,7% em 1980 para 28% em 1997, refletindo novamente o desenvolvimento da indústria maquiladora.
Os efeitos deletérios do neoliberalismo sobre os segmentos de tecnologia de ponta na região são confirmados quando se analisa o desempenho da indústria de informática brasileira. A produção nacional apresentou um crescimento anual negativo entre 1989 – ano do pico da produção da reserva de mercado – e 1998. Nesse período o setor apresentou variação de –1%, e o déficit comercial do complexo eletrônico, que reúne os produtos de informática, telecomunicações, eletrônica de consumo e componentes, foi de 23% ao ano, entre 1992 e 2000.