Zapatismo

Movimento formado por camponeses-indígenas de quatro etnias maias (choles, tzeltales, tzotziles, tojolabales) localizadas no Estado de Chiapas no México. Tem laços estreitos com o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que representa a continuidade histórica da vertente radical da Revolução Mexicana encabeçada por Emiliano Zapata. O neozapatismo irrompeu na cena contemporânea e diante da opinião pública nacional e internacional em 1° de janeiro de 1994, justamente a data em que entrou em vigor o neopan-americanista Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA) que as empresas transnacionais e os governos do México, dos Estados Unidos e do Canadá acordaram implementar.

Um dos antecedentes mais próximos da insurreição e do levante zapatista e dos povos camponeses-indígenas foi a reforma do Artigo 27 da Constituição em janeiro de 1992, implementada pelo presidente Carlos Salinas de Gortari. Destinava-se a privatizar o ejido (terras de propriedade coletiva) mexicano com o fim de favorecer o livre funcionamento do NAFTA em benefício dos grandes capitais estrangeiros e nacionais. Essa iniciativa provocou uma série de levantes e mobilizações no país, nos quais se destacaram o EZLN e suas forças civis, políticas e militares.

O contexto de tal implementação, assim como da irrupção zapatista, foi o da desaceleração da economia nacional na primeira metade dos anos 1990. A crise alcançou seu nível mais profundo no final de 1994 e no curso de 1995, quando ocorreu um crescimento negativo próximo a 7%. A recuperação do Produto Interno Bruto do México em 1996 (4,5%) obedeceu a três causas: ao regresso dos capitais externos depois da crise financeira do final de 1994, ao grande dinamismo das exportações e à moderada reanimação da demanda interna. Apesar da recuperação, o produto por habitante contraiu-se em 1% em relação a 1980, golpeando com força as classes trabalhadoras, os camponeses, os indígenas, ou seja, a maioria da população. A deterioração social agravou-se com a aplicação das políticas neoliberais de ajuste estrutural e de austeridade impulsionadas pelos governos neoliberais subsequentes de Ernesto Zedillo (1994-2000) e de Vicente Fox (2000-2006).

Etapas da luta

Podem-se assinalar quatro fases ou momentos históricos do zapatismo contemporâneo. Primeira, a que começou após a insurreição de 1° de janeiro de 1994 e terminou com a assinatura dos Acordos de San Andrés Larráinzar entre o governo federal e o EZLN em 16 de fevereiro de 1996. O significado profundo dos Acordos consistia no reconhecimento, por parte da sociedade, do governo e da comunidade internacional, da existência das comunidades indígenas mexicanas. Nessa etapa, o EZLN conclamou a criação dos famosos e alternativos Águasquentes, que eram enormes auditórios acondicionados para receber os visitantes desejosos de aproximar-se do movimento. Atuaram como centros de resistência nos quais participaram indivíduos, agrupamentos e organizações sociais e políticas de apoio, desenvolvendo múltiplas atividades culturais, de discussão e diálogo entre os participantes, as comunidades e os membros do EZLN. Destaca-se a realização no Águasquentes de Oventic, Chiapas, do Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo, celebrado entre 27 e 30 de julho de 1996 com a participação de aproximadamente 5 mil pessoas provenientes de 42 países.

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A líder Zapatista Comandanta Ramona, que faleceu em janeiro de 2006 (Heriberto Rodriguez/Wikimedia Commons)
Outro fato fundamental dessa etapa foi a concentração de milhares de indígenas na praça principal da Cidade do México, em 12 de outubro de 1996. A comandanta Ramona do EZLN pronunciou um discurso que terminou com a significativa frase: “Nunca mais um México sem nós”, marcando a essência do movimento neozapatista. Além disso, em demanda do cumprimento dos Acordos de San Andrés e contra a militarização das comunidades indígenas, o EZLN convocou em setembro de 1997 a grande marcha dos 1.111 povoados zapatistas, desde Chiapas até a Cidade do México.

Um ano depois, em resposta, o governo de Zedillo, em 8 de fevereiro de 1998, apresentou a Iniciativa de Lei sobre Direitos e Culturas Indígenas para abafar a proposta da Comissão de Concórdia e Pacificação (Cocopa) e os Acordos de San Andrés. Além de repudiar a iniciativa governamental, o EZLN iniciou uma mobilização em direção à Cidade do México para apresentar suas reivindicações. A primeira era o cumprimento dos Acordos de San Andrés, concretamente a transformação em lei da iniciativa elaborada pela Cocopa. Redigida em novembro de 1996, a Iniciativa de Reformas Constitucionais sobre Direitos e Cultura Indígena propunha o reconhecimento, por parte da Comissão Legislativa do Congresso da União para o Diálogo e a Conciliação para o Estado de Chiapas, integrada por um representante do Poder Executivo e outro do Poder Legislativo do Estado de Chiapas, dos acordos entre o EZLN e o governo federal. Também eram reivindicadas a libertação de todos os zapatistas presos em cárceres de Chiapas e em outros estados mexicanos e a total desmilitarização das zonas zapatistas. Conhecidas como Três Sinais, essas demandas foram encaminhadas formalmente anos depois ao governo federal no comício de 21 de março de 2001 na Cidade Universitária da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).

Diante do descumprimento dos Acordos por parte do governo, se abriu a segunda fase, que se estendeu até 2001. Em 25 de abril desse ano, atuando contra os interesses das comunidades indígenas do país, o PRI, o PAN e o PRD impediram a concretização dos Acordos. A Câmara de Senadores aprovou um projeto de reforma constitucional contrarrevolucionário em matéria indígena, elaborado pelos senadores desses três partidos políticos e que de fato ignorou os acordos. O EZLN rejeitou a Lei sobre os Direitos e Cultura Indígenas aprovada pelo Senado e pela Câmara dos Deputados e anunciou que não reiniciaria o diálogo de paz com o governo para solucionar o conflito de Chiapas. A lei aprovada, argumentou o EZLN:

[…] trai a iniciativa original nos pontos substanciais da autonomia e livre determinação dos povos índios como sujeitos de direito público e o uso e desfrute dos recursos naturais em seus territórios […] a reforma impede o exercício dos direitos indígenas e representa uma grave ofensa aos povos índios.

A outra campanha

Então, se abriu uma terceira etapa da luta zapatista, que terminou com a proclamação da Sexta Declaração da Selva Lancadona, em junho de 2005. O documento apareceu depois do levantamento do Alerta Vermelho (11 de julho de 2005) decretado pelo EZLN em resposta às provocações do governo de invadir os territórios zapatistas. Além de ser uma iniciativa de romper o cerco político-militar do governo e dos grupos paramilitares, a mobilização desdobrou-se na implementação da Outra Campanha − que deu início à quarta etapa da trajetória do EZLN.

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Integrantes do Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN), no México (Wikimedia Commons)
A Outra Campanha surgiu como uma necessidade histórica e organizativa impulsionada pelo EZLN. Outra, porque não era eleitoral; seu âmbito pela primeira vez ia além do campesinato-indígena zapatista e mexicano para incorporar o conjunto das classes sociais exploradas do México, mediante a construção de um projeto alternativo de nação através da promulgação de uma nova Constituição Política do Estado-Nação Mexicano. O sentido geral da proposta do EZLN consistia em reconstituir a nação mexicana mediante a promulgação de uma nova constituição baseada nos interesses e nas necessidades econômicas, sociais, políticas e culturais da maioria do povo explorado e nos princípios de democracia desde a base, igualdade, justiça social e em novas relações sociais anticapitalistas e antineoliberais. Tão importante é esse processo que até 2 de outubro de 2005 tinham-se registrado na Outra Campanha 64 organizações de esquerda, 168 grupos sociais, 464 associações não governamentais e 1.898 pessoas de praticamente todo o país.

A Outra Campanha começou em janeiro de 2006 em Chiapas com o objetivo de percorrer todo o México em caravana até junho, antes das eleições presidenciais de julho.

O movimento zapatista é um dos inúmeros movimentos sociais existentes no México em 2015 e o mais emblemático registro de socialização do poder e de articulação contra o conservadorismo. Dele participam mais de 600 organizações: camponesas, indígenas, estudantis, sindicais, entre outras, formando uma rede de cooperação.

O subcomandante Marcos continua à frente do movimento. Ele é o porta voz de um modelo de democracia direta e radical experimentado pelas cerca de 150.000 pessoas estabelecidas em cinco cidades da região de Chiapas. Essa população vive do cultivo de subsistência (café, feijão, milho, chilli), vende o excedente para arrecadação de fundos e exerce cotidianamente a autogestão, o que inclui um sistema próprio de saúde, de justiça e de educação. As escolas das comunidades zapatistas, por exemplo, seguem uma metodologia particular de ensino, que inclui aulas do idioma maya.

No total, são 27 municípios autônomos rebeldes - os Marez - formados por centenas de pequenas comunidades articuladas em cinco caracoles: La Realidad, La Garrucha, Oventic, Morelia e Roberto Bairros. Cada comunidade é governada por uma junta de buen gobierno.

Nos últimos anos, o movimento, por meio da internet, estabeleceu conexões com ativistas e simpatizantes no mundo todo, divulgando sua luta ideológica. Os zapatistas não ambicionam tomar o poder, mas querem ser uma força política, uma potente resistência contra o neoliberalismo e uma nova alternativa de sociedade.

Em dezembro de 2012, poucos dias depois da posse do presidente Peña Nieto, do PRI, o Exército Zapatista de Libertação Nacional organizou uma passeata em Chiapas que reuniu 40 mil pessoas. Elas marcharam em completo silêncio pelas ruas dos municípios de Ocosingo, San Cristóbal de Las Casas, Palenque, Altamirano e Las Margaridas. Depois da passeata silenciosa, o subcomandante Marcos divulgou um alerta: “Escutaram? É o som de seu mundo desmoronando e do nosso ressurgindo”. Em suas declarações públicas, o subcomandante reafirma o posicionamento zapatista de lutar pela reforma agrária e por direitos igualitários.