Tite Curet Alonso, Catalino

Guayama (Porto Rico), 1926 - Baltimore (Estados Unidos), 2003

Catalino “Tite” Curet Alonso nasceu em um povoado produtor de cana-de-açúcar do sudeste de Porto Rico e foi criado no proletário bairro operário de Santurce, na capital. Foi o compositor que melhor expressou a vida, os sentimentos, a história e as utopias da cultura popular urbana caribenha durante as profundas transformações experimentadas na segunda metade do século XX, com a mudança do mundo agrário ao urbano e moderno, atravessada por maciças migrações aos centros metropolitanos. Com o nova-iorquino-latino Tito Puente, foi o único porto-riquenho incluído na listagem do jornal madrileno ABC dos cem mais importantes forjadores do primeiro milênio da humanidade.

“Tite” foi fundamentalmente um autodidata, não obstante ter realizado estudos universitários em diversas disciplinas: ciências sociais, jornalismo e farmácia. Nunca se considerou um músico profissional; trabalhou toda sua vida como empregado dos correios, principalmente como carteiro. Representou – melhor que ninguém na música – a necessidade de romper a dicotomia classista entre o “culto” e o “popular”, como parte de uma longa e importante tradição pouco reconhecida na história do Caribe, em que setores de negros e mulatos livres – especialmente como trabalhadores hábeis (mestres artesãos) – foram se convertendo, com esforço e perseverança, em parte das camadas mais cultivadas da sociedade colonial. O escritor Manzano, o pintor ­ Wifredo Lam e o poeta Plácido, em Cuba, o maestro Rafael Cordero, o compositor e músico Morel Campos e o pintor Campeche, em Porto Rico, são alguns de seus mais exemplares expoentes históricos.

Padrões “latinos” e valores gerais

“Tite” viveu outra importante transformação no âmbito da música: de expressão dos bairros como parte de uma sociabilidade comunal – nas ruas, nos cafés, nas praças e esquinas – para música de reprodução maciça em discos e outras formas de mídia, com o fundamental intermediário do espetáculo em clubes, hotéis e cabarés. Suas composições se movem entre esses diversos contextos, exemplificando a maleabilidade criativa de uma cultura popular de fortes raízes formativas, aguda receptividade e disposição à mudança e à inovação. Sua música representa, finalmente, uma feliz conjunção entre o valor do particular e a riqueza do universal. Ainda que se refira a sociabilidades muito concretas dos bairros, expressa sensibilidades de padrões culturais considerados nacionais, “latinos” (no duplo sentido de latino-americano e latino da emigração), e de valores humanísticos gerais. Entusiasta do jazz, da música “clássica” e da brasileira, assim como de diversas músicas tradicionais da América (o vallenato , a cumbia , o tamborito etc.), “Tite” soube incorporar sonoridades e práticas dessas tradições a uma música profundamente enraizada na tradição afro-antilhana da bomba, da plena, do aguinaldo, da guaracha, do bolero e do guaguancó.

Experimentou com sucesso diversos gêneros, mas ficou principalmente conhecido internacionalmente por seus boleros e como o mais importante compositor de salsa. Compôs canções para muitos dos mais importantes cantores da música “tropical” de sua geração, na tradição da “composição aberta” das músicas “mulatas” da América, ou seja, estimulando a improvisação criativa do cantor e dos instrumentistas para o enriquecimento da composição resultante. Entre suas centenas de composições destacam-se os boleros “Puro teatro”, “Carcajada final e La gran tirana”, popularizados por La Lupe (e utilizados por Pedro Almodóvar em suas mais célebres produções); “Tiemblas”, para Tito Rodríguez, e “Mi triste problema”, para Cheo Feliciano; suas salsas “Las caras lindas de mi gente negra”, “La perla” e “De todas maneras rosa”, para Ismael Rivera (Sonero Maior); “Periódico de Ayer”, “Barrunto”, “Piraña”, “La Maria”, e “Juanito Alimaña”, para Hector Lavoe, com a orquestra de Willie Colón; “Plantación adentro”, para Rubén Blades, também com a orquestra de Colón; e “La palabra adiós”, para Blades com a “Fania all star”, “El hijo de Obatalá”, para a orquestra de Ray Barreto; “Huracán”, para a orquestra de Bobby Valentín; “Isadora” (Duncan), para Celia Cruz; “La essencia del guaguancó” e “Primoroso cantar”, para a orquestra de Johnny Pacheco; “La cura”, para Franky Ruiz, “Juan Albañil” e “Anacaona”, entre muitíssimas, para Cheo Feliciano; e as plenas “Pena de amor”, “Tinguilikitín” e “La humanidad”, para Mon Rivera, com a orquestra de “Willie Colón; “Pa’ los caseríos”, para o combo de Cortijo; e “Ondea bandera” para o grupo Atabal com Los Papines, de Cuba.

Sonhos de esperança

As composições de “Tite” são em geral contestatórias e utópicas. Representam sonhos de liberdade e democracia. Protestam, mas não de forma acre, e sim alegre; alegria que se nutre da esperança de que as coisas mudarão. São também um amoroso chamado à comunhão na esperança e um apelo à contribuição de cada um em um processo necessariamente compartilhado. Não são composições políticas em um sentido estreito, mas sim canções de preocupação social baseadas no cotidiano. Como bem expressou em uma entrevista: “canção social é também um tema amoroso que desvela o conflito dos sentimentos em uma sociedade que praticamente nos castra para o amor, ou pelo menos tenta”.

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