Patagônia

Extremidade austral do continente americano, a Patagônia situa-se ao sul do paralelo 40°, sendo a superfície de massa continental que mais avança rumo ao polo Sul e à Antártida. A soberania territorial é compartilhada entre Argentina e Chile, cuja fronteira se estende no sentido Norte–Sul sobre os mais altos cumes divisores de águas da Cordilheira dos Andes. Ao sul, separado pelo estreito de Magalhães – que permite a passagem entre os oceanos Atlântico e Pacifico –, está o arquipélago da Terra do Fogo, cujo extremo sul, o Cabo de Hornos, está a 1.100 km da Antártida.

Vista do lago Pehoé e Los Cuernos, no Parque Nacional Torres del Paine, na Patagônia chilena (Creative Commons)

Características físicas

Ao sul do paralelo 40°, o globo terrestre é circundado por um anel de ventos tempestuosos, soprando no sentido oeste–leste, provocados pela rotação terrestre. Foram batizados pelos marujos ingleses como the roaring forties. A presença permanente desses ventos define a particularidade climática da Patagônia, única massa continental que encontram em seu caminho.

Do ponto de vista físico, a Patagônia é composta de três regiões ou biomas. O primeiro lugar é o extremo austral da Cordilheira dos Andes, que margeia o oceano Pacífico ao longo de uma costa de perfil atormentado. A umidade que os ventos trazem do Pacífico fica nessas montanhas, onde se registra um enorme nível de precipitações (4 mil mm anuais em algumas áreas) e crescem os únicos bosques frios do hemisfério sul (bosques subantárticos). Existem ali 300 lagos: 111 vertem suas águas no Pacífico, 99 no Atlântico e 90 constituem bacias fechadas. Agregando-se os 4 mil km² de gelos continentais e geleiras, conclui-se que há ali uma importante reserva planetária de água doce.

Do outro lado da Cordilheira, os ventos prosseguem já secos, atravessando uma planície de estepes que constitui um segundo bioma patagônio, e que acaba em uma costa escarpada (terceiro bioma), onde a monotonia e sequidão da paisagem contrastam com a abundante biodiversidade marinha. A planície está sulcada por alguns rios importantes, o mais longo dos quais – e que forma o limite norte da planície – é o Colorado, além do Negro e do Santa Cruz. Os oásis desses rios favoreceram os assentamentos humanos e a produção de frutas.

História

Descobertas recentes informam sobre a biodiversidade existente em épocas pré-históricas, o que faz da Patagônia um campo privilegiado para as investigações paleontológicas. Em Arroyo Verde, no Chile, encontraram-se restos de assentamentos humanos de 13 mil anos de antiguidade.

Os povos originários americanos foram, no momento da chegada dos espanhóis, os mapuches no lado oeste da Cordilheira, os pehuenches no lado leste, os puelches na região que ao nordeste se transforma nos pampas, os tehuelches na estepe e os onas, yaganes e alakufes, povos pescadores, nas costas do Pacífico e da Terra do Fogo. Esses povos nunca foram dominados pelos espanhóis, que só realizaram reconhecimentos eventuais e uma escassa ocupação.

A submissão dos povos indígenas e a ocupação efetiva do território patagônio aconteceram por conta dos Estados independentes da Argentina e do Chile. As maiores operações militares realizaram-se no período 1879-1884, no norte do território, e foram comandadas por Julio Roca, na Argentina, e Cornelio Saavedra, no Chile.

As atividades colonizadoras começaram na década de 1850, com o estabelecimento de uma colônia de galeses em Chubut, que existe até a atualidade. Não obstante, o padrão de ocupação territorial foi a grande propriedade – com o latifúndio de carneiros, muitas vezes de propriedade inglesa, como unidade típica. A densidade demográfica da Patagônia sempre foi extremamente baixa.

O maior conflito social registrado nessa região foram as greves dos trabalhadores das estâncias de Santa Cruz, em 1920-1921, reprimidas de forma sangrenta pelo Exército argentino. A memória dessa luta foi registrada no livro La Patagonia trágica, de José María Borrerro, testemunha ocular dos fatos. Esse relato foi minuciosamente reconstruído por Osvaldo Bayer em Los vengadores de la Patagonia trágica (Buenos Aires: Galerna,1980).

Vista da Laguna Oneli, no Parque Nacional Los Glaciares, na Patagônia argentina (Creative Commons)

Geopolítica

O caráter de passagem entre dois oceanos e caminho para a Antártida sempre outorgou um papel de importância à Patagônia na geopolítica do Império Britânico, e os navios da Royal Navy – como o Beagle, em que viajou Charles Darwin – foram uma presença constante em suas costas e ancoradouros. Em 1833, uma expedição britânica ocupou as Ilhas Malvinas, no Atlântico, expulsando o governador argentino, fato que está na origem da guerra anglo-argentina de 1982. O auge do comércio do guano peruano incrementou a navegação e, mais tarde, já com navios de metal e vapor, o estreito de Magalhães passou a integrar a rota entre a Inglaterra e Austrália. Na passagem do século XIX para o século XX, houve uma tensão quase bélica entre Argentina e Chile pela delimitação fronteiriça. A importância geopolítica da região em princípios do século XX foi comprovada pelo fato de que os primeiros encontros navais da Primeira Guerra Mundial se desenvolveram em seus acessos marítimos: a batalha de Coronel, em que a esquadra “corsária” alemã do almirante Conde von Spee destruiu uma esquadra inglesa, e a batalha das Malvinas, na qual, por sua vez, os corsários alemães foram afundados por uma nova esquadra inglesa.

Essa importância declinou a partir de 1914, com a inauguração do Canal do Panamá e o peso hegemônico dos Estados Unidos na região do Caribe. Voltou a potencializar-se a partir da década de 1960, quando o tamanho dos navios aumentou, impossibilitando-os de realizar grande parte do comércio internacional pelo Panamá. Configurou-se um cenário de guerra fria, com presença frequente de submarinos russos, um ataque quase bélico entre as ditaduras chilena e argentina, em 1978, e, finalmente, a Guerra das Malvinas (abril/junho de 1982).

Lendas, viajantes e riquezas naturais

Pigafetta, um italiano que acompanhou Fernão de Magalhães, registrou o achado de pegadas humanas que pareciam de gigantes, de onde veio o nome de patagões, para os habitantes do território, e Patagônia, para a região. Desde essa época, a Patagônia foi terreno fértil para a imaginação, a literatura e a utopia. Aparecem referências em Shakespeare (The tempest). São insubstituíveis as observações da viagem de Charles Darwin (Diário de viagem de um naturalista ao redor do mundo, 1833-1834). Alguns jesuítas atravessaram a Cordilheira no norte da Patagônia já no século XIX, e também Julio Verne a incluiu em seus romances. Entre os viajantes argentinos destacam-se o grande explorador Francisco P. Moreno (Viagem à Patagônia austral), Fray Mocho, Roberto J. Payró (A Austrália argentina) e Roberto Arlt (Viagem ao país do vento). Na década de 1920, com a inauguração dos serviços aéreos da Aeroposta Argentina, com pilotos franceses, chegou à literatura o lirismo heroico de Antoine de Saint-Exupéry (Voo noturno). Um viajante mais recente e observador de detalhes, na tradição britânica, foi Bruce Chatwin (In Patagônia), que viajou em 1974.

Dois fatos fantásticos (entre as muitas histórias da Patagônia) merecem ser referidos aqui. Um deles ocorreu em 1860, quando o advogado francês Orélie-Antoine, de Tounens, chegou à região, reuniu-se com chefes indígenas e proclamou-se rei de Araucária e da Patagônia (Orélie-Antoine I). O outro data dos primeiros anos do século XX, época em que o bandido norte-americano Butch Cassidy refugiou-se e envolveu-se em aventuras pela Patagônia.

Território pouco povoado e menos ainda conhecido, a Patagônia acabou integrando-se como uma espécie de colônia interior das sociedades argentina e chilena, como lugar de esperança e utopia no imaginário social e como espaço efetivamente subordinado aos projetos das metrópoles nacionais.

No início do século XX, encontraram-se petróleo na Patagônia argentina (Comodoro Rivadavia) e carvão no rio Turbio. Os recursos patagônios passaram a constituir um predicado estratégico para os projetos de desenvolvimento industrial argentino, atraindo o interesse do setor nacionalista das Forças Armadas. Novas jazidas de petróleo foram encontradas posteriormente no norte (Cutral Có e Neuquén). As grandes empresas públicas argentinas (Yacimientos Petrolíferos Fiscales, Yacimientos Carboníferos Fiscales e Gas del Estado) passaram a ser outra presença característica na configuração social da Patagônia. A partir da década de 1920, com a realização de obras de irrigação, o vale do rio Negro passou a ser um importante produtor de frutas.

Os últimos anos presenciaram dois tipos de conflito. A privatização das empresas estatais argentinas implicou demissões maciças de trabalhadores e a anulação dos serviços sociais que essas empresas ofereciam e que complementavam as perspectivas de vida cotidianas em condições climáticas difíceis. De fato, a experiência argentina dos piqueteiros, que realizam cortes de rotas, iniciou-se em Cutral Có, como protesto pelas demissões produzidas quando da privatização da YPF.

Outro conflito característico, especialmente interessante, está vinculado aos recursos naturais. Em princípios do século XXI, a Patagônia parece ser um lugar privilegiado em uma perspectiva de ecologia política latino-americana. Nos últimos anos, pequenas localidades e comunidades indígenas mapuches mobilizaram-se na Argentina e no Chile em defesa de bosques, lagos e paisagens, ameaçados pela lógica de apropriação e capitalização da natureza. Daniel Blanco e José María Méndez, pesquisadores de El Bolsón, no Rio Negro, vêm realizando um inventário desses conflitos e da história regional.