Rosa, João Guimarães

Rosa, João Guimarães

Cordisburgo, 1908 - Rio de Janeiro (Brasil), 1967

Viveu entre as duas guerras mundiais e em meio a sucessivas crises a partir do declínio da produção cafeeira e das transformações políticas e educacionais no país. Seu universo literário expandiu-se em um amplo conjunto, reconhecido entre os regionalistas da prosa realista de José Lins do Rego, os declaradamente de esquerda, como Jorge Amado, Abguar Bastos, Dionélio Machado e Graciliano Ramos, e os ideo­logicamente de centro, como Marques Rebelo, João Alphonsus e Ciro dos Anjos, que renovaram as formas de escrita a partir dos anos 1930.

Nesse espectro, o escritor, segundo o crítico Alfredo Bosi, criou uma das vertentes da moderna linha de ficção do regionalismo brasileiro, a que “universaliza mensagens e formas de pensar do sertanejo através de uma sondagem no âmago dos significantes”. Reivindicou a tradição dos regionalistas Afonso Arinos, Valdomiro Silveira, Simões Lopes Neto, revolucionando-a e transcendendo-a em busca das raízes metafísicas da criação literária. Seu primeiro livro de contos, Sagarana (1946), surgiu com uma profusão de experimentos linguísticos posteriormente desenvolvidos em Corpo de baile (1956).

Em 1965, participou do Congresso de Escritores Latino-Americanos, em Gênova, onde foi criada a Primeira Sociedade de Escritores Latino-Americanos, da qual era vice-presidente, junto ao guatemalteco indigenista Miguel Ángel Asturias, escritor do qual se aproximava por valorizar a cultura popular. Recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (ABL), pelo conjunto da sua obra, em 1961. Em 1967, assistiu à consolidação do seu reconhecimento internacional, quando seus editores alemães, franceses e italianos pensaram em indicá-lo para o Nobel de Literatura. Sua morte, causada por complicações cardiovasculares, aos 59 anos, interrompeu o processo da premiação.

Pouco antes de morrer, assumira uma cadeira na ABL, decisão adiada desde 1965, porque pressentia que algo trágico acompanharia sua entrada na galeria dos imortais. A história confirmou o presságio. Sua profunda crença nas forças místicas da linguagem integra a concepção metafísica de que são dotados seus livros, como a que se lê na questão do pacto diabólico e no duelo entre o bem e o mal, em que um se mistura com o outro, em Grande sertão: veredas (1956), sua obra mais conhecida e de maior fôlego, com figuras inesquecíveis, como o ex-jagunço e narrador Riobaldo, o chefe Joca Ramiro, o volúvel Zé Bebelo, o maligno Hermógenes e a enigmática personagem Diadorim.

Renovando a estrutura da narrativa, como o fizeram Clarice Lispector, Jorge Luis Borges e José María Arguedas, rompeu com as convencionais fronteiras de gênero e revitalizou a prosa por meio do lirismo e da dramaticidade. Depois de realizar vasto inventário do falar sertanejo e da cultura popular, lançou Tutameia: terceiras estórias (1967), que provocou enorme desconcerto na crítica ao engendrar um texto altamente moderno com velhas tradições.

Sua linguagem nova investiga as dimensões pré-conscientes dos jagunços, das crianças, dos loucos, de personagens marginalizados que se encontram em um tempo e espaço míticos, aproximando-o também de autores que tendem ao realismo maravilhoso, como Alejo Carpentier e Gabriel García Márquez, ou ao fantástico, como Murilo Rubião e Julio Cortázar, ainda que com estilos diversos. Outras obras: Primeiras estórias (1962); Estas estórias (1969).