Marchas do Orgulho

As chamadas marchas ou paradas do orgulho GLTTBI (gay, lésbica, travesti, transexual, bissexual e intersexual) condensam as novas relações entre os diversos grupos e espaços da diversidade sexual na América Latina. O fenômeno das marchas do orgulho surgiu com o próprio movimento homossexual e a opção pela política da visibilidade (coming out). Em 1970, ano seguinte ao da rebelião de Stonewall, em Nova York, símbolo fundador do movimento, realizou-se a primeira Pride Parade, na qual cerca de dez mil pessoas se reuniram na rua Christopher do Greenwich­ Village e marcharam pela Quinta Avenida até o Central Park. No ano seguinte, começariam as marchas em Londres, e assim sucessivamente, estendendo-se às demais capitais europeias e cidades norte-americanas.

16ª Parada do Orgulho Gay de São Paulo, no Brasil, em novembro de 2012 (Mikaele Teodoro/Wikimedia Commons)

No Brasil, o grupo do jornal Nós, por exemplo, editado pelo Núcleo de Orientação em Saúde Sexual do Rio de Janeiro, convocaria nos anos 1992 e 1993 as primeiras passeatas gays, embora poucas pessoas desfilassem pela avenida Atlântica, em ambas as ocasiões. Em 1995, realizou-se a con­ferência Mundial da International­ Lesbian and Gay Association (ILGA), no Rio de Janeiro, que se encerrou com a Marcha pela Cidadania Plena de Gays, Lésbicas e Travestis. Compareceram a esse ato cerca de 3 mil pessoas. Essas manifestações incentivaram a organização de marchas em outras cidades do país.

Parada paulistana

Enquanto no Rio de Janeiro a parada teve um modesto poder mobilizador, reunindo cerca de 100 mil pessoas em 2002, na capital paulista, a participação alcançou números inusitados para uma manifestação política no país: de mais de 20 mil pessoas em 1999, pulou para 300 mil em 2002, chegou a 500 mil em 2003 e a 1 milhão em 2004. Tornou-se desse modo um dos eventos políticos que convocou a maior quantidade de pessoas no Brasil nos últimos anos, e também a maior parada GLTTBI do mundo.

Avenida Paulista completamente tomada na Parada do Orgulho Gay de São Paulo, em novembro 2012 (Mikaele Teodoro/Creative Commons)

Uma conjugação de organização metódica – existe um grupo específico denominado Associação da Parada do Orgulho GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) de São Paulo – e uma excelente política de marketing e de associação tanto com o mercado GLTTBI como com o Estado garante um colorido e populoso espetáculo. A parada se identifica com o Mês de Orgulho GLTB de São Paulo, que consta de uma intensa agenda cultural, política e de lazer. Considerado um dos maiores eventos turísticos da cidade de São Paulo, recebe apoio oficial da Prefeitura e dos Ministérios da Saúde e da Cultura. Mais de 400 mil turistas chegaram à cidade para as passeatas de 2005 e 2006, que convocaram cerca de 2,5 milhões de participantes. Desfilaram personalidades da política, da arte e da cultura do país.

Configura-se desse modo um protesto em termos estéticos, entrelaçado com uma espécie de “mercado militante” que contribui economicamente e participa com publicidade no evento. O público, além das comunidades GLTTBI , inclui organizações políticas, de direitos humanos, familiares e amigos, homens e mulheres heterossexuais, famílias inteiras com seus filhos, que se somam a esse colorido e multifacetado evento estético/político.

Parada Gay na Praça de Maio, em Buenos Aires, na Argentina, em novembro de 2008 (Beatrice Murch/Creative Commons)

Na Argentina, as Marchas do Orgulho começaram a realizar-se em 2002. Mas, à diferença das do resto do mundo, que comemoram Stonewal e ocorrem em 28 de junho, a celebração de Buenos Aires no mês de novembro comemora a criação do Nuestro Mundo (núcleo de origem da FLH), o primeiro grupo homossexual da América Latina.

Diversão e política

O fenômeno das marchas GLTTBI popularizou-se e estendeu-se à totalidade da América Latina e do Caribe. Todas as grandes e médias cidades do continente organizam, em geral, durante o mês de junho, uma Marcha do Orgulho. Mesmo nos países onde existem leis repressoras da diversidade sexual, organizam-se manifestações ou algum tipo de atividade cultural/política em comemoração e como celebração do direito à diferença.

Com forte presença e manifestação das diversas tribos GLTTBI, todos estão ali participando da festa, afirmando-se em termos políticos ou simplesmente se divertindo; manifestando-se muitas vezes na contradição e no paradoxo de adquirir visibilidade na invisibilidade do coletivo, ou seja, para esse momento e não necessariamente para o resto da vida, mas convocados para evidenciar e afirmar esse “algo” que os une ou reúne como um traço do diferente.

Marcha no centro histórico da Cidade do México, no Dia Internacional do Orgulho LGTB, em 30 de junho de 2012 (Ismael Villafranco/Wikimedia Commons)

Além disso, nos últimos anos, surgiram marchas de lésbicas em São Paulo e na Cidade do México, mais abertamente políticas. Também com um caráter contestatório e crítico em relação às marchas e passea­tas, organizaram-se marchas “alternativas”, como a marcha Radikal, no Peru; a Contramarcha, em Buenos Aires; e a Outra Marcha, no Chile. Tais manifestações denunciam o caráter consumista e muitas vezes comercial das marchas ou passeatas institucionalizadas, criticam o que denominam “burocracias” do movimento GLTTBI e, sobretudo, apresentam reivindicações e palavras de ordem políticas de caráter mais radical.

A divulgação do estudo A inclusão importa, realizado pelo Banco Mundial, revelou que 83 países em todo o mundo penalizam a homossexualidade. Dos 143 países que participaram da pesquisa, 128 têm leis que discriminam as mulheres, enquanto muitos possuem normas que formalizam preconceitos contra diversos grupos minoritários.

Na América Latina, na esfera dos direitos civis, o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado na Argentina, no Brasil, no Uruguai e na Cidade do México, a capital mexicana. Brasil, Argentina e Uruguai também permitem a adoção por casais homossexuais. O Brasil, o Peru e o Equador aprovaram ainda leis contra a discriminação.

Ainda assim, a mesma pesquisa do Banco Mundial assinalou que no Brasil, em 2013, a homofobia custou a vida de 312 pessoas – o equivalente a uma vítima a cada 28 horas. No México, foram 400 assassinatos entre 1995 e 2005; e, em Honduras, 186 entre 2009 e 2012.

As marchas contra a discriminação marcaram o ano de 2014 em diversos países. Na Argentina, a 23ª Marcha do Orgulho LGBTIQ (Lésbico, Gay, Bissexual, Transexual, Intersex e Queer) reuniu centenas de pessoas no centro de Buenos Aires em defesa da diversidade sexual. Na Praça de Maio, cerca de 30 organizações que trabalham a favor da diversidade sexual engrossaram o movimento promovendo uma segunda marcha com o lema “Por mais igualdade real: lei antidiscriminatória e estado laico”. No Chile, centenas de jovens se reuniram para celebrar a nona edição da Parada Gay em frente ao Palácio de La Moneda, em Santiago. Os participantes protagonizaram uma verdadeira festa diante da sede do governo chileno, promovida pelo Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh). Em La Paz, na Bolívia, para marcar o Dia do Orgulho Gay e dar apoio ao projeto de lei que prevê a união civil entre pessoas do mesmo sexo, centenas de pessoas foram às ruas reivindicar seus direitos.

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