Uma das mais emblemáticas figuras da esquerda brasileira, Carlos Marighella foi dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), deputado constituinte em 1946 e fundador e principal líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), ao lado de Joaquim Câmara Ferreira, o Velho.
Nascido em Salvador, foi o primeiro de oito filhos de um imigrante italiano, Augusto, com uma negra descendente de escravos hauçás, Maria Rita. Aos dezenove anos ingressou na Escola Politécnica da Bahia, de onde saiu no final de 1933 para se dedicar integralmente à militância revolucionária, no PCB. No ano anterior, envolvido em manifestações contra Juracy Magalhães – interventor nomeado por Getúlio Vargas –, fora preso pela primeira vez.
Destacado militante, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1935. Em 1° de maio de 1936, foi novamente preso e submetido a torturas durante 21 dias. Libertado, transferiu-se no início de 1938 para São Paulo. Sua missão era enfrentar uma crise entre os dirigentes paulistas e o Birô Político.
Em 1939, foi preso pela polícia getulista do Estado Novo, em franca ofensiva contra os comunistas. Permaneceu encarcerado por cerca de seis anos, a maior parte do tempo em Fernando de Noronha e na Ilha Grande, de onde saiu com a anistia de 1945. Nesse ano, os comunistas criaram “comitês democráticos” nas principais cidades, e o PCB cresceu rapidamente em todo o país. Em novembro, o Partido conseguiu seu registro legal e no mês seguinte elegeu um senador – Luiz Carlos Prestes – e catorze deputados, entre eles Carlos Marighella, àquela altura já membro do Comitê Central.
Nas eleições de 1947, o PCB elegeu 46 deputados estaduais, tornando-se o quarto partido em expressão eleitoral. Em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, então capital da República (onde elegeu dezoito vereadores), tornou-se majoritário. Alarmado com o êxito eleitoral do PCB (e alinhado com os Estados Unidos no contexto da Guerra Fria), o governo de Eurico Gaspar Dutra anulou no mês de maio o registro do partido. No ano seguinte, os parlamentares comunistas tiveram seus mandatos cassados.
Marighella passou à clandestinidade após curto período de vida legal em que trabalhou na imprensa, editando a revista Problemas (órgão teórico oficial do PCB). Dedicou-se nesse período à organização do partido – que rompeu com a linha de “união nacional”, passando, fora do parlamento, a privilegiar as lutas pela derrubada do presidente Dutra e posteriormente de Getúlio Vargas.
Divergências
Durante o segundo governo Vargas, Marighella começou a atuar mais diretamente no movimento sindical de São Paulo. Data dessa época o agravamento das diferenças com a direção pecebista. Numa entrevista concedida em 1969 à revista francesa Front, ele declarou que foi em decorrência dessas divergências que, em 1953, foi enviado à China, permanecendo lá até o ano seguinte. Da China ele seguiu para a União Soviética, mas voltou ao Brasil em tempo de participar do IV Congresso do PCB, no final de 1954.
Em 1956, comunistas do mundo inteiro foram surpreendidos com as revelações do Relatório Kruschev sobre os crimes cometidos na União Soviética durante o governo de Josef Stalin. A divulgação desse documento levaria um número considerável de militantes e pelo menos um dirigente – Agildo Barata – a deixar o partido. Marighella permaneceu no PCB.
No Brasil, a conjuntura era outra: sob o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), os comunistas viveram relativa tranquilidade. A mesma coisa ocorreu durante o governo de João Goulart (1961-1964), com o qual o partido estabeleceu estreita colaboração. Com o golpe militar de 1964, que depôs Goulart, Marighella voltou à vida clandestina. Em maio, cercado por policiais num cinema do Rio de Janeiro, resistiu à prisão, levou um tiro no peito – que o atravessou, saiu pela axila esquerda e se alojou no braço esquerdo – e foi preso. Libertado três meses depois, teve prisão preventiva decretada e caiu uma vez mais na clandestinidade. Publicou, em 1965, o que talvez seja seu melhor livro, Por que resisti à prisão, e, em 1966, A crise brasileira, nos quais critica a tática de aliança com a burguesia e defende a guerrilha no campo como forma de pôr fim à ditadura.
Ruptura com o PCB
No primeiro semestre de 1967, Marighella ainda participou em São Paulo da Conferência Estadual do PCB, na qual triunfou – contra a orientação do Comitê Central – a tese de que a derrota do governo militar só se daria pela força. Participou, sem autorização da direção do partido, da conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), em Cuba, e estreitou relações com Fidel Castro, que, ao lado de Ernesto Che Guevara, seria importante referência para sua concepção de luta armada. Disso resultou uma carta de Marighella rompendo com o Comitê Central e afirmando que “ninguém precisa pedir licença para praticar atos revolucionários”.
Em setembro, no processo do VI Congresso, foram expulsos pelo Comitê Central do PCB vários dirigentes, entre eles Marighella, Joaquim Câmara Ferreira (1913-1970), Jacob Gorender (1923-2013), Mário Alves (1923-1970) e Apolônio de Carvalho (1912-2005). Entre eles, porém, existiam graves divergências estratégicas e táticas, e os três últimos fundaram o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Acompanhado por Ferreira, Marighella fundou o Agrupamento Comunista de São Paulo, que, em 1969, passaria a se chamar Ação Libertadora Nacional (ALN). O lançamento do nome ocorreu no manifesto publicado pelos jornais na semana da pátria, uma das exigências feitas pela ALN e pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), além da libertação de quinze prisioneiros, em troca da vida do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, sequestrado pelas duas organizações. A ação foi comandada por Câmara Ferreira e comenta-se na esquerda que Marighella foi surpreendido pela iniciativa.
Marighella, contudo, organizou diretamente diversas ações da guerrilha urbana durante 1968 e 1969. Nesse ano publicou sua obra de maior repercussão, o Minimanual do guerrilheiro urbano. Passou a ser perseguido como inimigo público número 1 pelo governo militar, até que em novembro de 1969 caiu numa emboscada armada pelo delegado da repressão Sérgio Paranhos Fleury: sob tortura, frades dominicanos marcaram encontro com o líder revolucionário numa rua da capital paulista. Esperando por ele, além dos religiosos, estava uma equipe do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), que o recebeu com uma saraivada de balas. O corpo de Carlos Marighella ficou exposto durante a noite do dia 4 de novembro, na altura do número 800 da Alameda Casa Branca, em São Paulo. Seu lugar à frente da ALN – tida como a maior organização armada brasileira – foi ocupado por Câmara Ferreira, morto pela polícia um ano depois.