Calderón Guardia, Rafael Ángel

São José (Costa Rica), 1900 - 1970

Filho de um médico muito conhecido na época, o dr. Rafael Ángel Calderón Muñoz, que também participou da política nacional. Descendente do general Tomás Guardia, figura destacada do processo de construção do Estado nacional e governante entre 1870 e 1882.

Estudou medicina na Europa, como seu pai, primeiro na Universidade Católica de Lovaina e depois na Universidade Livre de Bruxelas, onde se formou em 1927.

Lá recebeu uma forte influência ideo­lógica da doutrina social da Igreja Católica, a partir da encíclica papal Rerum Novarum, de 1891, e do Código Social de Malinas, do cardeal Mercier. Fundamentado nessas fontes, rechaçou o liberalismo econômico e o individualismo, assim como suas principais consequências sociais: a contraposição aguda entre o capital e o trabalho, a miséria e a injustiça em que vivia a classe trabalhadora. Repudiou também o planejamento socialista, por inclinar-se para diferentes modalidades de engrandecimento e exacerbação do papel do Estado. O núcleo de seu pensamento e de sua ação política consistiu em procurar a melhora das condições econômicas e sociais da classe trabalhadora da Costa Rica por meio de leis e instituições básicas, mas sem pretender substituir – pela via da ação estatal exagerada – a atuação das pessoas para superarem-se. Ou seja, estava na base do seu pensamento o fortalecimento da busca individual e coletiva do bem comum.

A introdução do pensamento social-cristão e o governo de Calderón Guardia na Costa Rica da década de 1940 enriqueceram a vida política, que contava com a tradição do liberalismo, com a emergente influência comunista a partir de 1931, ano em que se fundou o Partido Comunista (PC), e com o início da presença de ideias e grupos socialdemocratas, pois a fundação do Partido Social Democrata (PSD) data de 1945.

Pouco depois de seu regresso da Europa, com o título de médico, começou a participar da política, elegendo-se vereador da municipalidade de São José, em 1930. Foi eleito deputado em 1934, reeleito em 1938, e tornou-se presidente da República (1940-1944) como candidato do Partido Republicano Nacional (PRN), com uma vitória esmagadora (mais de 80% dos votos).

Calderón Guardia é reconhecido como “o reformador social da Costa Rica”. Em seu governo – um único mandato como presidente, já que tentou frustradamente ganhar as eleições de 1948 e depois em 1962, quando a democracia se tornou rotina no país –, destacam-se as seguintes conquistas: fundação da Universidade da Costa Rica, em 1940; acordo final de fronteiras com o Panamá; criação da Caixa Costa-riquense de Seguro Social (CCSS) em 1941, dedicada aos seguros obrigatórios de saúde e de velhice, invalidez e morte; introdução de um capítulo de direito e garantias sociais na Constituição e aprovação do primeiro Código do Trabalho, em 1943. Por causa da aprovação dessas leis e de outras ações, Calderón Guardia, que havia chegado à presidência com o apoio da oligarquia cafetaleira, perdeu o apoio desse setor, assim como ganhou a oposição de outros, e buscou respaldo nas bases sociais no Partido Comunista, comandado por Manuel Mora Valverde, e na Igreja Católica, dirigida pelo muito progressista arcebispo de São José, monsenhor Víctor Sanabria Martínez. Em 15 de setembro de 1943 – comemoração da Independência –, num desfile histórico seguido pela promulgação oficial do Código do Trabalho, desfilaram conjuntamente Rafael Ángel Calderón Guardia, Manuel Mora Valverde e Víctor Sanabria Martínez. O governo de Calderón foi criticado também por supostas ações de corrupção e por tentativas de reformar a legislação eleitoral para facilitar a intromissão do Poder Executivo na administração das votações, com risco para a realização de eleições livres e não fraudulentas, tema recorrente em toda a década de 1940.

Calderón Guardia foi sucedido por um homem de seu partido, Teodoro Picado (1944-1948). Durante todos esses anos, as tensões sociais e políticas se incrementaram, agora no novo contexto criado pelo fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e pelo início da Guerra Fria. Para as eleições de 1948, Calderón voltou a se apresentar como candidato, mas foi derrotado por Otilio Ulate, de uma aliança opositora dentro da qual se encontrava o PSD e José Figueres Ferrer, que havia sido derrotado por Ulate numa convenção para escolher o candidato à presidência.

Argumentando irregularidades durante o processo eleitoral, o Congresso, dominado por calderonistas e comunistas, anulou as eleições. Isso provocou o levante em arma de Figueres, que vinha se preparando para tal eventualidade e desejava que ocorresse algo que lhe permitisse irromper na vida política do país com força suficiente para tentar transformar a sociedade em direção a uma economia mista, no contexto de uma democracia representativa. O Movimento de Libertação Nacional (MLN) triunfou na guerra civil de quase seis semanas, iniciada em 12 de março de 1948. Figueres deu garantia aos comunistas de que respeitaria as conquistas sociais dos anos 1940, mas Calderón, Picado e Mora tiveram de se exilar. Uma junta de governo, liderada por Figueres, dirigiu o país por dezoito meses, entre 1948 e 1949, e entregou o poder a Ulate em 8 de novembro desse último ano, dia em que entrou em vigor a Constituição que continua vigente, com emendas. Figueres e o PSD criaram em 1951 o Partido de Libertação Nacional (PLN), que se converteu, a partir de então, na força eleitoral e política mais influente no caminho seguido pelo país durante a segunda metade do século XX.

Calderón Guardia, que inicialmente foi para a Nicarágua (e pouco tempo depois mudou para o México, onde residiu durante os anos 1950), tentou com o apoio do ditador Anastasio Somoza García, mas sem êxito, regressar ao país pela via armada, em 1948, e depois de não concorrer às eleições de 1953, vencida por Figueres, realizou outra intentona similar, em 1955, igualmente fracassada.

O país ficou dividido entre dois polos principais: o liberacionismo (do PLN) e o antiliberacionismo, este último com maioria do calderonismo, mas com os comunistas muito reduzidos e pouco a pouco afastados de seus antigos aliados, ao verem que o PLN desenvolvia uma política muito progressista. Entretanto, os calderonistas se uniram ao grande capital contra o PLN.

Calderón Guardia retornou ao país em 1958, quando o PLN foi derrotado, após o governo Figueres (1953-1958) e depois que entregou efetivamente o poder a Mario Echandi, do Partido de União Nacional (PUN), que foi apoiado por Calderón. Desse modo, se ratificou a vigência da via democrática para a competição pelo poder do Estado. Em 1962, Calderón Guardia, pelo PRN; Francisco Orlich, pelo PLN, e Otilio Ulate, pelo PUN, disputaram a presidência. Esse foi o momento preciso em que se consolidou a democracia representativa na Costa Rica do pós-guerra, quando se enfrentaram todas as forças políticas do ano de 1948, com exceção dos comunistas, sob um contexto democrático renovado. O resultado favoreceu inequivocamente o PLN, mas todos ratificaram de bom grado o caráter livre e não fraudulento do processo eleitoral, o que garantiu a legitimidade do regime político.

Depois de sua derrota, Calderón compreendeu que seria difícil vencer seu inimigo político histórico se disputasse só pelo PRN. Procurou, assim, a partir de 1966, formar coalizões eleitorais com o PUN, com o que efetivamente o PLN foi desalojado do governo até 1970. Mas, nesse ano, o PLN retornaria ao poder para seus primeiros oito anos consecutivos de governo, com Figueres (1970-1974) e Oduber (1974-1978).

Rafael Ángel Calderón Guardia faleceu em 1970. Seu filho, Rafael Ángel Calderón Fournier (1949), herdeiro do capital político do pai e orientado pelo tio, Francisco Calderón, foi se colocando à frente do calderonismo, deu continuidade à política paterna, de procurar coalizões para enfrentar o PLN, e finalmente pôde fundar um partido unido mais forte em 1983 – o Partido da Unidade Social Cristã (PUSC). Com ele, depois de experimentar duas derrotas eleitorais como candidato a presidente, em 1982 e 1986, pelo PLN, foi eleito finalmente presidente para o período 1990-1994. Em 2004, ele e outro ex-presidente saído de seu partido, o dr. Miguel Ángel Rodríguez Echeverría (1998-2002) – que renunciou à Secretaria da Organização dos Estados Americanos (OEA) logo que subiu ao cargo –, foram presos e processados. O processo se baseou em supostos atos de tráfico de influência política já fora do governo, para favorecer empresas estrangeiras em licitações do Estado. Echeverría foi ainda acusado de atos ilegais no exercício da função pública.

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