Nascido em 14 de março de 1914, Abdias do Nascimento era filho de operários – a mãe doceira e o pai sapateiro –, que o estimularam na luta contra a opressão. Sua militância foi marcada inicialmente pela participação na Frente Negra Brasileira, na cidade de São Paulo, no início dos anos 1930. Seguiu-se a organização do Congresso Afro-campineiro em 1938. O grande marco de sua trajetória foi a fundação do Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944. Ao viajar pela América Latina em 1941, integrando um grupo teatral chamado La Santa Hermandad, Abdias assistiu à encenação da peça The emperor Jones, de Eugene O’Neill, num teatro em Lima. A personagem principal era representada por um ator branco, pintado de negro. Este teria sido o fator desencadeador da formação do grupo amador Teatro Experimental do Negro, já que tal prática era comum também em solo brasileiro.
O TEN propunha como objetivo primordial inserir o negro no teatro brasileiro, como ator, temática, diretor e participante. Estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 8 de maio de 1945, sob a direção de Abdias do Nascimento, justamente com a peça The emperor Jones. Seguiu-se em 1946 outra obra de O’Neill, Todos os filhos de Deus têm asas, com direção de Aguinaldo Camargo.
O grupo permaneceu em atividade até a década de 1960. Além das produções teatrais, organizou seminários, encontros e conferências. Por exemplo, realizou em 1945 a Convenção Nacional do Negro, que publicou um manifesto exigindo que o racismo fosse considerado crime de lesa-humanidade. A promoção de cursos de alfabetização, abrangendo cerca de oitocentas pessoas, incluía-se entre suas atividades. Também publicou o jornal Quilombo, que circulou entre 1948 e 1952.
Frentes de atuação
O criador do TEN esteve presente e contribuiu para a organização de momentos históricos do movimento social negro brasileiro, como a fundação do Movimento Negro Unificado, em 1978, e a Conferência Nacional contra o Racismo (2001), evento oficial de preparação do Brasil para a III Conferência Cidadã contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e outras Formas de Intolerância, realizada em Durban (África do Sul) em 2001. Paralelamente, acumulou em seu currículo a atuação como escritor, jornalista, ator, professor, artista plástico e conferencista. Entre os seus livros é possível destacar: Sortilégio, Dramas para negros e prólogo para brancos, O negro revoltado e O quilombismo. Trata-se de uma literatura voltada para a constituição de uma linha de pensamento que coloca a luta antirracista no centro das reflexões da nacionalidade brasileira.
Na esfera política, sua carreira foi marcada pela eleição para deputado federal pelo Rio de Janeiro em 1983. A década seguinte testemunhou sua participação no Senado brasileiro, como suplente por duas vezes, a primeira em 1991 e a segunda entre 1997 e 1999. Em ambas as Casas, seus discursos e projetos de lei sempre tiveram como alvo a superação do racismo e o apoio aos afro-brasileiros. Foi também secretário de Defesa da Promoção das Populações Afro-brasileiras do Rio de Janeiro, entre 1991 e 1994, e secretário estadual de Cidadania e Direitos Humanos do Estado de São Paulo, de 1999 a 2000.
A voz do movimento negro brasileiro
Inúmeras foram as conferências internacionais nas quais a voz de Abdias do Nascimento levou para o mundo as demandas e denúncias do movimento negro brasileiro. Entre elas é possível citar: o Congresso Pan-africano (1974); a Conferência dos Intelectuais Negros Africanos, em Dakar (1974); os Congressos de Cultura Negra das Américas (Cali, 1977; Panamá, 1980); o Simpósio Mundial em Apoio à Luta do Povo da Namíbia pela sua Independência (Nova York, 1985); a 48ª Conferência Nacional do Congresso Nacional Africano (ANC) da África do Sul, presidido por Nelson Mandela, (1991).
Sua atuação na causa em defesa dos direitos das populações afrodescendentes levou-o a ser agraciado com inúmeros títulos, dentre os quais se destacam o de doutor honoris causa, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1993; doutor honoris causa, Universidade Federal da Bahia, 2000; professor visitante do Departamento de Línguas e Literaturas Africanas, Universidade de Ife, Ile-Ife, Nigéria, 1976; Medalha Tiradentes, Estado do Rio de Janeiro, 1991; Prêmio de Menção Honrosa de Direitos Humanos da OAB-SP, 1997; Prêmio Mundial Herança Africana, Schomburg Center for Research in Black Culture, Biblioteca Pública de Nova York, Harlem, 2001; Prêmio Comemorativo das Nações Unidas por Serviços Relevantes em Direitos Humanos, também em 2001; Prêmio de Reconhecimento 10 Years of Freedom – South Africa 1994-2004, em 2004.
Em 2006, recebeu do governo brasileiro a Ordem do Rio Branco no grau de Comendador. Em 2009, foi agraciado com o prêmio de Direitos Humanos na categoria Igualdade Racial, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da presidência da República. Foi professor emérito da Universidade do Estado de Nova Iorque e doutor honoris causa pela Universidade de Brasília, Universidade Federal da Bahia, Universidade Estadual da Bahia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Obafemi Awolowo, da Nigéria. Em 2010, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 23 de maio de 2011. Em 2013, como parte das políticas de ações afirmativas, o Ministério da Educação lançou o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias do Nascimento, que oferece formação e capacitação a estudantes autodeclarados negros, indígenas e estudantes com deficiência em universidades, instituições de ensino superior e centros de pesquisa no Brasil e no exterior.