Gallegos, Rómulo

Gallegos, Rómulo

Caracas (Venezuela), 1884 - 1969

Dom Rómulo Gallegos, como sempre foi chamado em vida, foi o primeiro presidente eleito em eleições diretas, universais e secretas na Venezuela. Isso ocorreu durante o período conhecido como o Triê­nio Adeco (1945-1948), quando o partido Ação Democrática (AD) chegou pela primeira vez ao poder, mediante um golpe cívico-militar conhecido como Revolução de Outubro. Gallegos havia ocupado anteriormente vários cargos políticos. Durante a ditadura gomecista, saiu do país entre 1931 e 1935, residindo na Espanha. Regressou quando da morte de Juan Vicente Gómez, e nos anos de governo de López Contreras e Medina Angarita foi ministro de Instrução Pública (1937), deputado no Congresso Nacional (1937) e conselheiro de Caracas (1941 e 1942). Em 1941, foi um dos fundadores da AD. Nesse ano, as forças opostas aos governos “andinos” lançaram sua candidatura à presidência da República. Foi um ato simbólico, pois, na ocasião, tais forças não tinham condições de disputar o poder em um regime com precárias liberdades políticas. Gallegos representou então, e dali em diante, a luta dos que aspiravam à constituição de um sistema político democrático para a Venezuela.

Após a eleição da Assembleia Constituinte e a aprovação da Constituição de 1947, Gallegos foi candidado à presidência da República, conquistando-a com uma porcentagem até o momento não igualada por nenhum outro candidato: recebeu 871.752 votos (73,6%), de um total de 1.183.764. Seu governo foi muito breve. Em um contexto internacional caracterizado pela Guerra Fria, a “democracia radical” exercida durante esses anos pela AD via no governo dos Estados Unidos um incômodo. No contexto nacional, a intensa dinâmica de mobilização e organização popular impulsionada pelos adecos no movimento sindical, camponês e estudantil também despertou tensões nas elites civis, bem como no setor das Forças Armadas que havia compartilhado o projeto revolucionário desde 1945. O estilo beligerante de fazer política molestou os partidos de oposição, que em sua maioria respaldaram o golpe. O presidente caiu em 24 de novembro de 1948, em um golpe de Estado favorecido pelo conjunto das Forças Armadas e encabeçado por seu ministro da Defesa. Em 2 de dezembro, escreveu um Manifesto à Nação, no qual deixou claro que não havia renunciado. Três dias depois foi expulso da Venezuela. Ao pôr os pés em solo cubano, em trânsito para o México, deu declarações em que assinalou a presença do adido militar dos Estados Unidos no palácio de Miraflores no dia do golpe. Voltaria ao país ao cair o ditador Marcos Pérez Jiménez, em janeiro de 1958.

Gallegos também teve uma reconhecida­ trajetória como educador. Foi diretor do Colégio Federal de Barcelona (Estado­ de Anzoátegui), da Escola Normal de Caracas e do Colégio Federal de Caracas entre­ 1922 e 1930, conhecido como Liceu Caracas e posteriormente chamado Liceu Andrés Bello. Ali formou uma geração de futuros políticos da Venezuela do século XX, como Rómulo Betancourt, Jóvito Villalba, Miguel Otero Silva, Raúl Leoni, Isaac Pardo, e tantos outros, dos quais foi professor. Com muitos desses jovens fundaria a Ação Democrática.

Gallegos foi antes de tudo, porém, escritor e romancista, alcançando projeção como uma das figuras literárias mais importantes da América Latina no século XX. Fundou revistas e semanários literários na Venezuela, onde apareceram seus primeiros ensaios e contos, mas sua produção literária, em particular seus romances, logo se projetou sobre o âmbito do mundo de fala hispânica. Suas obras mais importantes e famosas foram escritas na Espanha durante seu autoexílio: Dona Bárbara, Canaima e Cantaclaro. Outros romances conhecidos são Pobre negro, Sobre a mesma terra, O forasteiro, Reinaldo Solar e O fio de palha no vento. Essas obras tiveram sempre propósitos moralizantes, porém o melhor de sua prosa surgia quando esse objetivo se diluía e o romancista se deixava levar por seu gênio criativo, talento e paixão pela ficção. A luta do bem e do mal – e entre a civilização e a barbárie –, retratada no romance Dona Bárbara, ambientado nas planícies venezuelanas, tornaram-no conhecido quando as forças da modernização capitalista pugnavam por predominar nessas latitudes. Recebeu o Prêmio Nacional de Literatura (1957-1958) e integrou a Academia Venezuelana da Língua (1958). Em 1965, em reconhecimento à sua trajetória e fama, o Estado venezuelano criou o Prêmio Internacional de Romance Rómulo Gallegos e, em 1972, fundou o Centro de Estudos Latino-americanos Rómulo Gallegos (Celarg). A sede do Centro, em Caracas, está construída sobre o terreno onde esteve sua casa, e de onde Dom Rómulo Gallegos saiu para o exílio, em 1948, e morreu em 1969.