González, José Luis

Santo Domingo (República Dominicana), 1926 - Cidade do México (México), 1996

José Luis González teve um papel fundamental nas letras latino-americanas da segunda metade do século XX, especialmente na relação entre as ciências sociais e a literatura. Ao contrário dos principais protagonistas do mundo literário latino-americano, que se distinguiram, sobretudo, no romance ou na poesia, ele destacou-se como contista, ensaísta e tradutor.

Nasceu em Santo Domingo, de pai porto-riquenho e mãe dominicana, provenientes dos setores médios de mulatos claros e cultos. Sua família se estabeleceu em Porto Rico quando ele tinha quatro anos, razão pela qual cursou ali seus estudos, até completar o bacharelado em ciências políticas na universidade do Estado. Iniciou-se como contista naturalista aos dezessete anos, quando militava no Partido Comunista. Os temas de seus primeiros livros – En la sombra (1943) e Cinco cuentos de sangre (1945) – circunscreveram-se ao mundo rural, ainda predominante no país: um ruralismo que levava anos rachando-se, mas sem haver ainda iniciado sua transformação urbana e manufatureira. São contos que se aprofundam nas contradições dos valores conflituosos desse ruralismo em desintegração. Em 1948, justamente quando se iniciava a transformação industrial do país, González publicou El hombre en la calle, livro pelo qual foi considerado um dos precursores da literatura urbana no Caribe. Os personagens principais desses contos não eram os do proletariado clássico, mas figuras do populacho “plebeu” da industrialização dependente. Essa visão seria confirmada, vinte anos mais tarde, pela melhor tradição sociológica latino-americana, para a qual a migração, a marginalidade e a informalidade não constituíam a base de um lumpen, mas fenômenos característicos da classe trabalhadora urbana, nas condições do desenvolvimento capitalista desigual na periferia do sistema.

Característico do mundo popular do capitalismo dependente, o nomadismo presente em seus livros anteriores tornou-se mais dramático em El hombre en la calle, que começou a difundir-se até o início das grandes ondas migratórias porto-riquenhas a Nova York. Nesse livro, apareceu seu conto mais célebre e festejado: “A carta”. O fenômeno migratório e a condição instável da informalidade, junto a importantes referências “étnico-raciais”, constituem os temas centrais de seu segundo conto mais difundido e celebrado: “No fundo do cano há um negrinho”, que apareceu em seu livro de contos En este lado (1954). É muito significativo que seu terceiro conto mais lido e popular – “A noite em que voltamos a ser gente”, em Mambrú se fue a la guerra (y otros relatos), de 1972 – situe-se também no contexto da emigração porto-riquenha a Nova York. Este sim, trata de um operário fabril; mas sua humanidade é resgatada, não no âmbito de seu mundo de trabalho, mas na vivência comunitária com a vizinhança.

Para Nova York, precisamente, González se transferiu no final dos anos 1940 para prosseguir seu mestrado na New School of Social Research, interesse que o levou pouco mais tarde a viver em Praga – como jornalista comunista –, onde se casou. Ali conheceu de perto as deformações burocráticas do socialismo stalinista. Em razão dessa experiência, sofreu também a repressão macartista que impossibilitou seu regresso a Porto Rico. Estabeleceu-se, então, com a esposa tcheca, no México, onde nasceu seu único filho. Trabalhou como tradutor para as editoras mais prestigiadas das ciências sociais na América Latina de então: ERA e Fondo de Cultura Económica. Nos anos 1960, tornou acessível ao leitor hispânico as mais contundentes e eruditas críticas ao stalinismo – segundo a perspectiva do socialismo democrático de esquerda –, as obras de Isaac Deutscher: sua monumental trilogia sobre Trotsky, a Biografia crítica de Stalin e os livros A revolução inconclusa, 50 anos de história sovié­tica e O marxismo do nosso tempo. Além disso, teve como função na ERA a revisão da tradução dos Cadernos do cárcere, de Gramsci, cujo redescobrimento no fim dos anos 1960 foi fundamental para a conformação internacional da “nova esquerda”.

González retornou figurativamente ao subúrbio de San Juan e à migração porto-riquenha nova-iorquina por meio da tradução do livro do antropólogo Oscar Lewis, A vida (1965). Muitos porto-riquenhos que já assumiam o país como “moderno” e “desenvolvido” ficaram escandalizados com a possibilidade de que os valores e as práticas de uma família suburbana marginal de prostitutas fossem identificados com seu país e sua cultura. Não obstante, essa cultura manifestava uma intensa vitalidade contraditória, um (como assinalou González para outro contexto) “plebeísmo arriscado e patético, insubmisso e compassivo, desconfiado e solidário”, uma cultura popular rica e complexa. Pela familiaridade prévia de González com esse mundo e suas formas expressivas, A vida é desses poucos livros cuja tradução se lê melhor que o original.

Paralelamente ao seu trabalho como tradutor, González completou no México seu doutorado em sociologia da literatura. Tornou-se um pioneiro latino-americano nesse campo com os livros Poesía negra de América e Literatura y sociedad en Puerto Rico (ambos de 1973) e o ensaio “Literatura e identidade nacional”, contido no livro organizado por A. G. Quintero Rivera, Puerto Rico: identidad nacional y clases sociales (1979). Ocupou na Universidade Autônoma do México (UNAM), até a sua morte, a cátedra de sociologia da literatura. Nos anos 1970, publicou várias antologias de contos – La galería (1972), En Nueva York y otras desgracias (1973) e Cuento de cuentos y once más (1973) –, que o tornaram um dos escritores mais destacados do gênero na América Latina.

Em 1980, publicou El país de cuatro pisos y otros ensayos, texto que, como livro, alcançou uma maior difusão em seu país. Não era um livro de ficção, mas de ensaios de interpretação histórica e sociocultural. Além da pertinência dos temas abordados – tais como a complexa inter-relação entre a cultura popular e a cultura das classes dominantes na constante reformulação da cultura nacional; a fundamental herança afro-caribenha na identidade porto-riquenha; suas repercussões nas reflexões e nos debates em torno do idioma; a importância da relação entre as identidades “étnico-raciais” e as classes sociais para a análise cultural do Caribe; a consideração imprescindível da migração e do exílio nas análises das culturas contemporâneas; e a importância da democracia para qualquer intento de reformulação de um projeto político transformador – seu impacto se deveu também à proposta que antecipava, em torno de uma maneira distinta de fazer política como intelectual, como figura pública crítica independente, sem um interesse proselitista. A força de seus argumentos esteve, pois, indissoluvelmente vinculada à integridade e à complexidade de sua vida pública como intelectual comprometido, interessado e disposto a questionar tudo.

O impacto de El país de cuatro pisos deveu-se também à perspectiva que procurou forjar, que combinava o socialismo (a análise baseada nos antagonismos entre as classes sociais) com o mestiço, caribenho e popular, proposta híbrida que radicava na importância analítica do conceito de plebeísmo para o estudo classista da história, da arte e da cultura no Caribe. Ante as pouco ortodoxas sociedades coloniais dependentes do Caribe, era necessário adequar os conceitos à realidade, e não o contrário.

A publicação de El país de cuatro pisos foi acompanhada de dois (curtos) romances históricos que complementavam literariamente os argumentos do ensaio: Balada de otro tiempo (1978) e La llegada (1980). Segundo argumentou em sua correspondência epistolar:

o que deve fazer a literatura social e historicamente consciente, como há de ser a literatura produzida por um marxista, é perceber o futuro a partir da compreensão crítica do presente […] O fácil, evidentemente, é dizê-lo; o difícil, e valioso, é extrair artisticamente essa verdade dessa massa confusa e contraditória de fatos, tendências e acontecimentos que é a realidade.

Seguiu, pois, enriquecendo os argumentos de seus ensaios com sua obra literária: os contos recolhidos em Las caricias del tigre (1984) relatam suas experiências com o stalinismo, e La luna no era de queso (1988), suas estupendas memórias de infância. Morreu em 1996, no México, mas foi enterrado no povoado natal de seu pai, em Porto Rico.

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