Na América Latina e no Caribe, a época dos acordos chamados de livre-comércio começou em 1992, com a assinatura do Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA , por sua sigla em inglês) entre Canadá, Estados Unidos e México. O acordo entrou em vigor em 1994. Em seguida, os Estados Unidos assinaram tratados similares com Chile, Costa Rica e Guatemala e, a partir do ano 2000, impulsionaram a criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que integraria praticamente todos os países do continente. Por outro lado, desde final dos anos 1990, quase todos os governos latino-americanos participam da Organização Mundial do Comércio (OMC) e das negociações em curso em um de seus âmbitos específicos, o que tem a ver com o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS, por sua sigla em inglês).
Este último segmento das negociações é muito importante porque inclui os serviços educativos como uma das áreas que se abririam ao comércio internacional. O NAFTA foi o primeiro tratado a trazer essa estipulação. Depois dele, praticamente todos os acordos e negociações em curso incluem o tema dos serviços. Uma vez que estes englobam atividades públicas e privadas, isso significou a abertura a corporações e empresas de enormes territórios públicos antes não suscetíveis de comércio e investimentos internacionais.
A incorporação da educação nos acordos de livre-comércio traz consigo uma série de significados específicos:
1) Limites à atividade do Estado na educação. Esses acordos tendem a estabelecer um marco legal supranacional que limite a ação do Estado de cada nação. Por exemplo, o NAFTA estipula que os governos poderão continuar prestando o serviço educativo, mas de tal forma que não interfira com o livre fluxo de investimentos e serviços (em geral de países com uma melhor infraestructura de serviços e mais poderosos em termos financeiros). Concretamente é dito:
Nenhuma disposição deste capítulo se interpretará no sentido de [...] impedir a uma Parte [país] prestar serviços ou levar a cabo funções tais como a execução das leis, serviços de readaptação social, pensão ou seguro de desemprego ou serviços de seguridade social, bem-estar social, educação pública, capacitação pública, saúde e proteção à infância, quando sejam desempenhados de maneira que não seja incompatível com este capítulo (Grifo do autor).
Desse modo se configura um marco legal novo, ao qual devem sujeitar-se os países signatários na hora de oferecer educação.
2) Amplas facilidades para os investidores de serviços privados em educação, através das fronteiras. Os tratados estabelecem que se deve dar tratamento nacional aos investidores e prestadores de serviços em educação, ainda que não residam no país nem tenham nele representação ou domicílio. Tais investidores não serão objeto de condições ou limitações distintas das que têm os nacionais que desenvolvem as mesmas atividades, nem de disposições que os obriguem a utilizar insumos ou mão de obra nacionais. Tampouco poderá haver limitações para o livre fluxo dos lucros obtidos dos investimentos ou da venda de serviços. É admitida a possibilidade de nacionalizar ou expropriar esses investimentos ou serviços por causa de utilidade pública e mediante prévia indenização. “Utilidade pública”, no entanto, é algo em última análise sujeito à interpretação da Comissão de Livre-Comércio, um organismo supranacional estabelecido pelo Tratado e integrado por funcionários dos respectivos governos. O prestador de serviços ou investidor individual que considere seus interesses prejudicados pode recorrer a ela.
3) Facilidades para a prestação de serviços profissionais provenientes do estrangeiro. No caso do NAFTA, estabelecem-se delineamentos aos quais se deve ajustar o reconhecimento dos estudos realizados no outro país. Além disso é determinada, para uma série de profissões, a realização de exames comuns de nível profissional para os egressos das instituições dos países signatários. Isso tende a gerar a homologação dos estudos entre os países a partir da nação predominante. No México, por exemplo, assiste-se atualmente à assimilação dos planos de estudo entre este país e os Estados Unidos.
4) Garantias à propriedade intelectual. A maior parte das patentes do mundo pertence a grandes empresas japonesas e norte-americanas. Estas tradicionalmente se ressentem da existência de legislações nacionais que insistem no uso do conhecimento para o desenvolvimento nacional e que para isso consideram como propriedade pública os conhecimentos desenvolvidos em áreas como biogenética, fertilizantes etc. Daí que os tratados tendam a estabelecer rígidas normas em nível multinacional ou mundial sobre o uso do conhecimento. Eles em geral determinam que os países signatários devem reduzir as áreas de conhecimento consideradas de utilidade pública; limitar as faculdades do poder público para declarar inválida uma patente que não tenha tido aplicações durante um determinado tempo; ampliar o prazo de duração das patentes antes que estas se tornem de domínio público; criar instrumentos legais contra a “pirataria” (cópia ilegal de filmes e outros produtos); adotar medidas como o confisco de mercadorias de ilegalidade presumida, agilizar as decisões judiciais e tornar mais severas as penas. A redução do âmbito público do conhecimento científico, a ampliação da comercialização e sua rígida proteção legal trazem benefícios aos circuitos internacionais de geração do conhecimento e reduzem as possibilidades de que as universidades e outros centros públicos gerem conhecimentos de benefício amplo (não comercializável) para o desenvolvimento e o bem-estar das populações.
5) Finalmente, os acordos de livre-comércio também costumam incluir um capítulo sobre “Concorrência”. As normas buscam garantir um mercado no qual não existam proteção ou condições favoráveis para algumas entidades privadas ou públicas que ofereçam uma vantagem indevida sobre seus competidores ou por qualquer razão permitam incorrer em práticas monopolistas. Dessa perspectiva mercantilista, serviços como o sistema educativo público aparecem sob a categoria de um “monopólio”, dado o seu caráter subsidiado por parte do Estado e a legislação que o protege como bem público. Ainda que se reconheça que cada país possa declarar certas áreas como “monopólio”, isso só poderá ocorrer em condições específicas. Por exemplo, como assinala a ALCA, depois de determinado tempo deve ser revisto o status de exceção que tem determinada entidade e, por outro lado, o país em questão deve notificar de antemão suas intenções de declarar um monopólio ou seus planos de ampliar ou fortalecer um monopólio já existente.