Carta Social

A Carta Social das Américas é um documento com um conjunto de propostas apresentadas pelo governo da Venezuela aos países-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), em abril de 2004. Foi debatida em agosto de 2005 em Caracas, num encontro denominado Diá­logo Ministerial, que reuniu delegados e representantes de ministérios sociais de pelo menos 30 dos 34 países-membros da OEA, inclusive seu então secretário-geral, o chileno José Miguel Insulza.

Trajetória

O caminho até o início desse diálogo não esteve livre de obstáculos. Em abril de 2001, durante a cúpula de Québec, o entnao presidente venezuelano  Hugo Chávez levou a ideia da Carta Social – totalmente ignorada enquanto o debate assentava as bases da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Em setembro do mesmo ano, durante a assinatura da Carta Democrática Interamericana, da OEA, o presidente venezuelano fez nova tentativa, sem nenhum respaldo de seus pares e muito menos de Washington. As mudanças políticas e sociais ocorridas posteriormente na América Latina fortaleceram a posição de Chávez, que, em outubro de 2003, relançou seu projeto na Reunião de Alto Nível sobre Pobreza, Equidade e Inclusão Social. Em junho de 2004, a XXXIV Assembleia Geral da OEA fixou na Declaração de Quito a formação de um grupo de trabalho liderado pela Venezuela para avançar nas deliberações da Carta Social, processo que se finalizou na reunião de agosto de 2005. No início de 2006, a Venezuela dirigia o grupo de trabalho para a redação da Carta Social, contando com o vice-presidente dos Estados Unidos e representantes do Canadá, da América Central e do Caribe. A Carta foi debatida pela Assembleia Geral da OEA realizada em junho de 2006, na República Dominicana.

A Venezuela propôs que o documento fosse acompanhado de um plano de ação para enfrentar os principais problemas do continente. “A carta será um documento de princípios, uma grande referência ética e política, mas isso não é suficiente e será necessário um plano de ação para levar adiante esse projeto”, avaliou Jorge Valero, representante da Venezuela na OEA e coordenador do grupo de trabalho. Ele já dizia, antes da reunião de agosto de 2005, que nela se confrontariam duas grandes visões, a neoliberal e a humanística:

Alguns tentarão impregnar o documento com mercado, e nós buscaremos preenchê-lo com humanismo, pois cada país defenderá seu ponto de vista com respeito ao desenvolvimento. Existem diferentes alternativas. Nós continuamos insistindo em que o projeto neoliberal está absolutamente fracassado e que se deve construir um projeto alternativo, humanístico, popular e participativo.

Direitos

O documento da Carta Social, baseado em direitos, é composto por 129 artigos, distribuídos sob cinco títulos: Direitos Sociais Fundamentais; Direitos Comunitários; Direitos Econômicos; Direitos Culturais; Direitos dos Povos Indígenas, e incorporaria também um capítulo dedicado às reivindicações das populações afrodescendentes.

Os Direitos Sociais Fundamentais incluem os seguintes tópicos: direito à vida digna; direito à saúde; direito à educação; direito ao trabalho; direito à proteção social; direito à habitação; direitos da família.

Os Direitos Comunitários incluem: direito à identidade político-territorial; direito à propriedade do solo como patrimônio coletivo; direito à organização e à participação públicas.

Os Direitos Econômicos dizem respeito aos direitos econômicos gerais e aos direitos econômicos comunitários.

Os Direitos Culturais têm um amplo espectro, que inclui: direito à identidade cultural; direito à cultura universal; direitos dos criadores culturais; ciência e tecnologia; direito a informações; direito a esporte, tempo livre e lazer; direitos ambientais.

Finalmente, estão especificados os Direitos dos Povos Indígenas e dos Afrodescendentes.

Conceitos emanados da Constituição Venezuelana guiaram a redação dos cinco títulos e dos 129 artigos. Por exemplo, um dos artigos do capítulo do direito à Saúde estabelece que

se favorecerá todo convênio ou acordo de cooperação que facilite e promova a formação acelerada de equipes técnicas, o intercâmbio de recursos tecnológicos, a prestação de serviços de saúde e qualquer outra atividade de cooperação que eleve os padrões de saúde e participação de nossos povos.

Isso poderia ser considerado um fator coadjuvante na exportação das missões sociais fomentadas por Cuba e pela Venezuela.

No artigo 32, do direito ao trabalho, o texto configurado por Caracas manifesta o “direito à cogestão, autogestão e controle dos meios de produção, tendo como fundamento a promoção, constituição de cooperativas […]”; o artigo 55 destaca que “as comunidades têm direito a opor-se à instalação de agências, empresas ou negócios públicos ou privados que constituam uma ameaça a seus recursos de biodiversidade, seus recursos naturais tradicionais ou a qualquer outro componente vital de sua existência coletiva”.

O capítulo V exorta os governos das Américas a reunirem esforços para a consolidação dos meios de comunicação alternativos. Ainda que a informação apareça desprovida de adjetivos como “imparcial”, “oportuna” ou “veraz”, o artigo 24, do direito à educação, baseia-se no princípio que apoiou a Lei da Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão:

Os Estados regularão a participação dos meios de comunicação com a finalidade de propiciar a construção da moral pública sobre a base dos valores democráticos, o serviço comunitário, a solidariedade social e a responsabilidade pela educação dos meninos, das meninas e dos adolescentes.

Os representantes da Venezuela esclareceram que, diferentemente da Carta Democrática Interamericana, a Carta Social foi debatida nas ruas, deixando a vigilância do seu cumprimento em mãos da gente que ostentará o

direito a exercer mecanismos democráticos de luta, realizar manifestações públicas, dirigir petições através dos meios de comunicação, abrir seus próprios espaços de discussão e, em geral, todas as garantias e direitos civis e políticos estabelecidos para os cidadãos em seus marcos constitucionais.

Nesse sentido, a Carta Social descarta a possibilidade de sanção aos governos que não a cumprirem, pois se trata de um compromisso político e ético que será vigiado pelos povos do continente.