Seguridade Social, Reformas da

As reformas da Seguridade Social nos países latino-americanos estão inseridas na agenda neoliberal implementada nas duas últimas décadas, cujos pontos centrais são:

• diminuir o déficit fiscal atribuído ao gasto público (partindo da premissa de que gasto público não é investimento – sobretudo o gasto social);

• promover a reforma do Estado, remodelando suas funções na perspectiva de aumentar a sua eficiência por meio da diminuição de custos;

• aumentar a competitividade, reduzindo os custos sociais das empresas e flexibilizando a mão de obra.

Para o cumprimento dessa agenda, as reformas dos sistemas de Seguridade Social – especialmente aquelas dirigidas à Previdência Social (ou ao Seguro Social), relacionadas à proteção social do trabalho –, foram consideradas estratégicas e imprescindíveis. Várias “gerações” de reformas foram implementadas nos países da região nos anos 1980 e 1990, sendo incluídas com destaque nas chamadas “condicionalidades” dos empréstimos externos do FMI.

Ao serem analisadas as reformas no marco proposto pelos organismos internacionais para a Seguridade Social na América Latina, uma parte dos países adotou o chamado “modelo de capitalização”, transformando seus sistemas públicos de repartição em sistemas privados baseados nos seguros individuais. Outros países adotaram um sistema misto, mantendo uma previdência pública básica e abrindo espaço para uma previdência complementar predominantemente privada. A aplicação mecânica desses modelos, no entanto, na maioria dos casos não levou em consideração nem a evolução histórica nem a composição estrutural de cada sistema de seguridade social, desrespeitando as especificidades de cada país.

Capitalização

Inaugurado pelo Chile nos anos 80, ainda sob a ditadura de Augusto Pinochet, o modelo de capitalização vem sendo amplamente criticado, tendo em vista os inúmeros problemas de sustentação financeira do sistema; os altos custos de transição e de administração, sempre penalizando os cofres públicos; as baixas taxas de reposição quando se trata de trabalhadores de baixos salários; e o seu caráter excludente, mantendo uma cobertura muito baixa da população ocupada. Além disso, não há evidências de que a poupança gerada por esse sistema tenha significado um aumento do investimento produtivo direto e muito menos uma elevação das taxas de crescimento econômico. Mais ainda, o processo de transição de um regime a outro trouxe uma série de problemas e de riscos difíceis de solucionar. As estimativas são de que a transição chilena tenha custado aos cofres públicos cerca de 25% do PIB. A proporção de trabalhadores com baixos salários que contribuem regularmente para os fundos previdenciários é de cerca de 50%. Os encargos e comissões penalizam muito mais esses trabalhadores, na medida em que são baseados em uma taxa uniforme ou em uma quantia mínima. O risco de receber um benefício muito baixo não afeta somente os trabalhadores pobres como também o Estado, que tem de conceder um benefício assistencial à grande maioria deles para complementar sua aposentadoria, visto que a capitalização dos fundos não é suficiente sequer para pagar a aposentadoria mínima (no caso chileno, 80% do salário mínimo).

Quanto ao argumento de que a poupança gerada por esse sistema seria utilizada para impulsionar o crescimento econômico, as evidências também mostram que a realidade é bem diferente. Mais uma vez, no Chile, onde o regime de capitalização é obrigatório e a taxa mínima de contribuição (10% da remuneração do trabalhador) é bem alta, a taxa de poupança de 21% do PIB em 1980 manteve-se em níveis abaixo de 20% ao longo da década. Os empresários, por sua vez, não aumentaram seus investimentos produtivos no país simplesmente devido à escassez de fundos, admitindo-se que a demanda do consumidor não foi suficiente para atrair investidores e que um novo regime de poupança deprimiu ainda mais os “mercados”. Quanto à meta de promover o desenvolvimento dos mercados de ações, as evidências são de que nos países menos desenvolvidos os mercados de capitais funcionam de forma deficiente. Isso sem falar na atual crise mundial desse setor, mesmo nos países avançados, inclusive nos Estados Unidos e no Reino Unido, nos quais já se iniciou um debate sobre o pernicioso papel de seus mercados de ações em termos de competitividade perante a Alemanha e o Japão.

A pergunta que vem sendo feita, nas diversas críticas a esse modelo de capitalização, é se seria realista esperar que um sistema de benefícios não apenas garantisse a segurança da aposentadoria como também resolvesse os problemas de subinvestimento e baixo crescimento econômico.

Sistema misto

Aparentemente tão claro e tão lógico, o modelo misto também se reveste de interrogações e indefinições na complexa realidade latino-americana. Os problemas e perguntas relativos a esse modelo, que ainda permanecem são: o tamanho da previdência pública ou do sistema básico (definição dos tetos), definindo qual a sua cobertura; o seu poder redistributivo, dada a exclusão dos contribuintes com altos salários; qual o preço pago pelos cofres públicos em termos de subsídios e incentivos/isenções fiscais para financiar a Previdência Complementar Privada; a baixa taxa de contribuição e a sustentabilidade do sistema complementar; como resolver a incorporação dos informais em um sistema baseado exclusivamente em contribuições individuais, entre outros.

A experiência dos países que adotaram um sistema misto com uma previdência pública ou um regime básico mínimo –­ conforme o modelo do Banco Mundial (tabela acima) – foi a constituição de uma previdência para pobres e o fortalecimento de um sistema privado complementar para os que “podem pagar”. Registraram-se, portanto, altas taxas de exclusão inclusive de setores da classe média, afetada pelo desemprego e pela precarização do trabalho. Em nenhum desses países há evidências de redução do déficit fiscal ou de aumento da taxa de poupança com investimentos produtivos e geração de empregos.

O modelo do Banco Mundial – Os pilares da segurança econômica na velhice

Objetivos

Redistribuição
e seguro

Poupança
mais cosseguro

Poupança
mais cosseguro

Modalidade

Sistema coletivo
básico ou mínimo –
caráter assistencial

Plano de poupança individual ou plano ocupacional

Plano de poupança individual ou plano ocupacional

Financiamento

Com tributos

Total, regulamentado

Total

Pilar obrigatório
administrado pelo
setor público

Pilar obrigatório
administrado pelo
setor privado

Pilar complementar voluntário

Extraído de “Envelhecimento Sem Crise” – Banco Mundial, 1994.