Enfraquecido, cansado mas não vencido, Líber Seregni saiu da prisão em março de 1984, quase exatamente treze anos depois de ter iniciado uma peculiar carreira política na condução da Frente Ampla (FA). Megafone na mão e diante de uma audiência expectante e fervorosa, marcou a tônica de seu papel na transição democrática:
Passaram-se dez longos anos; saio com a consciência tão tranquila como entrei; saio mais firme, mais convencido de nossos ideais, saio mais decidido do que nunca […]. Somos e seremos uma força construtiva, operários da construção da pátria do futuro. […] A pacificação que leve ao reencontro dos orientais tem de reconhecer necessariamente a mais ampla das anistias, o retorno dos exilados.
Filho de um imigrante italiano de orientação batllista, Líber Seregni frequentou a escola e o liceu públicos. Há quem o recorde como fundador (com Carlos Martínez Moreno) da Associação de Estudantes do Liceu Zorrilla. Ingressou como cadete na Escola Militar, em 1933, iniciando uma trajetória que o levaria aos mais altos níveis hierárquicos do Exército. Seus estudos na Escola Militar na Arma da Artilharia, sua especialidade em geodésia e astronomia, sua ascensão por concurso a general, em 1963, e seu desempenho no comando das regiões 2 (1964) e 1 (1967), manifestam uma carreira militar intensa à qual se deve agregar, nos anos 40, sua integração à Comissão de Limites Uruguai - Brasil, sua atuação como adido militar nos Estados Unidos e no México e sua inscrição na delegação uruguaia na Conferência de Chapultepec, onde se delineou o sistema de “defesa interamericana”.
Durante os anos 60 soube presidir as correntes constitucionalistas dentro do Exército, em confronto direto com os grupos nacionalistas e golpistas que já então pressionavam por uma intervenção militar antidemocrática. Em 1968, assumiu o comando da Região Militar Nº 1, com sede em Montevidéu, a mais poderosa, de onde se contrapôs ao projeto do então presidente Pacheco Areco para envolver diretamente as Forças Armadas na espiral repressiva contra a crescente mobilização popular. Em função de suas discrepâncias com a gestão do governo, em novembro de 1968, solicitou sua reforma, concedida em abril do ano seguinte. Após uma viagem pela Europa e pelos Estados Unidos, foi nomeado, em 1971, presidente da coalizão de esquerdas Frente Ampla, e com os médicos Juan José Crottogini e Hugo Villar integrou a chapa da coalizão para as eleições de novembro desse ano.
Depois do golpe de Estado de 1973, Seregni foi encarcerado – com um breve intervalo entre novembro de 1974 e janeiro de 1976 –, convertendo-se em um preso político emblemático em nível latino-americano e mundial. Sua libertação em 1984 (ainda que continuasse proscrito) o impeliu a cumprir um papel central na relação dos partidos com as Forças Armadas durante a transição democrática. Na década seguinte ao retorno à institucionalidade civil, como presidente da Frente Ampla, constituiu-se em ator decisivo na agenda nacional e em um articulador hábil e insubstituível para superar os conflitos internos da coalizão de esquerdas. Presidente da Frente Ampla durante um quarto de século, renunciou a seu cargo em 1996 ao não obter respaldo das outras forças políticas em suas gestões pela reforma constitucional. Longe de retirar-se da vida pública, criou, no ano seguinte, o Centro de Estudos Estratégicos 1815, a partir do qual lutou insistentemente pelo estabelecimento de acordos interpartidários para respaldar reformas estruturais que achava inadiáveis para a transformação do país. Afligido por uma doença irreversível, em dezembro de 2003, retirou-se da vida pública. Faleceu em 31 de julho de 2004, apenas três meses antes do triunfo da esquerda, sem poder realizar seu sonho tantas vezes anunciado de não morrer sem ver a Frente Ampla ganhar o governo. Líder histórico da esquerda uruguaia, figura reconhecida dentro e fora das fronteiras, em cumprimento de sua própria decisão testamentária seus restos descansam na Meseta de Artigas, ao norte do país, símbolo da figura que admirou e que inspirou sempre sua luta cívica.