México
México

México

Carlos Eduardo Martins (texto de atualização do verbete, 2006-2015)

Nome oficial

Estados Unidos Mexicanos

Localização

América do Norte. Banhado pelo mar do Caribe e pelo golfo do México a leste, e pelo oceano Pacífico a oeste, faz fronteira ao norte com os Estados Unidos e ao sul com a Guatemala e Belize

Estado e Governo¹

República federativa presidencialista

Idiomas¹

Espanhol (oficial) e mais de 50 línguas indígenas

Moeda¹

Peso mexicano

Capital¹

Cidade do México
(20,843 milhões de hab. em 2014)

Superfície¹

1.964.375 km²

População²

117.886.404 hab. (2010)

Densidade demográfica²

60 hab./km² (2010)

Distribuição da população³

Urbana (77,83%) e 
rural (22,17%) (2010)

Analfabetismo⁴

7,5% (2012)

Composição étnica¹

Mestiços de ameríndios e espanhóis (62%), predominantemente ameríndios (7%),
outros (10%, principalmente europeus)

Religiões¹

Católica romana (82,7%), pentecostal (1,6%), testemunha de Jeová (1,4%), outras igrejas evangélicas (5%), outras (1,9%), nenhuma (4,7%), não-especificada (2,7%) (2010)

PIB (a preços constantes
de 2010)

US$ 1,151 trilhões (2013)

PIB per capita
(a preços constantes de 2010)

US$ 9.649,4 (2013)

Dívida
externa

US$ 261 bilhões (2013)

IDH⁵

0,756 (2013)

IDH no mundo
e na AL

71° e 12°

Eleições¹

Presidente eleito a cada 6 anos. Legislativo bicameral composto da Câmara dos Deputados com 500 membros (sendo 300 eleitos pelo sufrágio universal e 200 alocados de acordo com o voto nos partidos), com mandato de 3 anos, e do Senado de 128 membros, eleitos por sufrágio universal a cada 6 anos.

Fontes:
¹ CIA. World Factbook
² ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Database
³ ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision
⁴  CEPALSTAT
⁵  ONU/PNUD. Human Development Report, 2014
 

Tomando como ponto de inflexão a metade do século XX, quarenta anos haviam se passado desde o início da Revolução Mexicana e apenas dez desde que Lázaro Cárdenas havia concluído seu mandato presidencial (1934-1940). Segundo alguns historiadores, o término do governo Cárdenas marcou também o final de um movimento. Depois de mais de duas décadas de mobilização popular, de enfrentamentos armados, de disputas sangrentas entre membros da classe política, a Revolução havia-se institucionalizado e seus conteúdos, adaptado aos códigos permissíveis do novo poder, tinham sido completados. A reforma agrária havia desmantelado a quadrissecular fazenda e suas terras tinham sido divididas entre os camponeses; a soberania nacional afirmara-se mediante a expropriação petrolífera de 1938; diluiu-se a longa disputa entre a Igreja e o Estado, que vinha desde a época das reformas bourbonistas do século XVIII e que atravessara uma conjuntura de auge na década de 1920; o conflito entre as elites políticas se encaminhou através do partido quase único, mediante a instituição presidencial, árbitro supremo das contendas, e da regra de ouro da não reeleição. As classes dominadas ficaram enquadradas pelo regime corporativo que reconhecia suas demandas enquanto aceitassem e se submetessem à ordem político-econômica. Nessa medida, suas organizações seriam não somente admitidas, como também patrocinadas. Pouco a pouco, o Estado nascido das cinzas da longa ditadura porfiriana estava conseguindo estabilidade política e até mesmo crescimento econômico, tão admirados em um continente de golpes de Estado e frequentes insurreições. Apesar do discurso estatal acerca do cumprimento dos objetivos revolucionários, e não obstante o desmantelamento das estruturas oligárquicas, tanto operários quanto camponeses prosseguiram com suas mobilizações e confrontos, às vezes em surdina, às vezes fazendo muito barulho.

Algumas lutas vinham de muito longe e se revestiram de novas roupagens; outras nasceram no calor dos novos tempos e empunharam armas antigas.


México porfiriano

O século XX começou com a tênue oposição liberal a uma ditadura que, para entronizar-se, tinha abandonado os princípios proclamados 25 anos antes. A liberdade de expressão tinha ficado enterrada, os sistemas de justiça estavam viciados e as eleições resolviam-se com sucessivas reeleições do presidente, de governadores, de deputados e de senadores. De certa forma, a ditadura de Porfirio Díaz havia traído os ideais do liberalismo do século XIX e sua vontade de romper de chofre com a herança colonial.

No despertar do novo século, o país se perfilava com a fórmula ditadura e modernização. No México porfiriano, tinha-se conseguido cristalizar o antigo sonho de sulcar o país de trilhos; a mineração renascia com vigor e estreitava vínculos com a economia dos Estados Unidos; as primeiras gotas de petróleo brotaram precisamente com o novo século e se converteriam numa verdadeira cornucópia para os britânicos e os norte-americanos; restabeleceu-se o crédito internacional mediante o pagamento da dívida externa que havia mais de meio século acumulava juros de mora; em suma, o México deixava para trás a opinião desfavorável de um país impossível de domesticar e de fazer frutificar as riquezas extraordinárias que o naturalista Alexander von Humboldt tinha elogiado em 1803.

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Vista aérea de Zócalo, na Cidade do México (Alvaro Sánchez/Creative Commons)

A figura mais emblemática dessa percepção foi traçada pelo próprio governo em 1910, quando organizou as festas do Centenário da Independência, às quais compareceram reis e diplomatas. Conta-se que foi proibido, durante os dias de estadia dos dignitários, que os índios aparecessem com suas calças de manta nas grandes avenidas da capital. A prova de que o México acompanhava o ritmo da Europa e dos Estados Unidos era seu branqueamento, se não na cor da pele, pelo menos em seus hábitos.

Nem todos os observadores viram naqueles anos apenas o que o governo desejava que vissem. John K. Turner, um jornalista norte-americano, visitou as fazendas de sisal de Yucatán e redigiu artigos que davam conta do trabalho dos maias nessa florescente atividade exportadora: castigos corporais administrados pelos estancieiros, jornadas extenuantes e condições carcerárias.

As fazendas, no calor da integração do mercado interno e do crescimento da população urbana, engoliram terras camponesas com tal voracidade que, ao cabo de alguns anos, a estrutura fundiária estava seriamente concentrada. Parecia estar se consumando o ciclo iniciado quatro séculos antes, quando os espanhóis despojaram os índios. Ciclo expansivo, mas ziguezagueante: de uma parte estes resistiram com as armas disponíveis; de outra, a própria Coroa conteve a voracidade dos particulares porque corria o risco de perder suas colônias, o que lhe permitiu construir um halo de paternalismo perante a população indígena. Nessas circunstâncias, ao longo de todo esse tempo, a fazenda adaptou-se ao contexto: já não se tratava de usurpar todas as terras como no impulso inicial da conquista, apenas as suficientes para obrigar os camponeses indígenas a trabalhar sazonalmente para a elite rural. Assim, a Coroa podia seguir recolhendo impostos dos povos nativos. Desse modo, a comunidade indígena se preservou readaptada aos interesses de fazendeiros, do poder real e dos funcionários coloniais. As terras lhes haviam sido outorgadas pela Coroa, o que as tornava inalienáveis. O povo, com suas glebas, sua forte religiosidade, sua institucionalização política − os cabildos −, forjou um sólido vínculo comunitário que permitia enfrentar os embates expansionistas dos fazendeiros ou as excessivas exigências tributárias de padres, corregedores e alcaides. A comunidade constituiu o espaço primordial da reprodução material e de toda a sua produção cultural. A terra tornou-se território, espaço-identidade, cuja perda implicava o extravio dos sujeitos, em seu desmembramento.

Mercantilizar a terra tornou-se então incompatível com o conceito de território: propriedade privada e comunidade apareceram como termos contraditórios. A inconciliabilidade expressou-se no transcorrer dos séculos no lema “a terra não se vende”, que voltou a ser ouvido em 2003, quando os camponeses de um município a poucos passos da capital saíram às ruas para protestar contra a transformação de seus lotes em pistas de aterrissagem do aeroporto internacional em troca de indenização. Mas também se fez evidente no pensamento e na prática liberais, para os quais a comunidade era um lastro da ordem colonial que entorpecia o progresso e o crescimento econômico. Somente a propriedade privada permitiria transcender o atraso e colocar-se em dia com os países civilizados. A mesma tese foi formulada no que diz respeito à Igreja, a instituição mais importante do século XIX. A instrumentação da tese liberal deveria conduzir à formação de um país de pequenos proprietários rurais que muitos admiravam nos Estados Unidos.

Porfirio Díaz aprofundou o trabalho dos liberais reformadores em um momento em que a voragem ferroviária fixou preços especulativos da terra diante da expectativa de alcançar mercados remotos ou até estrangeiros. O despojo de terras camponesas foi então de proporções comparáveis ao da conquista ou ainda maior. Os levantes foram numerosos, mas não conseguiram articular-se além do nível regional ou microrregional e sofreram forte repressão.

Os camponeses perderam seus lotes, ainda que não se tenha constituído uma sociedade de pequenos proprietários, como os liberais esperavam, mas uma sociedade em que antigos latifundiários ou novos empresários agrícolas monopolizaram a terra. Os povos, esse sujeito coletivo dos tempos coloniais, ficaram espremidos contra as colinas ou alagados, como aconteceu no Estado de Morelos, em que um fazendeiro acabou fazendo um lago onde havia um vale.

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Praça da Constituição no centro histórico da Cidade do México (Victormoz/Wikimedia Commons)

Os primórdios da Revolução Mexicana

Apesar do encurralamento dos camponeses, em setembro de 1910, não havia qualquer indício de um questionamento perigoso para a continuidade do porfirismo. Os trabalhadores industriais haviam protestado fortemente durante a primeira década do século − têxteis, ferroviários e mineiros −, e seus movimentos tinham terminado ou com uma sangrenta repressão, ou com uma negociação. Ainda que fossem contingentes permeados pelo anarquismo, o conteúdo de suas demandas não era o da abolição do capitalismo, mas o da eliminação dos aspectos mais injustos da ordem industrial: os maus-tratos infligidos por capatazes estrangeiros aos operários, a diferença salarial entre mexicanos e estrangeiros que ocupavam a mesma categoria laboral, a prolongada jornada de trabalho etc.

A classe média urbana cresceu no calor da modernização oligárquica do último quarto do século XIX. O emprego burocrático e a expansão do setor de serviços desafogaram um pouco a estrutura social fortemente polarizada. No entanto, o regime mostrou-se pouco tolerante diante das vozes dissidentes e foi bloqueando as escadarias da mobilidade social desse grupo. Princípio doutrinário do liberalismo, a liberdade de expressão foi cancelada; os postos políticos converteram-se virtualmente em cargos vitalícios dos homens mais próximos às teias do poder, e a reforma monetária de 1905, com a adoção do padrão-ouro, retraiu suas receitas reais.

Por último, as elites provincianas foram acumulando desacordos com o governo central. Este concedia aos capitalistas estrangeiros os negócios mais rendosos, colocando os provincianos sob a ameaça de verem-se afastados do núcleo da dinâmica econômica. Para eles, não se tratava de questionar o modelo de acumulação no qual tinham prosperado, mas de estabelecer um “porfirismo sem Dom Porfirio”. Isso requeria a remoção do presidente e de seu círculo mais próximo: a bandeira da não reeleição e de um processo eleitoral limpo foi desfraldada por um membro de uma dinastia familiar poderosa de Coahuila, Francisco Madero.

Madero foi preso em 1910 e, diante da inflexibilidade do governo, lançou um chamado à insurreição nacional. O apelo mobilizou de início muito poucos, a tal ponto que seu plano parecia fadado ao fracasso. Não obstante, em princípios de 1911, abriram-se duas frentes. Uma no norte, onde com poucos homens Francisco Villa obteve êxitos notáveis contra as tropas federais; a outra, quase nas portas da Cidade do México, de onde Emiliano Zapata sabotava com seus guerrilheiros as vias de acesso à capital. A renúncia de Díaz foi conseguida num breve tempo, desproporcional ao seu longo reinado de mais de trinta anos.

As ofensas contidas e reprimidas vieram à luz. O plano de Madero, apesar de seu elitismo político não dissimulado, teve a qualidade de contemplar o amplo leque de descontentes que, tão logo ele assumiu a presidência, não somente se distanciaram, como também guerrearam entre si. Com efeito, Madero foi questionado porque no acordo firmado com os porfiristas comprometeu-se a exigir a entrega das armas dos sublevados, o que significava a manutenção do Exército federal e a possibilidade de reconstrução política e repressiva do porfirismo. Os camponeses zapatistas rechaçaram o acordo enquanto não se concretizasse a restituição das terras expropriadas pelos fazendeiros. Teve início assim uma campanha militar de terra arrasada contra os camponeses rebeldes. Em novembro de 1911, os zapatistas morelenses firmaram o Plano de Ayala, documento que se constituiria em bandeira do movimento camponês até o século XXI. Proclamaram o princípio revolucionário de tomar posse imediatamente dos “terrenos, montes e águas” usurpados, “mantendo a todo custo com as armas nas mãos a mencionada posse”. Os proprietários que se considerassem lesados deveriam recorrer aos tribunais. Ou seja, invertia-se o ônus da prova: era o fazendeiro quem teria de demonstrar que sua propriedade era legítima.

De sua parte, os grupos mais conservadores da sociedade desaprovaram que os setores subalternos assumissem atitudes cada vez mais ameaçadoras. Não ficaram alheios a tais questionamentos os capitalistas estrangeiros e suas respectivas representações diplomáticas credenciadas no México. Nos últimos anos de seu mandato, Díaz tentou diversificar as relações econômicas internacionais para não sucumbir inteiramente na órbita do vizinho do norte. Outorgou suculentas concessões petrolíferas aos britânicos, estreitou relações financeiras com a França e a Alemanha e deu asilo ao presidente nicaraguense deposto pelos Estados Unidos. Desse modo, quando Madero adquiriu armas no sul dos Estados Unidos para combater as forças de Díaz, Washington não viu com maus olhos a revolta maderista. Mas a partir de 1912 começou a inquietar-se diante da escalada do protesto popular. O embaixador dos Estados Unidos teceu um complô com um general do Exército federal. O resultado, em 1913, foi o assassinato de Madero e a entronização do general Victoriano Huerta.

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A Catedral de Guadalajara, em Jalisco, no México (Ponchomx/Wikimedia Commons)

A destruição do Estado oligárquico

Desde o início de sua efêmera presidência, Huerta foi combatido por um conjunto heterogêneo de forças com registros classistas diversos, ainda que não fossem coordenadas entre si. Sua queda, em julho de 1914, não foi apenas a derrota da ditadura, mas o final do Estado oligárquico: o Exército federal e a estrutura administrativa foram dissolvidos. O “erro” de não desmantelá-los, cometido por Madero três anos antes, não se repetiu.

Porém o fim do Estado oligárquico não significou a inspiração de uma nova ordem político-econômica. Em pouco tempo, a conjunção de forças vitoriosas demonstrou sua disparatada composição. O país ficou dividido entre os exércitos camponeses comandados por Villa e Zapata, de um lado, e o ex-governador de Coahuila, Venustiano Carranza, de outro. A guerra civil resultou em destruições em todo o país, fomes terríveis para os zapatistas e o assassinato de Zapata em 1919 e de Villa em 1923. Carranza, que havia assumido a presidência em 1915, foi assassinado em 1920.

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O Anjo da Independência na avenida da Reforma, no centro da Cidade do México (Rafael Aparicio/Wikimedia Commons)
O conflito trouxe à tona dois projetos antagônicos, pelo menos no que dizia respeito à estrutura agrária, tecido básico de uma sociedade em que três quartos da população viviam no e do campo. Para o carrancismo, o latifúndio era certamente anacrônico no capitalismo do século XX. Vastas proporções das fazendas ficavam vazias com o objetivo de reduzir os salários agrícolas a níveis de subsistência. A agricultura devia se tornar mais intensiva, e, ao mesmo tempo, as terras inutilizadas das fazendas deviam ser divididas e distribuídas aos sem-terra, que formariam campos coletivos. Estes constituiriam a reserva de mão de obra agrícola das empresas privadas. Em síntese, não se tratava de abolir a propriedade privada da terra, mas de racionalizá-la, assim como não se tratava de restabelecer uma economia camponesa autônoma.

A derrota de Zapata e Villa não significou para os vencedores o desconhecimento do que havia sido a mobilização popular e sua capacidade política. O Estado oligárquico não poderia ser restaurado. Embora os camponeses tivessem sido derrotados, os anos revolucionários haviam modificado a correlação de forças. A partilha de terras legalizada pelo poder político caminhava lentamente, mas em muitos lugares as fazendas tinham sido afetadas de fato e, em alguns casos, incendiadas. Generais mais radicais do esquema carrancista entregaram armas aos camponeses para que defendessem as terras já tomadas e ocupadas. Os trabalhadores urbanos também deram provas de força: em 1916 declararam a primeira e única greve nacional registrada na história mexicana.

Da Constituição de 1917 ao cardenismo

Quando Carranza convocou um congresso para a elaboração de uma nova constituição, chamou apenas seus partidários. Nem os zapatistas nem os villistas e tampouco a Igreja foram representados, mas ainda assim a lei promulgada em 1917 consagrou os direitos sociais dos trabalhadores. Foi reconhecido, por exemplo, o direito à participação nos lucros, à indenização em caso de acidente de trabalho e à greve, ainda que o caráter legal de cada uma ficasse ao arbítrio das autoridades governamentais. A carta constitucional reconheceu igualmente a propriedade comunitária da terra e proclamou a terra, as águas e a riqueza do subsolo propriedades da nação. A partilha agrária foi sancionada sob a figura da dotação e da restituição de terras seguindo um complexo procedimento administrativo gerenciado pelo Estado. Esse último ponto foi essencial para aquilatar a rachadura que separava o texto constitucional da proposta zapatista.

A Constituição de 1917 foi a peneira pela qual passaram os conteúdos populares do levante revolucionário. Nas condições políticas em que então se encontravam as classes subalternas, era impensável recomeçar a luta pela realização plena de suas exigências. Mas pelo menos principiou a luta para validar os princípios constitucionais. Esta não seria reprimida sempre e quando, como insistiu o cientista político Arnaldo Córdova, transitasse pelas sendas institucionais. Às vezes, foi desbordada e, consequentemente, reprimida.

Entre 1935 e 1939, a partilha agrária alcançou tamanha magnitude que, em 1940, no final do período cardenista, quase a metade da superfície cultivável do país tinha sido repartida. A expropriação das explorações agrícolas não afetou somente as porções marginais das fazendas, mas também grandes companhias capitalistas do campo. Com o tempo, os rendimentos das terras coletivas igualaram-se aos da propriedade privada.

Foi esse o momento em que o novo regime atingiu o mais alto nível reformador e de realização dos conteúdos nacionalistas incluídos na Constituição de 1917. O petróleo tinha sido motivo de frequentes conflitos entre o Estado mexicano e as companhias estrangeiras que o exploravam desde o início da Revolução. A recusa dessas companhias em pagar impostos mais elevados manifestou-se em várias ocasiões após a queda do ditador Díaz. Em 1938, quando as transnacionais não cumpriram uma sentença judicial favorável a uma petição operária, Cárdenas procedeu à expropriação petrolífera, decisão que indubitavelmente havia contemplado meses antes. Foi fundada a empresa paraestatal Petróleos Mexicanos (PEMEX), cuja contribuição fiscal sustentou o orçamento federal praticamente durante os seis decênios seguintes. 

O apoio popular à medida foi enorme e se tornou símbolo do cardenismo. As imagens da época exibem como diferentes setores ofertaram seus bens para ajudar a pagar as indenizações. Segundo filmes gravados na ocasião, os camponeses levavam frangos e as senhoras das classes altas, joias. Foi o momento culminante do projeto dos revolucionários vitoriosos.

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Cuetzalan, cidade no norte de Puebla, no México (Russ Bowling/Creative Commons)

Reviravolta

Simultaneamente, abriu-se uma nova conjuntura no contexto mundial e nacional. A escalada do nazi-fascismo encontrou adeptos na intelectualidade mexicana e em vastos grupos da sociedade. Diante da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), Cárdenas tomou o partido dos republicanos, fornecendo-lhes armas ou dando asilo aos refugiados no México. Nesse contexto, o movimento sinarquista − de forte influência católica e ideologicamente próximo ao fascismo em suas versões italiana e espanhola − adotou uma postura de confronto com o cardenismo a partir da extrema direita. Ao mesmo tempo, no seio dos parâmetros republicanos, configurava-se o Partido Ação Nacional (PAN), crítico do corporativismo político em nome da liberdade individual.

Diante desse panorama, as eleições de 1940 se anunciavam tensas. O “sucessor” natural de Cárdenas era Francisco Múgica, para aprofundar o processo de reformas. A direita se aglutinava em torno de Juan A. Almazán. Cárdenas optou por um terceiro candidato, o general Manuel Ávila Camacho, vitorioso no pleito.

O ano de 1940 constituiu o início de uma reviravolta na economia e na política mexicanas. O estreitamento de vínculos com os Estados Unidos, a prioridade dos programas industrializadores, a subalternização da agricultura, o corporativismo da sociedade e a desaceleração da reforma agrária caracterizaram a entrada na nova década.

À agricultura foi conferida uma tripla função: a de proporcionar divisas para a compra de bens intermediários e de capital para a indústria; a de vender a baixos preços matérias-primas; e, por último, a de baratear os alimentos da força de trabalho urbana. O crédito agrícola favoreceu a propriedade privada, que obteve rendimentos elevados, fornecendo argumentos aos detratores das terras coletivas. Mas não se levou em conta que, enquanto a propriedade privada da terra se dedicou a cultivos de alta rentabilidade, de preferência para a exportação, a propriedade camponesa coletiva o fez para o mercado interno e a preços controlados pelo governo. Entre 1940 e 1952, o crédito para a propriedade coletiva aumentou 24,52%, ao mesmo tempo que as duas fontes de financiamento da propriedade privada, um banco estatal e a banca privada, cresceram 800% e 100% respectivamente. Os salários entraram em queda vertiginosa, que se prolongou até a década de 1950. Em nome do esforço para derrotar os países do Eixo, as centrais sindicais comprometeram-se a não decretar greves e a não exigir aumentos salariais. Em um ambiente inflacionário, a conjugação de todos esses elementos permitiu uma rápida acumulação de capital.

A contenção do descontentamento trabalhista foi possibilitada pela imposição de líderes sindicais próximos à cúpula governamental. O fenômeno passou à história com o nome de charrismo, engrenagem essencial do sistema político, por meio da incorporação das organizações de trabalhadores na estrutura do Partido Revolucionário Institucional (PRI), criado em 1946, vencedor de todas as contendas eleitorais até 2000. Sua instauração não se produziu sem impugnações, perseguições e exclusões.

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O vôo dos voadores de Papantla, na Paróquia de São Francisco de Assis em Cuetzalan, em Puebla, no México (Sergio Alberto Becerril Robledo/Creatie Commons)

Um vizinho poderoso

Ao término da guerra na frente europeia e no Pacífico, os Estados Unidos consolidaram a posição hegemônica que vinha se perfilando desde meados do século XIX, quando iniciaram sua expansão para o sul e o oeste.

Para o México, a proximidade geográfica com o novo gigante colocou uma densidade de relações econômicas, sociais e políticas sem igual no resto da América Latina. Não obstante, a partir da entrada dos Estados Unidos na guerra, os vínculos se estreitaram ainda mais. Preocupados com a postura do vizinho diante do conflito, os Estados Unidos dispuseram-se a estancar as feridas provocadas pela questão petroleira e pela expropriação decretada em 1938. Comprometeram-se a proporcionar ajuda técnica e financeira para as atividades que pudessem ser úteis a sua economia de guerra.

Em 1945, terminado o conflito, os Estados Unidos não abandonaram o terreno semeado. Se até o século XIX tinham defendido a posição de que do rio Bravo até o Panamá não admitiriam a presença de outra potência − referiam-se certamente à Grã-Bretanha −, agora se tratava de chegar até a Terra do Fogo. Nesse ano, em Tlatelolco, representantes de todos os países latino-americanos e dos Estados Unidos discutiram a continuidade das relações tecidas durante o quinquênio anterior. Os Estados Unidos propuseram a liberalização da circulação de capitais e mercadorias. O delegado mexicano se opôs porque isso implicaria a ruína das indústrias fundadas no calor da crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial. A proposta norte-americana foi rechaçada e teve de esperar mais de meio século para ser novamente apresentada. Na reunião seguinte, realizada em Havana, o México teve de retroceder em relação a suas posições originais. Tempos depois, o país rechaçou a adesão ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).

Não obstante essa posição, o México conseguiu acordos com seu vizinho. Mesmo não se comprometendo com o macartismo, o governo de Miguel Alemán (1946-1952) cedeu com relação ao afastamento dos comunistas dos cargos públicos e até com a eliminação de sua presença nos sindicatos. Entretanto, o Partido Comunista (PC) não foi colocado na ilegalidade, ainda que seus militantes tenham sido severamente perseguidos. O PC mexicano não contou com registro para participar das eleições até 1978, data da reforma que abriu o leque de forças político-eleitorais.

O governo aceitou de bom grado a chegada de capitais norte-americano e seu aporte na indústria. Em 1950, o capital norte-americano representava algo em torno de 70% do total do investimento estrangeiro no México. Vinte anos depois, a cifra se elevou a 80%. Ainda assim, se em 1950, 45% do capital norte-americano investido no México estava na indústria, vinte anos depois sua proporção chegava a 75%. Não obstante, tentou-se limitar a presença do capital estrangeiro, fixando sua participação acionária máxima em 49%, medida frequentemente transgredida com o recurso de nomear proprietários mexicanos fictícios para atuar como testas de ferro. A burguesia mexicana prosperou ao abrigo do protecionismo alfandegário, da limitação das importações e, em geral, da política de substituição de importações e da repressão dos conflitos sociais, mas seu grau de dependência em relação ao exterior se fez evidente nos momentos de crise econômica. Assim foi em 1977-1978 e em 1982, quando a escassez de divisas impediu a aquisição, no exterior, de insumos de bens tão elementares como a pasta de dente, cuja produção se deteve imediatamente.

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Trabalhadores carregam fornalhas com corações de agave na destilaria da José Cuervo na cidade de Tequila, no México (Wikimedia Commons)

O papel do Estado

O Estado desempenhou um papel determinante na acumulação de capital. Acusado frequentemente, sobretudo a partir dos anos 1970, de socializante pela magnitude do setor público e paraestatal − mais de mil empresas no final da década − e do emprego burocrático, certo é que constituiu durante trinta anos um complemento do investimento privado, mais que um competidor, e um socializador de suas perdas. As bases mais sólidas dessa relação foram sedimentadas durante o governo de Miguel Alemán.

A fonte da miragem que consiste em imaginar um Estado que ameaça o capital privado radica na retórica estatal pós-revolucionária, que o definiu como expressão da revolução de 1910 e de seus conteú­dos sociais. Nos momentos de maior euforia declamatória, chegou até a comparar-se com a Rússia soviética. A revolução se consumava pela ação estatal. Portanto, a dimensão do Estado era diretamente proporcional à realização do impulso revolucionário. Não se tratava de um fenômeno meramente superficial, e sim de uma base de legitimação eficaz que amparou a ação estatal ao longo de meio século.

A concentração de capital necessária para empreender as obras de eletrificação, as hidráulicas, as de comunicações e transportes e, posteriormente, a siderúrgica, levou a investimentos públicos nesses setores, infraestrutura indispensável ao capital privado. O Estado se financiou com dívidas externas, dada a débil plataforma fiscal que nunca se atreveu a alterar e que quase não taxava as atividades empresariais, e simultaneamente subvencionou o capital mediante tarifas sobre os bens e serviços públicos abaixo de seu custo de produção. Essa política, aliada ao protecionismo, às generosas isenções fiscais para os capitalistas que fundassem novas indústrias ou ampliassem as já existentes e ao férreo controle do protesto social, fortaleceu o capital privado. Na década de 1970, este pôde impugnar a chamada excessiva e ineficiente ingerência estatal na economia, cujo equilíbrio financeiro estava, sem dúvida, seriamente erodido. O setor industrial avançou a passos de gigante de 7% anuais entre a segunda metade dos anos 1940 e princípios dos 1950.

O Estado criou o banco de desenvolvimento Nacional Financiera (Nafinsa), que servia tanto para proporcionar créditos ao capital privado como para financiar obras e empresas públicas. Estas, como precisou um ministro, não ficariam nas mãos do Estado, mas, depois de colocadas em marcha, seriam cedidas a particulares. Quando estes enfrentassem dificuldades, solicitariam o resgate público e a compra da empresa.

Ainda que o Estado mexicano tenha concordado com os Estados Unidos em sua postura diante dos comunistas e não tenha se oposto à presença cada vez mais avassaladora do capital norte-americano, não abandonou as linhas mestras que Porfirio Díaz tinha traçado em matéria de política exterior. No princípio dos anos 1960, o governo manteve relações diplomáticas com Cuba, apesar da ruptura dos Estados Unidos com a ilha, expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA). Anos mais tarde, o governo de Luis Echeverría (1970-1976) voltaria a vangloriar-se de sua autonomia no desenho de sua política com o vizinho do norte quando rompeu relações com a ditadura pinochetista, asilando os chilenos refugiados na embaixada, apesar do franco engajamento de Washington no golpe militar. No final da década de 1970, no auge dos conflitos centro-americanos, o México aceitou a presença em seu território dos membros das forças beligerantes e se propôs como mediador na busca de uma solução para os conflitos.

Trata-se de um paradoxo? De um discurso duplo? Internamente, a política exterior permitia fazer coincidir a retórica revolucionária com a prática governamental; era seu último elo. Com relação ao exterior, basicamente no que diz respeito aos Estados Unidos, tratava-se de exibir uma postura independente, que por sua vez outorgava ao México uma posição proe­minente no contexto latino-americano. Em algumas ocasiões, os dois propósitos se conjugavam, como em 1968, quando os porta-vozes e publicitários do governo justificaram a repressão aos estudantes com o argumento de que o movimento obedecia à linha desestabilizadora da CIA. Alguns agregaram à lista o KGB.

Não obstante, o regime contava com outros pretextos montados sobre uma estrutura corporativa. Com efeito, a não muito ampla oferta do Estado social mexicano, instrumentado desde os anos 1940 com a fundação do Instituto Mexicano de Seguro Social em troca da abdicação operária à reivindicação de aumentos salariais, permitiu vincular estreitamente os benefícios sociais à aquiescência política dos subordinados. Ainda que aqueles tenham sido anunciados como direitos da cidadania, na vida cotidiana seu exercício dependeu de um tecido muito fechado de tipo clientelista. A obtenção de uma moradia de interesse social, de uma permissão para ausentar-se, de um empréstimo de curto prazo ou mesmo a conservação de um posto de trabalho dependiam das relações com os ocupantes dos escalões da estrutura corporativa, que, em troca, exigiam obediência e disciplina à verticalidade da tomada de decisões.

A diminuição da combatividade operá­ria foi assegurada mediante a incorpora­ção de suas organizações ao aparelho de Estado, que as converteu em correias de transmissão das decisões assumidas na cúpula. A figura de Fidel Velásquez, dirigente durante mais de meio século da maior central sindical, a Confederação de Trabalhadores do México (CTM), foi essencial para a consumação do disciplinamento operário. Vicente Lombardo Toledano, fundador da CTM e posteriormente expulso do oficialismo, proporcionou a argumentação teórico-política para a subordinação: diante da voragem avassaladora do imperialismo norte-americano, era imperativo forjar uma estreita aliança entre o proletariado e a burguesia industrial nativa. A crítica mais sistemática às teses de Lombardo veio do escritor José Revueltas em Ensaios sobre um proletariado sem cabeça, que denunciou que as proposições lombardistas cerceavam a possibilidade de construção de um projeto autônomo de classe.

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Vista da Praça da Lua e da Avenida dos Mortos, em Teotihuacan, sítio arqueológico do México (Omar Bárcena/Creative Commons)

O milagre mexicano

Os anos 1960 assistiram à expansão do emprego e a aumentos salariais. Passada a década de 1950, o salário cresceu sem inflexões até 1976, assim como a produtividade. Progressivamente, os bens de consumo duráveis se incorporaram ao naipe das classes média e popular. A televisão figurou num lugar de primeira ordem no inventário de aquisições da segunda metade do século, tendo uma importância ao mesmo tempo econômica e cultural, devido à difusão dos valores veiculados por essa tecnologia midiática. A diminuição dos preços relativos de tais bens, aliada ao aumento dos salários e à incorporação, certamente lenta, das mulheres ao mercado de trabalho, o que significou um aumento da receita familiar, fez de amplas faixas urbanas o mercado da indústria de bens de consumo duráveis, quase em sua totalidade ocupada ou controlada pelo capital estrangeiro.

A maior presença feminina não se limitou à esfera produtiva. Em 1953, após uma luta de mais de meio século, as mulheres adquiriram o direito ao sufrágio nas eleições federais. Muito timidamente as portas desse direito foram se abrindo em alguns estados e em eleições locais. Teriam que se passar ainda 26 anos para que uma mulher assumisse um governo estatal − Griselda Alvarez, no Estado de Colima.

A década de 1960 foi chamada a do desenvolvimento estabilizador por seus executores, a do “milagre mexicano”, assinalado pela estabilidade dos preços, pelas altas taxas de crescimento e pela paridade fixa do peso com o dólar. A ausência de conflitos que ameaçassem a continuidade do modelo, ou ao menos a capacidade do regime para suprimi-los antes que se tornassem perigosos, ou para negociá-los, completava a imagem de um país latino-americano harmonicamente coeso e em deleite pela nostalgia das canções rancheiras de Jorge Negrete, as lições morais dos filmes de Pedro Infante e a falsa elegância musical de Angélica María.

A população aumentou incessantemente, invertendo os baixos ritmos de crescimento demográfico dos séculos XVII ao XIX. Entre 1950 e 1970, ela se duplicou e se concentrou em localidades de mais de 2.500 habitantes, nas quais em meados dos anos 1990 residiam três quartos dos habitantes do país. A Cidade do México e sua zona metropolitana retêm a quinta parte de toda a população nacional, isto é, ao redor de 20 milhões de pessoas.

Se bem que seja certo que à sombra do milagre se formou uma numerosa camada, a classe média, que podia aspirar a um apartamento próprio, a um automóvel e a uma ampla variedade de eletrodomésticos, símbolos de status e dos novos tempos, a maioria da população os viu como se olham as vitrines, ou seja, de fora. Até a classe média se deparou, na virada dos anos 1970, com o fim de suas aspirações de mobilidade ascendente.

A conjugação de um discurso centrado nos princípios revolucionários e o reluzir dos ícones da modernidade oferecia ao mundo a imagem de um país que não conheceria mais sobressaltos. As Olimpía­das de 1968 representavam sua coroação. Porém em 1968 houve o estouro de um protesto que não tinha paralelo na história pós-revolucionária.

Fissuras do regime

O 68, como seria chamado nos anos seguintes, não foi a única expressão da rebeldia, mas sim a mais visível − e para isso contribuiu a brutal repressão.

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Protesto de estudantes na Cidade do México, em agosto de 1968 (Marcel·lí Perelló/Wikimedia Commons)
A reversão da reforma agrária não havia deixado os camponeses imóveis. O líder camponês Rubén Jaramillo, que aos catorze anos havia combatido nas fileiras revolucionárias, retomou as bandeiras zapatistas. Quando sua luta não encontrou canais institucionais, veio o movimento armado no Estado de Morelos, que terminou com o seu assassinato em 1962.

O intercâmbio campo-cidade desigual obrigou o campesinato a aumentar a produção para não perder a corrida contra os preços dos bens industriais. Todavia, em meados dos anos 1960, a economia camponesa estava exausta de tal maneira que seu crescimento foi ínfimo e nulo a partir da década seguinte. O México teve que importar grãos básicos diante do retrocesso da superfície cultivada para o mercado interno.

O assassinato de Jaramillo não silenciou os produtores rurais. No início da década de 1970, as ocupações de terra se multiplicaram, enquanto o governo de Echeverría levava a cabo uma guerra sem quartel contra os líderes, por meio de sequestros e assassinatos. Contra ventos e marés, o movimento camponês conseguiu articular-se e, em 1984, organizou uma gigantesca marcha que desembocou no centro da capital, genuína prova de força contra um regime que então perdia toda a credibilidade diante do ator social de cujas mobilizações do princípio do século se proclamava herdeiro. Mas também contra ventos e marés, a economia camponesa continuou existindo: concentrados basicamente no centro e no sul do país, 3,5 milhões de camponeses com propriedade coletiva ocupavam algo em torno de 100 milhões de hectares.

No âmbito urbano, os professores, os ferroviários e os médicos turvaram a imagem de um México rude e enfim domesticado. Suas mobilizações, iniciadas com demandas salariais ou pela obtenção de benefícios sociais, chocaram-se rapidamente com as estruturas sindicais e terminaram convertendo-se em impugnações ao charrismo, erguendo a bandeira da democratização da vida dos grêmios.

O movimento ferroviário dobrou fortemente o aparelho corporativo porque, além de deslocar por algum tempo a direção charra do sindicato, desencadeou reivindicações similares em outros sindicatos. A extensão da impugnação operária excedeu os limites da tolerância estatal. Lançou-se então uma feroz repressão, com a demissão de centenas de trabalhadores em princípios de 1959.

Porém foi o 68 que retumbou mais fortemente na sociedade mexicana. Circunscrito a princípio a problemas estudantis, alcançou rapidamente a crítica ao sistema político em seu conjunto, com a exigência de renúncia de funcionários públicos. Diferentemente de seu homólogo francês, não conseguiu somar importantes contingentes operários, ainda amarrados à estrutura corporativa armada de um arsenal de contenção do proletariado urbano. Terminou com o chamado Massacre de Tlatelolco, em 2 de outubro, na Praça das Três Culturas, na Cidade do México, e o encarceramento de seus dirigentes. O jornal francês Le Monde comentou dois dias depois que “há que remontar-se a 1914, ano do golpe de Estado do general Huerta contra o presidente Madero, para encontrar semelhante carnificina na capital mexicana”. O número oficial de mortos não chegava a trinta, mas a imprensa estrangeira fez um cálculo de várias centenas. A responsabilidade do presidente Gustavo Díaz Ordaz (1964-1970) e de seu secretário de Governo, futuro executivo da nação, foi cuidadosamente ocultada, mas com pouco sucesso. Ainda hoje os dirigentes do 68 continuam aportando provas da responsabilidade de Luis Echeverría e solicitando seu encarceramento às instâncias judiciais.

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O Exército nas ruas em Zócalo, na Cidade do México, em 28 de agosto de 1968 (Cel-li/Wikimedia Commons)

A classe política tinha pensado que o uso da força contra o movimento estudantil aplacaria os ânimos, assim como havia sucedido em anos anteriores com os ferroviários e outros protestos. No entanto, as sequelas da repressão mostraram sinais muito diferentes. Os estudantes seguiram manifestando seu descontentamento, ainda que os níveis de mobilização de 1968 não voltassem a ser atingidos.

Esse foi também um período de guerrilha rural e urbana. Para muitos, após o 68, tinha ficado claro que as margens da luta legal estavam quase fechadas. Algumas ações foram espetaculares, mas a repressão também teve grande envergadura. O México conheceu, como outros países do subcontinente, uma guerra suja, cujas arestas mal começam a ser desvendadas no início deste novo século.

A contestação também se originou do movimento operário. No início dos anos 1970, os eletricistas encabeçaram uma batalha pela democratização sindical que logrou conseguir a adesão de muitos sindicatos e associações, entre outras a universitária. Foram reprimidos, mas se seguiu uma agitação trabalhista que colocou em evidência não somente os recursos do corporativismo, como também a face oculta da condição operária mexicana.

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Manifestações estudantis na Cidade do México, em setembro de 1968 (Reprodução/Wikimedia Commons)

A petrolização

O regime saiu com um descrédito difícil de recuperar se não se introduzissem reformas em seu funcionamento. A primeira tentativa consistiu em conseguir uma aproximação com os intelectuais, com os quais a relação tinha ficado severamente comprometida após 1968. Depois, a reforma eleitoral en­treabriu as monolíticas portas do sistema representativo para deixar entrar, em condições minoritárias e nada ameaçadoras, a esquerda agrupada em partidos. Por então, as jornadas de greves operárias, universitárias e estudantis tinham terminado. O flanco econômico, porém, apresentava uma vulnerabilidade de árdua correção. Os espetaculares resultados dos anos 1960 foram-se desvanecendo. A taxa de crescimento da economia, que nessa década tinha registrado uma média de 7%, declinou na década seguinte para 5,8%. A inflação anual, inferior a 3%, multiplicou-se por cinco nos anos 1970. A produtividade decresceu por causa do escasso investimento de capital na renovação da tecnologia; as exportações caíram também como consequência da pouca competitividade no mercado internacional e de um tipo de câmbio sobrevalorizado e fixo desde 1954, enquanto as finanças públicas se deterioravam com rapidez devido ao endividamento crescente com o exterior. A reestruturação das bases econômicas do México tinha levado a uma ruptura da coesão do regime político e prejudicado as relações dos empresários com o governo. De fato, em 1976, a poucos meses de deixar a cadeira presidencial, Luis Echeverría decretou a livre flutuação do peso, o que levou o câmbio a quase o dobro do que tinha prevalecido durante os 22 anos precedentes.

O petróleo salvou temporariamente a situação. O aumento incontrolável dos preços do óleo cru nos anos 1970 tornou rendosa sua exploração a ritmos ignorados no México. Jazidas já conhecidas, mas não exploradas, e novas explorações levaram à convicção de que o México estava assentado em um oceano de riquezas que apenas precisavam ser trazidas à superfície. As empresas petrolíferas texanas correram para explorar e vender a infraestrutura tecnológica necessária, enquanto os bancos, dizia-se, faziam fila para emprestar ao México. A bonança petrolífera permitiu adiar a revisão da estrutura econômica. As receitas fiscais derivadas da exportação do óleo cru reforçaram os gastos e a corrupção e provocaram uma passageira e indelével reativação econômica. A chamada “petrolização” da economia mexicana implicou que 75% das exportações repousassem no setor energético, assim como parte substancial das finanças públicas.

A partir de 1981, os preços do óleo cru iniciaram um declínio tão severo que no ano seguinte o México se encontrava numa situação mais difícil do que a de antes do boom. Os empresários advertidos da vulnerabilidade econômica sacaram seus capitais e não poucos partiram para o estrangeiro com suas milionárias reservas. Assim, em agosto de 1982, e durante de um ano, o México declarou moratória do pagamento de sua dívida. Um mês depois, numa ação surpreendente, o governo de José López Portillo (1976-1982) nacionalizou os bancos, e o câmbio se desvalorizou com o petróleo.

A primeira medida foi tomada com o objetivo de reordenar o sistema bancário, cujos lucros repousavam nas comissões cobradas pela compra e venda de divisas numa conjuntura de acelerada fuga de capitais e dolarização da poupança. Progressivamente, nos anos seguintes, os bancos nacionalizados foram cedidos a proprietários privados, que, por sua vez, tempos depois venderam suas propriedades aos grandes grupos financeiros espanhóis, franceses e norte-americanos. Com o objetivo de evitar que a crise financeira se agravasse, os Estados Unidos estenderam um empréstimo multimilionário de cerca de US$ 9 bilhões e o México aceitou as recomendações do FMI para sanear suas finanças. Tratava-se, entre outros itens, de contenção dos salários e supressão do controle de preços e dos subsídios a certos bens. Alguns analistas comentam que desde essa data funcionários norte-americanos se instalaram nos ministérios mexicanos para avaliar de perto o cumprimento dos ditames do FMI.

Sociedade civil e produção cultural

O regime continuava de pé, mas a sociedade tinha experimentado uma dinâmica que a distanciava dele. A produção cultural foi uma expressão desse distanciamento. Desde o final da Revolução, a cultura tinha sido oficializada. As pinturas murais realizadas por Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros, José Clemente Orozco, Ramón Alva de la Canal e outros artistas foram não somente aceitas, como também patrocinadas pelo governo. Eram peças monumentais na medida do público-alvo, ou seja, as grandes massas, nas quais os temas da opressão e da exploração coloniais sobre os indígenas e depois a redentora Revolução desempenhavam uma função pedagógica.

Nos anos 1960, surgiu uma nova geração de pintores. Alguns, como José Luis Cuevas, rechaçaram a herança muralista por seu caráter estatizante, embora tenham sucumbido mais tarde aos beneplácitos oficiais ou à comercialização de suas obras.

O romance também fora regido pelo tema revolucionário. Los de abajo, de Mariano Azuela, publicado em fascículos em 1916 e relançado com enorme sucesso em 1925, marcou o abandono dos temas do século XIX. A ruptura com as pautas consagradas prosseguiu nas décadas seguintes. Foi o “adeus à imagem nacional do ginete e do indígena do lugarejo”, disse Carlos Monsiváis. Em 1953, Juan Rulfo lançou Chão em chamas, que, sem ser propriamente camponês, tem como cenário um pequeno povoado do oeste mexicano. O primeiro romance urbano, A região mais transparente (1958), de Carlos Fuentes, colocou no centro da narrativa a Cidade do México, que se converteu no símbolo do cosmopolitismo do país. Em 1962, Fuentes escreveu um romance sobre um cacique, A morte de Artemio Cruz. Uma dezena de anos mais tarde, Vicente Leñero publicou Os pedreiros, no qual o mundo popular urbano é o protagonista com todos seus artefatos culturais, linguagem grosseira e violência física e verbal. As mulheres de letras também contribuíram com novas concepções de México. Rosario Castellanos se consagrou ao romance sobre os indígenas chiapanecos e Elena Poniatowska abordou temáticas sociais em A noite de Tlatelolco e Até não te ver meu Jesus. Nos anos 1980, Laura Esquivel combinou em Como água para chocolate a paixão amorosa e gastronômica com a inconformidade diante dos papéis sociais impostos às mulheres.

Ao terminar a década de 1940, fechou-se uma das épocas gloriosas do cinema mexicano pela sua qualidade estética. A fotografia preto e branco de Gabriel Figueroa, que popularizou as paisagens áridas do país e os céus cor de chumbo, foi uma de suas maiores vitórias, junto com as atuações de Dolores del Río, María Félix e Emilio Fernández. Sua temática girou em torno da epopeia revolucionária e do México dos caciques e suas injustiças. A partir de meados dos anos 1950, porém, o cinema embarcou no vaudeville burlesco em troca de benefícios rápidos e em quantidade graças aos subsídios estatais.

Nos anos 1980, porém, ressurgiu uma cinematografia com uma nova geração de diretores que abordou temas urbanos e sociais com uma perspectiva crítica. Problemáticas anteriormente censuradas como o homossexualismo e o 68 puderam ser abordados em Amanhecer Vermelho, bem como a venalidade do regime político e suas dimensões mais violentas e absurdas em A lei de Herodes e Todo o poder.

A rádio e a televisão se encarregaram de difundir o rock dos Estados Unidos traduzido para o castelhano, enquanto grupos musicais mexicanos excluídos dos circuitos comerciais cantavam e denunciavam a perseguição policial aos jovens urbanos.

A caricatura política foi uma das válvulas de escape da crítica desde o século XIX, tradição que prosseguiu ao longo do século XX. Ainda que a imprensa tenha sido vigiada de perto durante os anos de reinado do PRI, a caricatura foi tolerada e socialmente celebrada. Expresso em uma linguagem gráfica muito sutil, o descontentamento se manifestou muitas vezes pelos jornais. Quando surgiu uma imprensa independente, em termos políticos e financeiros, a caricatura pôde exibir mais frontalmente seu espírito combativo. O semanário Proceso nasceu em 1976 e o jornal La Jornada, em 1984.

Em outros âmbitos da vida cultural, a autonomia foi conseguida ao preço da marginalidade e da precariedade de recursos. Ainda que descontinuados no tempo, muitos projetos culturais se forjaram dando luz a grupos musicais, realizações cinematográficas, publicações periódicas etc. No fundamental, porém, o mundo da produção de artefatos culturais ficou colonizado pelos grandes consórcios midiáticos, como o duopólio Televisa e TV Azteca.

Não obstante o cancelamento e a vigilância estatal estrita dos espaços civis da vida social, esta conseguiu pouco a pouco conquistar certas margens de ação independente. O caso mais exemplar foi o das universidades, onde as ideias, a discussão e a pesquisa nutriram gerações inteiras com formação crítica diante dos conteúdos autoritários da sociedade e da política mexicanas. A democracia no México, de Pablo González Casanova, foi um pioneiro da análise da estrutura mexicana que demonstrava as regras antidemocráticas do jogo político e de seus artífices. Não se tratava somente do questionamento à falta de democracia que regia as instituições do Estado, mas também das diversas formas de opressão e repressão, como o patriarcalismo.

Apesar do embate contra o movimento de 1968, as universidades públicas conservaram a autonomia cultural e científica, ainda que os governos nunca deixassem de influir nas decisões de maior alcance por meio do controle orçamentário.

O neoliberalismo em construção

A crise desencadeada pela brusca diminuição dos preços do petróleo deixou claras as profundas contradições da economia mexicana. O peso da dívida externa, a petrolização das finanças públicas, a obso­lescência do parque industrial foram características criticadas em todos os flancos do espectro político.

Os créditos estrangeiros se fecharam porque o país não era mais solvente. Seu resgate se fez mediante a assinatura de cartas de intenção com o FMI, que submetiam o país a condições de ajuste mais estritas e a uma vigilância extrema.

Assim começou o enxugamento do Estado durante o governo de Miguel de la Madrid (1982-1988), com ajustes orçamentais severos, disciplina fiscal e o desmantelamento de 118 empresas paraestatais, de pouca importância para a atividade industrial. O enxugamento atingiria níveis muito maiores e teria impactos estruturais, isto é, a privatização de áreas inteiras da economia pública em favor de capitalistas privados e em operações de legalidade duvidosa, durante os sexênios seguintes. A telefonia, os bancos, a petroquímica secundária e os fundos de pensão passaram às mãos de particulares. Os governos de Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) e de Ernesto Zedillo (1994-2000) foram os maiores artífices da virada neoliberal dos anos 1990, que muitas vezes significou operações de venda nas quais o patrimônio público era subavaliado.

México: organismos, empresas
e fideicomissos paraestatais
(1982-1994)

Tipo de entidade

1982

1994

Organismos
descentralizados

102

82

Empresas de
participação estatal

882

107

Majoritárias

744

107

Minoritárias

78

0

Fideicomissos

231

30

Totais

1155

219

Fonte: ROGOZINSKI, Jacques. La privatización en México. Razones e impactos . México, D.F.: Trillas, 1997.

Aplaudidos pelos organismos financeiros internacionais, ambos os presidentes criaram uma teia compacta de interesses entre a classe político-tecnocrática e os empresários mexicanos, alguns dos quais passaram a engrossar a lista dos homens mais ricos do mundo. O caso mais famoso é o de Carlos Slim Helú, que começou a aparecer durante o governo de Salinas graças à compra da Telefones do México e hoje encabeça o ranking dos multimilionários latino-americanos.

Socialização de perdas e privatização de lucros foram os eixos da condução político-econômica. Em 1995, após um desastre financeiro que levou o país à beira da ruína, o governo saiu em resgate dos bancos, assumindo as perdas causadas pelos negócios fraudulentos dos banqueiros, os quais, anos depois, venderiam suas empresas a seus homólogos estrangeiros. Foi criado o Fundo de Resgate da Poupança Bancária, transformado mais tarde em Instituto de Proteção à Poupança Bancária, que permitiu salvar os interesses da grande burguesia financeira e ocultar a origem do desastre. O resgate bancário representou um gasto de US$ 135 bilhões de recursos públicos, ou seja, 25% do PIB, segundo o Banco Mundial.

Ao mesmo tempo, liberava-se o comércio mediante a entrada do México no GATT. No final de 1992, foi assinado o Tratado de Livre-Comércio da América do Norte com os Estados Unidos e o Canadá (NAFTA), que confirmou a direção assumida de desregulamentar a economia e subordiná-la ao gigante do norte. Ao término do século XX, 90% das exportações mexicanas eram dirigidas para ele, quando em 1982 os Estados Unidos representavam 50% dos intercâmbios comerciais.

De maneira repentina, a indústria mexicana, habituada ao protecionismo alfandegário, enfrentou a competitividade de mercadorias estrangeiras de igual ou menor preço e, em algumas ocasiões, de melhor qualidade e com o prestígio de uma marca desejada por certas faixas do mercado. Os elos produtivos foram rompidos e a indústria de bens de capital, certamente pequena, foi varrida. A indústria de montagem ou maquiladora, cujas exportações representavam quase a metade do total, adquiria apenas 3% de seus insumos no mercado nacional, enquanto 42% das exportações não maquiladas continham 30% de conteúdo nacional, incluindo o salário pago aos trabalhadores. Em contraste, em 1982, as exportações de manufaturados continham 91% de insumos nacionais. Embora as exportações registrassem consideráveis aumentos desde a entrada em vigor do NAFTA, as importações de bens de capital igualmente cresceram: durante os primeiros anos de existência do tratado, as importações de bens de capital subiram quase 100%.

O capital passou a fatura de suas desventuras ao trabalho. O desemprego já não pôde encontrar refúgio em um campo exaurido, enquanto os ainda ativos enfrentavam jornadas mais longas e mais intensas. Simultaneamente, foi inserido no mercado de trabalho um número maior de membros de cada família para tentar conter a deterioração do salário e de seu poder aquisitivo. O setor informal, categoria muito ampla para a diversidade de atividades que nele se realizam, é o substituto do antigo campo. Trabalha nele um terço da população ativa urbana.

Pobreza, maquiladoras, emigração e narcotráfico

Quatro fenômenos adquiriram uma dimensão notável, ainda que não fossem novos. O primeiro foi o espetacular crescimento da pobreza, que abrangeu metade da população. Mas a pobreza é o resultado de um processo socioeconômico, e não uma sorte de efeito não desejado. Em 1958, os 10% mais pobres possuíam 2,3% da receita; em 2000, apenas 1,5%. Já os 10% mais ricos detinham 35,7% na primeira data e 40,3% no início do novo século.

O segundo fenômeno concerne à maquiagem da economia. Do ponto de vista técnico, consiste na simples junção das peças de uma mercadoria, fase de um processo de produção fragmentado. Em termos econômicos, significa o barateamento do custo de produção: a montagem das peças deixa de ser feita nos países em que a mão de obra é bem mais cara do que naqueles em que se instalam as empresas maquiladoras. A diferença salarial entre os Estados Unidos e o México é tão grande que para muitas empresas é atrativo deslocar os segmentos mais intensivos do processo de produção para o outro lado da fronteira, levando em conta que os gastos com transporte nesse caso são pequenos devido à proximidade geográfica.

As maquiladoras se instalaram fundamentalmente na fronteira norte e na maioria dos casos com mão de obra feminina. São beneficiárias de tratamento fiscal especial e da aplicação discreta da legislação trabalhista e ambiental. Cidades como Tijuana, Matamoros e Ciudad Juárez, mas progressivamente algumas mais ao sul da fronteira, estão sujeitas ao ciclo de maquilagem, de tal maneira que o anúncio de uma demissão maciça ou do fechamento de uma empresa provoca a previsão de um cataclismo socioeconômico.

Visto que se trata de processos de trabalhos repetitivos, perigosos, como no caso da montagem dos eletrônicos, ou desgastantes, as operárias são substituídas quando seu rendimento começa a declinar. Ainda que sejam um paliativo para o desemprego − em 2005 trabalha nas maquiladoras 1,2 milhão de operários, cifra que corresponde ao dobro da de 1995 −, tornaram-se uma arma das multinacionais para pressionar a queda dos salários, com a ameaça de levar as montadoras para outros países da América Latina ou para a China.

O terceiro fenômeno é a emigração. Na década de 1990, o número de emigrantes para os Estados Unidos cresceu 97% e durante os três primeiros anos do novo século, 13%. Como uma parte substancial da emigração é ilegal, sua quantificação é aproximada e só se pode calculá-la com base no aumento das remessas enviadas pelos emigrantes às suas famílias. No total, nos Estados Unidos, viviam em 2005 ao redor de 26 milhões de chicanos, ou seja, a quarta parte da população do México, e suas remessas alcançavam US$ 16 bilhões anuais. Tal cifra ultrapassa o montante do investimento estrangeiro direto anual e as exportações petrolíferas.

Ainda que tradicionalmente fossem os estados centrais e do centro-norte os exportadores de mão de obra para os Estados Unidos, os migrantes provêm de todas as regiões, desde as contíguas à fronteira até as meridionais. Se no começo eram sobretudo camponeses, hoje partem também profissionais e técnicos urbanos.

A emigração constitui uma “saída” para o desemprego. É, dessa perspectiva, uma estratégia de sobrevivência, mas não pode ser analisada à margem de seu impacto na economia norte-americana, beneficiária da chegada de milhares de trabalhadores com salários nitidamente inferiores aos da média do país. Tampouco pode ser separada da violência inerente ao êxodo. Os mortos na tentativa de atravessar a fronteira somam milhares a cada ano. Ademais, o fenômeno migratório deve ser visto também a partir das comunidades de origem, que vão se despovoando e ficam habitadas por mulheres, crianças e velhos, enquanto os adolescentes esperam impacientemente a maioridade para cruzar o rio Bravo ou o deserto.

Por último, sintoma de ruptura dos vínculos sociais, o auge da economia do crime, na qual desempenha um papel de primeira ordem o narcotráfico, cuja magnitude real não pode obviamente ser conhecida. A economia do crime concerne tanto ao comércio de drogas quanto à prostituição infantil e a fenômenos de delinquência, provavelmente vinculados ao tráfico de mu­lheres, como o chamado “as mortas de Ciudad Juárez”. Trata-se de mais de quatro­centas mulheres assassinadas após serem estupradas nessa cidade do norte, que vive da eco­nomia maquiladora. A magnitude da economia do crime não pode ser compreen­di­da à margem de seu estreito entrelaçamento com o poder estatal, quer dizer, é parte da conformação do estado mafioso.

Agrupados em cartéis (do Golfo, de Ciudad Juárez, de Tijuana), os chefes do narcotráfico são os maiores distribuidores de drogas nos Estados Unidos e participam do envio de drogas que vêm da América do Sul com o mesmo destino. O nível de violência que corre paralelo ao narcotráfico registra suas principais vítimas nos estados onde opera.

Há uma dimensão cultural do narcotráfico que deve ser evidenciada. O corrido, gênero musical que teve seu esplendor durante a Revolução de 1910, converteu-se no narcocorrido, no qual os protagonistas desse negócio são heroicizados no relato das peripécias de um embarque e do modo pelo qual foram ou não burladas as autoridades norte-americanas. Constitui uma revanche simbólica dos mexicanos diante dos gringos que os segregam e discriminam. Sua popularidade é tamanha que, não obstante a proibição de transmiti-los pelo rádio, alcança um público cada vez mais amplo.

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Protesto de desempregados na Cidade do México, em junho de 2011 (Design for Health/Creative Commons)

Tempos de protesto

Em 1985, o descrédito do governo chegou a um ponto culminante. Em 19 de setembro, um forte terremoto sacudiu a Cidade do México, derrubando edifícios e casas. A lenta reação das equipes de resgate do governo contrastou com a organização não planejada dos cidadãos, que formaram brigadas de ajuda às vitimas e suplantaram aqueles encarregados desse tipo de tarefa. Chegou-se até a uma confrontação entre as equipes de resgate, que insistiam em prosseguir os trabalhos, e o governo, que ordenou o término das buscas para esconder a corrupção que havia prevalecido na concessão de licenças de construção − origem da proliferação de habitações e edifícios frágeis. Ouviu-se falar, nessas jornadas de luto, do nascimento da sociedade civil mexicana. Parecia que as reservas de autonomia social não estavam esgotadas ou haviam sido revitalizadas por força das contingências.

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Imagem da Cidade do México após terremoto, em setembro de 1985 (Roberto Esquivel Sánchez/Wikimedia Commons)

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Prédios destruídos na Cidade do México durante o terremoto, em setembro de 1985 (Roberto Esquivel Sánchez/Wikimedia Commons)

Os sweat shops do centro da capital, instalados em edifícios não previstos para a pesada maquinaria, caíram sobre as operárias têxteis. Suas condições de trabalho vieram à luz, dando lugar à articulação de um projeto produtivo e político independente com a ajuda de mulheres intelectuais e organizações não governamentais.

Nesse contexto, aconteceu a chegada de Carlos Salinas à presidência, em 1988, após um controvertido processo eleitoral. Os primeiros resultados apontavam a vitória de Cuauhtémoc Cárdenas, filho do já mítico presidente dos anos 1930, ainda que depois se anunciasse a do candidato do PRI. As cédulas de voto foram então guardadas na sede do Congresso da União, que tempos depois sofreu um inexplicável incêndio.

Salinas de Gortari fortaleceu a orientação neoliberal da economia e da sociedade. Nas esferas governamentais, a velha classe política foi substituída por jovens egressos das universidades norte-americanas, que já não necessitavam de um “currículo” que provasse o conhecimento das técnicas de controle corporativo para ascender na pirâmide da função pública.

Tiveram início as longas conversações para a assinatura do NAFTA, que entrou em vigor em 1994. Antes, em 1992, foi modificada a situação jurídica das propriedades de terra coletivas. Sua inalienabilidade tinha sido consagrada no texto constitucional de 1917, porque se argumentou naquela ocasião que de outra maneira os proprietários, individualmente, ficariam vulneráveis aos embates expropriatórios dos empresários e especuladores agrários. A propriedade coletiva só poderia perdurar se não se fracionasse, mesmo que a posse e a propriedade pudessem ser individuais. Os novos marcos legais proclamavam o fim da propriedade coletiva e abriam a possibilidade da venda parcial das terras. Caíam, de um mesmo golpe, nacionalismo e agrarismo.

A essa altura, quase ninguém se recordava dos índios do México, cujo desaparecimento os liberais triunfantes do século XIX e seus seguidores do século XX tinham prognosticado e promovido. Os governos emanados da revolução impulsionaram o integracionismo como fórmula de inclusão da população indígena à nação. Ainda que com métodos diametralmente opostos à política de extermínio do século XIX, o indigenismo estatal apostava na inclusão mediante a eliminação, certamente não física, das culturas indígenas.

Revolta em Chiapas

Nesse ambiente ideológico, em 1° de janeiro de 1994, dia de entrada em vigor do NAFTA, explodiu a rebelião dos índios de Chiapas. Não foi uma coincidência cronológica, mas a demonstração do repúdio ao tratado, que, com a reforma constitucional que abria as portas para a morte da propriedade coletiva, introduzia, disseram os zapatistas, o fim dos indígenas do México.

Quem os conduzia? Foi a pergunta que muitos jornalistas e intelectuais formularam. Sempre prevaleceu a ideia dos indígenas como uma massa sofrida e explorada, mas inerte, incapaz de iniciativa social própria. Suas mobilizações tinham sido promovidas por atores externos aos povos índios e com fins demagógicos. Ora, o Subcomandante Marcos não era indígena; como consequência, podia-se referendar o estereótipo da inércia nativa. No entanto, nessa ocasião, a sociedade decidiu ouvir os índios de Chiapas, sem a mediação de seus intérpretes.

No discurso dos rebeldes havia uma evocação aos símbolos mais venerados. Zapata era o que ocupava o lugar central em que se inspiravam para tomar o nome de Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Mas, além do zapatismo, havia também uma referência à histórica exclusão da população indígena por meio do saque, do racismo, da exploração. Não se tratava de provocar compaixões, mas de suscitar a compreensão de um levantamento em que os protagonistas da mudança seriam os próprios indígenas.

O EZLN é um movimento armado que, diferentemente de muitos outros na América Latina, não exigiu que a sociedade formasse uma organização semelhante ou se apetrechasse com equipamentos de guerra. Em vez disso, sustenta que a mudança acontecerá mediante a construção de outro modo de produção da vida, e não pela tomada do poder do Estado.

O EZLN é composto de indígenas e, ainda que estes reivindiquem seus direitos culturais, não é um movimento étnico. A denúncia da condição indígena é simultânea à da homofobia, do sexismo, do antissemitismo etc. Essa postura permitiu agrupar uma corrente ampla de simpatizantes ou, mais ainda, de organizações que procuram retomar o método político dos zapatistas. Foi o caso dos estudantes da Universidade Nacional, que, numa longa greve pela conservação do caráter público da educação, que se estendeu de 1999 a 2000, adotaram formas inovadoras na elaboração de suas decisões, nos modos de conduzir as discussões e de nomear seus representantes.

A luta dos zapatistas se processa na construção da autonomia, que também foi seguida pelos povos nativos de outras partes do país, das comunidades de apoio que vão tecendo novas formas de sociabilidade entre mulheres e homens, entre velhos, adultos e crianças, entre professores e alunos, ao mesmo tempo que se conjugam tradição e apropriação de novos conhecimentos.

A trajetória do EZLN em anos de existência pública não foi linear. Em 2001, realizaram uma longa jornada pelo México, que lhe assegurou apoios em todo o caminho. Sua manifestação mais notável foi o comício na praça central da Cidade do México, que aglutinou centenas de milhares de pessoas. Mas, poucos dias depois, a lei indígena votada na Câmara dos Deputados não acolheu as demandas dos zapatistas, que optaram por um prolongado silêncio, rompido apenas por alguns comunicados. É uma estratégia que permite evitar enfrentamentos cujo desenlace pode ser trágico e ao mesmo tempo conservar intacta sua legitimidade.

Além dos caminhos políticos do EZLN, os indígenas zapatistas lograram tirar o estigma de sua identidade e inverter o significado que durante mais de cinco séculos se atribuiu por parte de europeus e criollos à categoria de índio. O tema indígena ingressou na agenda política nacional, mesmo que as condições gerais de sua vida sigam marcadas pela pobreza extrema, a desnutrição e a alta mortalidade.

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Encontro de mulheres Zapatistas em La Garrucha, em Chiapas, em dezembro de 2007 (Shannon/Creative Commons)

Como começa o século XXI no México?

Ainda que as reformas neoliberais tenham alcançado setores estratégicos da sociedade e da economia, o projeto não pôde ser completado no final dos anos 1990. Faltavam três elementos maiores, e para lográ-los era necessária uma mudança de grande envergadura na correlação de forças política e social. Tratava-se da reforma energética, trabalhista e fiscal. A primeira consistia em privatizar o petróleo, ou seja, desmantelar a PEMEX, a empresa estatal. A segunda se referia à alteração dos marcos jurídicos das relações de trabalho mediante a legalização de práticas empresariais de flexibilização. A terceira tributava o consumo básico, até então isento de impostos.

O capital político do PRI estava demasiadamente erodido então para que o partido empreendesse com êxito uma campanha a favor das reformas cuja urgência era pedida pelos organismos financeiros internacionais e pelo capital multinacional. O presidente Zedillo carregava em seu débito os efeitos da crise de 1994, que arruinou centenas de pequenos e médios empresários e deixou desempregados milhares de trabalhadores, com as investigações não concluídas sobre os assassinatos políticos do salinismo − um cardeal, um membro proeminente do PRI e o candidato do PRI à presidência da República − e com uma torpe estratégia diante do conflito de Chiapas.

A instituição presidencialista, coluna vertebral dos acordos entre grupos políticos, não gozava da vitalidade costumeira. Para o capital, era necessária uma fórmula alternativa.

O Partido Ação Nacional, nascido na oposição ao cardenismo dos anos 1930, apresentou um candidato, Vicente Fox, às eleições de 2000. A corrente dominante no PAN era o denominado neopanismo, que concluiu acordos com o salinismo e foi investido por forças de ultradireita. De trajetórias diversas, integrada por organizações como a Provida, dedicada a combater o aborto e sua legalização, e outras animadas por grupos empresariais, a ultradireita tinha ficado na penumbra do discurso estatal durante muito tempo, com o objetivo de apresentar um país inteiramente coeso em torno do PRI.

As propostas apresentadas por Fox eram simples, expressas em linguagem popular e formuladas como se a solução dos problemas nacionais fosse questão de senso comum e boa vontade. Dois exemplos bastam. Ao referir-se ao conflito de Chiapas, ele assegurou que em quinze minutos se solucionaria e que remediar a pobreza era factível se cada mexicano contasse com um changarro (pequena barraca).

Um setor da esquerda aderiu ao voto útil contra o PRI. Em outras palavras, se o objetivo era a derrota do partido oficial mais que a eventual ou improvável vitória do Partido da Revolução Democrática (PRD), havia que marcar a cédula a favor do PAN, que efetivamente triunfou nas urnas. Depois de mais de meio século, o PRI saía derrotado de uma eleição.

O enorme capital político do novo presidente minguou com rapidez. As promessas de campanha se realizaram em sentido estritamente inverso: a expectativa de um crescimento anual do PIB de 7% deu num crescimento baixo ou nulo; o conflito de Chiapas não se resolveu e a pobreza chegou a níveis maiores. Tampouco as reformas pendentes puderam ser aprovadas. Nenhum partido, fora o PAN, iria comprometer-se numa aventura tão custosa em termos eleitorais.

Diretamente proporcional ao desprestígio do PAN foi a ascensão do chefe de governo da capital, Andrés Manuel López Obrador. Desde 1997, quando Cuauhtémoc Cárdenas ganhou as eleições locais, a cidade ficou nas mãos do PRD. Entretanto, em resultado contestado, o candidato do PAN, Felipe Calderón, venceu as eleições presidenciais de 2006 com uma vantagem de apenas 0,6% sobre Obrador.

Memória e rebeldia

Mas as linhas que pautam o desenvolvimento posterior do México não são apenas nem principalmente as dos resultados eleitorais vindouros. Repousam em encruzilhadas várias vezes seculares, agravadas no último meio século, e em outras de mais recente fatura.

A dimensão mais depredadora do capitalismo sempre foi trasladada aos seus espaços coloniais e neocoloniais. A poda de árvores e homens é imoderada nessas latitudes em que a resistência parece vestir-se de anacronismos para ser eficaz, mas que na realidade se nutre de memórias muito antigas para atualizar permanentemente a ação à altura dos desafios do presente.

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Manifestação popular reprimida pela polícia e pelo exército em San Lázaro, em dezembro de 2012 (Eneas De Troya/Creative Commons)

A estreita relação do México com os Estados Unidos, fortalecida desde o término da Segunda Guerra Mundial, e a intenção deste último de aprofundar sua área de influência na América Latina por meio da ALCA converteu o México numa das peças de seu xadrez. Este, de sua parte, deu uma guinada em sua tradicional política exterior autônoma. O papel de contenção desempenhado pelo México na América Latina moveu-se mais em direção ao sul do continente. Em troca, no México abriram-se as fronteiras para a apropriação e a expropriação dos recursos nacionais numa lógica de vertiginosa depredação econômica e social. O Plano Puebla Panamá (PPP), projeto que favorece os interesses norte-americanos e que pretendia tornar-se uma área de transporte multimodal, de exploração agrícola e de instalação de maquiladoras, foi estimulado pelo governo mexicano diante dos centro-americanos.

Quando Humboldt visitou a Nova Espanha em princípio do século XIX, disse ter ficado assombrado com um país onde os ricos tinham tudo e a maioria nada. Graças a outras personalidades e a várias revoluções, a estrutura polar segue marcando a paisagem social e, no alvorecer do novo século, recrudesce. Perfila-se, então, um cenário de tecido social desgarrado com suas esteiras de atomização, degeneração mafiosa dos grupos de poder e exclusão.

O México não experimentou cataclismos sociopolíticos como os países do Cone Sul nos anos 1970, e isso impediu o exercício tão sistemático da desmemória praticado em tantas outras nações latino-americanas. As diásporas produzidas pela migração desertificaram povos inteiros, mas reconstroem simultaneamente comunidades transnacionais que reproduzem vínculos sociais entre membros geograficamente distantes. Saberes produtivos e rituais festivos se conservaram com transformações e, desse modo, se preservou a autonomia material de certas faixas da sociedade, assim como sua coesão. A renovada rebeldia do povo mexicano encontra assim uma explicação.

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Marcha contra Enrique Peña Nieto e fraude eleitoral, manifestantes levam uma imagem de Emiliano Zapata, em Tijuana, em 2012 (Christian Javan/Creative Commons)

(atualização) 2005 -2015

por Carlos Eduardo Martins

Durante os governos Calderón e Peña Nieto, acentuou-se a tendência à estagnação da economia mexicana, fenômeno que a vem caracterizando desde a década de 1980. Assim, se entre 1950 e 1970 o crescimento promédio do PIB foi de 6,8%, e de 6,1%, nos governos de Luiz Echeverría e Lopez Portillo, respectivamente, a partir do governo Miguel de La Madrid, quando eclodiu a crise da dívida externa, as taxas de crescimento do PIB despencaram. Além disso, se no governo de Carlos Salinas de Gortari as taxas se elevaram desde o quase zero de Miguel de la Madri para 3,9%, estimuladas pelo plano Brady, antes de se estalar a crise de 1995, voltaram a descer lenta e progressivamente, alcançando 3,5% no governo de Ernesto Zedillo, 2,5% no sexênio de Vicente Fox, 1,9% no de Felipe Calderón, e 1,8% nos primeiros dois anos de Enrique Peña Nieto.

A crise do Estado mexicano, que explica o baixo crescimento econômico, é resultado da adoção de um enfoque neoliberal de políticas públicas e da sua subordinação aos interesses da economia norte-americana, cujo declínio e perda de dinamismo se tornaram evidentes ao longo do século XXI. Um dos principais pilares da crise do Estado mexicano é a crise da economia petroleira. Ela tem seu fundamento no uso dos lucros da PEMEX para custear as contas públicas. A iniciativa partiu do governo Miguel de La Madrid, com o objetivo de financiar a crise da dívida externa, mas se manteve a partir do governo Salinas, articulando-se com a redução da carga tributária e com o uso dos excedentes da PEMEX para custear o gasto corrente. A redução da carga tributária incidiu principalmente sobre o comércio exterior, a fim de favorecer as maquilladoras. A receita tributária do governo federal, que equivalia a 13,4% do PIB em 1980, reduziu-se para 10,8% em 2000 e para 8,6% em 2006, alcançando 9,0% em 2010.

O resultado foi uma forte diminuição dos investimentos da PEMEX, a sua desindustrialização, bem como a reorientação da produção do mercado interno para a exportação do petróleo cru aos Estados Unidos. A crise da economia petroleira mexicana se acentuou a partir de 2009, com a queda dos preços internacionais de petróleo e com a diminuição da demanda norte-americana. Depois, em meio a uma crise econômica, o vizinho decidiu substituir as importações em favor da produção local tradicional ou alternativa, como o gás de xisto. Combinou-se, então, um cenário dramático de queda de preços e de redução das exportações de petróleo mexicanas, com fortes efeitos sobre os gastos públicos, uma vez que o equilíbrio fiscal sempre esteve fortemente associado ao uso dos excedentes da PEMEX.

A crise estrutural do Estado mexicano se agravou com a vulnerabilidade crescente do balanço de pagamentos, em função do aumento das remessas de lucro e da estagnação das remessas de imigrantes, que cresceram fortemente na década de 2000. Desse modo, entre 1990 e 2007, cerca de 5 milhões de mexicanos se mudaram para os Estados Unidos, antes que a crise econômica e o endurecimento das leis norte-americanas diminuíssem drasticamente esse fluxo. Os governos Calderón e Peña Nieto deram sua contribuição a esse contexto crítico, aprofundando as debilidades da economia mexicana, sua subordinação ao imperialismo norte-americano, às desigualdades internas, à pobreza e à violência.

O relatório da Oxfam, confederação internacional que reúne dezessete organizações na luta contra a pobreza, intitulado Desigualdade Extrema no México (2015), apontou que, entre 1981 e 2012, a distribuição funcional de renda favoreceu enormemente o capital frente ao trabalho. Assim, enquanto a parte do capital se elevou de 62% para 73% da renda, a do trabalho diminuiu de 38% para 27% no período. Entre 2000 e 2013, a riqueza dos quatro maiores multimilionários mexicanos se elevou de 2% para 9% do PIB, pintando um retrato assustador da desigualdade: 21% da renda do país se concentrava nas mãos de 1% da população – na China, esse patamar correspondia a 7%. É verdade que o informe registrou uma queda da desigualdade entre 1990 e 2010. Mas, a partir daí, aconteceu uma forte elevação, vinculada à contenção das remessas de imigrantes mexicanos dos Estados Unidos para as zonas rurais mexicanas.

Durante a campanha eleitoral, Felipe Calderón prometeu ser o presidente do emprego, porém ampliou fortemente o desemprego e a pobreza. Durante sua gestão, a taxa de desemprego aberto ascendeu de 3% para 5% da população, bem como de 6,7% para 9,7% entre os jovens. Assim, a população desempregada ampliou-se em 2,176 milhões de pessoas e a empregada informalmente em 3,411 milhões. A taxa de pobreza por ingresso subiu de 42,9% para 52,3% entre 2006 e 2012, e o salário mínimo registrou uma queda de 43,1% de seu valor real.

Além disso, Felipe Calderón venceu as eleições sob forte suspeita de fraude eleitoral. Com 95% dos votos apurados, ele aparecia 1% atrás de Manuel Lopez Obrador, para triunfar ao final com uma margem inferior a 0,6% dos votos válidos. A fim de se legitimar, buscou aproximação dos governos latino-americanos de esquerda e centro-esquerda, que haviam se firmado na região a partir de 1999. Seu governo se apresentava como descolado do alinhamento automático aos Estados Unidos, postura que havia marcado o governo de Vicente Fox. Calderón ainda se pronunciou contra a execução de Saddam Hussein, restabeleceu relações diplomáticas com a Venezuela, firmou um memorando com Cuba sobre a migração de cubanos que chegavam aos Estados Unidos pelo território mexicano, recebeu a secretaria pró-tempore do Grupo do Rio para o biênio 2008-2010, bem como retirou seu embaixador de Honduras quando do golpe de Estado contra Manuel Zelaya, não reconhecendo o governo de Roberto Micheletti, mas também recusando-se a receber Zelaya como exilado, somente na condição de hóspede distinguido.

A aproximação com as esquerdas latino-americanas em aspectos muito específicos não impediu, todavia, que o México continuasse a desempenhar um papel fundamental na imposição da agenda norte-americana na América Latina e no Caribe. Em abril de 2007, Calderón relançou o plano Puebla-Panamá, rebatizado de Mesoamerica e incluindo a Colômbia, com o objetivo de ser um contrapeso à influência da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), e de promover o combate às drogas como prioridade para a segurança nacional do México, da América Central e do Caribe. Já em 2007, Calderón e o presidente norte-americano George W. Bush começaram a discutir o projeto Mérida, anunciado em outubro daquele ano, e efetivamente aprovado e implantado em 2008. Pelo acordo, as Forças Armadas mexicanas passaram a receber treinamento e equipamento de militares norte-americanos para combater o tráfico de drogas. Por fim, durante o governo Calderón, 6.302 militares mexicanos foram treinados pelo Pentágono e, no governo Peña Nieto, mais 2.976, até março de 2014. Apenas no governo Calderón, o México recebeu US$ 1,9 bilhão em treinamento e equipamentos norte-americanos.  

A Mérida resultou em um brutal aumento da violência no país. Entre 2007 e 2011, a taxa de homicídio se elevou em 15% ao ano. Estima-se em 60.000 o número de homicídios gerados pela iniciativa entre 2006 e 2012 e, em mais 10.000, o produzido durante o primeiro ano de Peña Nieto. A taxa de homicídios para cada 100 mil pessoas foi de 9,78 no governo Fox e para 14,5 no governo Calderón, alcançando 22 em 2012. O governo Calderón aumentou dramaticamente o número de extradições de mexicanos para serem julgados em cortes norte-americanas. Por exemplo, entre janeiro de 2007 e janeiro de 2012, foram extraditadas 505 pessoas, sendo que 80% delas eram mexicanas – 3.150% a mais que no governo Salinas, 631% a mais que no governo Zedillo e 214% a mais que no governo Fox.

Já no final de 2012, o governo Calderón reformou a legislação trabalhista, alterando boa parte de seus artigos. As mudanças implicaram numa ampla reversão dos direitos dos trabalhadores, resultando na extrema vulnerabilidade destes diante do poder patronal. Entre outras medidas, foi anulada a estabilidade no emprego e foi legalizada a terceirização, a jornada de trabalho também foi fragmentada, permitindo a contratação por horas descontínuas. Além disso, foi estabelecido o acréscimo de atividades conectadas à jornada de trabalho, elevando sua intensidade sem aumento da remuneração, foi dado ao patrão a possibilidade de rescindir unilateralmente os contratos temporais com prazo de três meses até um ano, foi eliminada a necessidade de indenização ao final dos contratos temporais, eliminada a obrigação de notificar-se pessoalmente o trabalhador por demissão, também eliminada a obrigação de notificar o empregado doméstico por demissão, ficou limitada a doze meses a obrigação de pagamento de salários por ruptura de contratos por tempo indefinido e, por fim, foi eliminada a lista de enfermidades e riscos trabalhistas da Lei Federal do Trabalho.

A reforma veio agravar a superexploração do trabalho, que avançou na sociedade mexicana durante o período panista. Entre 2000 e 2010, 54% dos contratos de trabalho assinados eram temporais. No mesmo período, o número de trabalhadores que cumpriram jornada entre 35 e 48 horas caiu de 58% para 49%, e o número dos que trabalhavam mais de 48 horas aumentou de 22% para 28%. Em 2008, Calderón tentou, sem sucesso, impor uma reforma privatista ao setor energético, que seria retomada mais adiante e de forma mais agressiva por Peña Nieto. Todavia, durante seu governo se estabeleceu a Lei Federal de Orçamento e Responsabilidade Fazendária, que permitiu contabilizar como dívida pública o financiamento privado a entidades como a PEMEX e a Comissão Federal de Eletricidade.

Ao terminar o mandato, a popularidade de Felipe Calderón havia baixado dos 62% com os quais se elegeu para 48%. O agravamento das condições sociais no México impulsionou um forte fluxo migratório para os Estados Unidos. Entre 2000 e 2010, 3,8 milhões de mexicanos migraram para o país vizinho, contra 3,7 milhões na década de 1990, e 2,2 milhões, na década de 1980. Em função do fenômeno, elevaram-se drasticamente as remessas de divisas de mexicanos emigrados. Todavia, a partir da crise de 2008, as remessas deixaram de crescer e se reduziram moderadamente, refletindo a crise econômica nos Estados Unidos e as políticas mais duras contra a imigração, afetando negativamente a economia mexicana, que teve nas remessas oriundas do exterior uma fonte de equilíbrio do seu balanço de pagamentos.

Enrique Peña Nieto foi eleito presidente do México em julho de 2012, com 38,12% dos votos, marcando a volta do PRI ao governo. Ele venceu André Lopez Obrador, do PRD, que obteve 31,59% dos votos, e Josefina Vásquez Mota, do PAN, que alcançou 25,41%. Peña Nieto, todavia, sofreu uma grande derrota no Distrito Federal. Ali venceu Manuel Lopez Obrador, impulsionado pelo movimento Yo Soy 132, onde o PRD elegeu também o chefe de governo do Distrito Federal, Miguel Angel Mancera, com 63,58% dos votos, patamar muito superior ao alcançado em 2006 e 2000, por Marcelo Ebrard Casaubón e Manuel Lopez Obrador, que obtiveram 46,7% e 34,5% dos votos, respectivamente.

O movimento Yo Soy 132 surgiu espontaneamente durante a campanha eleitoral de 2012, depois de uma desastrada conferência de Peña Nieto na Universidade Iberoamericana do Distrito Federal. Ele foi questionado sobre a violência contra ambulantes e camponeses nos municípios de San Salvador de Atenco e Texcoco, no Estado de México, no período em que fora governador. O conflito precipitou-se a partir da tentativa de desalojar oito floricultores das ruas principais do mercado Belisário Domingues. Os floricultores pediram ajuda à Frente dos Povos de Defesa da Terra, organização camponesa vinculada ao Exército Zapatista de Libertação Nacional, que havia impedido, em 2001, a construção de um novo aeroporto na Cidade do México, pois a obra desalojaria camponeses de seus ejidos. Houve, então, uma grande batalha campal entre as forças policiais e a resistência popular mobilizada em torno dos floricultores, que implicou na detenção de 207 pessoas, na expulsão de cinco delas do país e em denúncias de violações sexuais de 26 mulheres. A resposta de Peña Nieto durante a conferência provocou enorme reação. Ele teve de ser retirado de helicóptero do evento. Com a repercussão do ocorrido, os partidários de sua campanha tentaram minimizar o episódio, atribuindo-o a grupos infiltrados e organizados na plateia, que sequer seriam estudantes da Iberoamericana. Em resposta, 131 estudantes gravaram um vídeo mostrando sua matrícula e clamando pela adesão de outros estudantes e da população, que seriam o 132º elemento. O movimento passou, então, a ter grande importância entre a juventude do Distrito Federal, alcançando outros centros, desenvolvendo-se como uma organização da sociedade civil que reivindicava o direito à informação e a democratização dos meios de comunicação, o direito constitucional à internet e a superação do estado de violência, miséria e desigualdade vigentes no país.

Desse modo, Peña Nieto assumiu a presidência já desgastado e tendo à frente um mandato de seis anos. Por isso, aproveitou-se da maioria conservadora parlamentar (PRI e PAN) e articulou com habilidade o Pacto por Mexico, que envolveu até certo ponto o PRD. O pacto reuniu um conjunto de reformas estruturais neoliberais (energética, educativa, política, financeira, fazendária e de telecomunicações), temperadas por reformas sociais, como a do regime da seguridade social. Além disso, o envolvimento do PRD no processo aprofundou uma grave crise partidária, que desembocou na saída de Manuel Lopez Obrador para fundar um novo partido, o Movimento de Regeneração Nacional (Morena). A cisão entre Manuel Lopez Obrador e o PRD teve sua origem em dois processos: de um lado, a disputa pela liderança do partido tendo em vista uma futura candidatura presidencial em 2018 e, de outro, a aproximação crescente do PRD da articulação do Pacto por Mexico, a fim de estabelecer as reformas estruturais impulsionadas pelo governo priista de Peña Nieto. Obrador havia se candidatado duas vezes à Presidência da República, tendo sido derrotado em 2006 e em 2012, e pretendia lançar-se novamente em 2018, o que limitava a ascensão de novas lideranças no partido. Mas sua pretensão fazia sentido. Ele sempre teve uma votação superior à do PRD. Em 2006, obteve 14,7 milhões de votos contra 12,3 milhões do PRD, em 2012 conquistou 15,9 milhões contra 13,5 milhões, e nas eleições isoladas ao Parlamento, em 2009, o PRD obteve 12,2%, contra os 35,3% e 31,6% de Obrador em 2006 e 2012. Além disso, a pequena margem de diferença nos pleitos em que foi derrotado, somada a provável fraude em 2006, respaldavam sua ideia.  

Em setembro de 2012, quando Jesús Zambrano, presidente do PRD, e outros de seus dirigentes enviavam sinais de reconhecimento da legitimidade do mandato de Peña Nieto, Manuel Lopez Obrador se retirou do PRD e, como foi dito, fundou o Morena, inicialmente um movimento social articulado por ele a fim de apoiar sua candidatura fora dos partidos políticos em 2018.

O conjunto de reformas do Pacto por Mexico ensejou mudanças legais, constitucionais e secundárias, alterando profundamente a configuração do Estado mexicano e o seu regime institucional. Por exemplo, a reforma energética, a mais importante de todas, implicou na alteração dos artigos 25, 27 e 28 da Constituição, para permitir a privatização da exploração e extração de petróleo e demais hidrocarbonetos, bem como da geração e transmissão de energia. Se, por um lado, o novo texto afirma que é propriedade inalienável da nação o petróleo e os hidrocarbonetos sólidos, líquidos ou gasosos no subsolo, e que a exploração e extração desses recursos e a geração e transmissão de energia são monopólios do Estado, por outro, permitiu a privatização de tais atividades por meio de contratos com particulares, com ou sem a participação de PEMEX e da Comissão Federal de Eletricidade. A privatização não se restringe às novas áreas, mas pode incluir atividades e ativos atualmente reservados ao Estado. Já a limitação do monopólio estatal à extração e exploração do petróleo e hidrocarbonetos, retirou do seu planejamento estratégico a petroquímica, o refino e o transporte.  

Além disso, a PEMEX foi rebaixada na hierarquia estatal. De organismo descentralizado, passou a se subordinar à Secretaria de Energia, que determina as áreas em que a PEMEX atua, e à Secretaria de Fazenda e Crédito Público, que determina o seu limite de endividamento. O que quase não mudou foi a elevadíssima carga tributária paga pela PEMEX, que passou de 79% para 65% de seu lucro – para se ter uma ideia, esse índice é de 4% para as trinta maiores empresas mexicanas.

Tal rearticulação da indústria petroleira diminuiu enormemente a importância do Estado no setor, contribuindo para reduzir a renda auferida pela atividade e a sua apropriação pelos cofres públicos, com forte impacto sobre o equilíbrio fiscal, na medida em que 25% dos ingressos estatais são oriundos de recursos transferidos da PEMEX. A reforma energética foi aprovada com o voto de 95 senadores (são 125 no total) e na Câmara de Deputados conquistou 354 votos de 500 possíveis – votaram massivamente a favor o PRI, o PAN e o PVEM. Apenas 1 dos 209 deputados do PRI votou contra e no PAN, 3 deputados e 2 senadores se opuseram entre 151 representantes. Nenhum deputado ou senador do PRD ou do PT votou a favor.

Por seu turno, a reforma das telecomunicações permitiu o total controle do sistema de comunicação audiovisual e radiodifusor mexicano pelo capital estrangeiro. Além disso, não estabeleceu nenhum mecanismo para limitar a concentração que não seja o da concorrência e o da abertura a competidores internacionais. Para tanto, foram alterados os artigos 6, 7, 27, 28, 73, 78, 94 e 105 da Constituição. A reforma não contempla a gratuidade dos serviços de internet e não protege conteúdo nacional, comunitário ou social. Dessa forma, as rádios comunitárias ficaram restritas a espaços locais e bandas AM. Mas a reforma manteve o artigo 16 da Constituição, que permite intervenção na comunicação privada a pedido de autoridade federal, e acrescentou na Lei Federal de Comunicações o artigo 190, que obriga as empresas a guardarem registros das comunicações por dois anos e os entregarem em 48 horas, se requisitadas pelas autoridades competentes. A reforma das telecomunicações foi aprovada no Parlamento pela maioria dos parlamentares do PRD e sem votos contrários no PRI e PAN.

A reforma educacional modificou os artigos 3 e 75 da Constituição, criando o Instituto Nacional para Avaliação da Educação (INEE). O órgão instituiu concurso público e sistema de avaliação para ingresso, promoção e permanência do docente no ensino básico, médio e superior. Caso não atinja o desempenho mínimo, docentes e diretores passam por um curso de capacitação de seis meses. E, se após duas capacitações o docente não atingir o resultado mínimo, a sua nomeação para o cargo é cancelada. Os indicadores de avaliação são estabelecidos pelo INEE segundo parâmetros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A reforma ainda abriu espaço para transferência de custos às associações de pais de alunos sob o conceito de autogestão. Mesmo que o Senado tenha proibido a cobrança de taxas escolares para o acesso dos alunos às escolas, não impediu as doações e contribuições por associações de pais de alunos, além de permitir a limitação de gastos com infraestrutura e material escolar por parte do Estado. A reforma foi aprovada sem voto contrário no PRI e no PAN, dividindo o PRD quanto a sua aprovação.

Já a reforma política alterou trinta artigos da Constituição e contou com o apoio dos principais partidos políticos. A reeleição para deputados e senadores por até doze anos consecutivos foi aprovada, o que havia sido abolido pela revolução mexicana, exigindo que os congressos locais abordassem o tema da reeleição para prefeitos e deputados de sua jurisdição específica. Permitiu também a existência de candidaturas avulsas, independentes de partidos políticos, mas lhe deu trato desigual em relação aos representantes dos partidos. O financiamento oficial de campanha para candidatos avulsos é menor e eles precisam cumprir mais requisitos. A reforma aumentou também o percentual de votação exigido para a manutenção de um partido político, de 2% para 3%, estabeleceu a paridade entre homens e mulheres nas candidaturas ao Congresso e autorizou a formação de governos de coalizão, cujos termos deverão ser aprovados na Câmara e no Senado. A reforma ainda permitiu declarar a nulidade das eleições, caso seja ultrapassado o limite de gastos numa campanha vencedora por margem inferior a 3% dos votos, sempre que os recursos excedentes tenham sido determinantes para o resultado.  

O Pacto por Mexico instituiu o seguro desemprego e a pensão universal. Ambos apresentam, porém, importantes limitações: o seguro-desemprego é destinado somente aos desempregados do setor formal e tem duração de seis meses. No primeiro mês, o beneficiado recebe o valor correspondente a 60% de seu último salário, no segundo mês, a cifra cai para 50% e, nos quatro meses restantes, para 40%. As pensões são pagas para todo cidadão maior de 65 anos, mas seu valor é extremamente baixo, permitindo apenas a compra de uma semana de cesta básica.

A reforma financeira, por sua vez, não estabeleceu nenhum tipo de controle sobre as taxas de juros bancárias, mas criou a radicação e a retenção de bens. Por meio de tais dispositivos, permite a detenção de pessoas, bem como a tomada e liquidação de bens para saldar dívidas com credores. A reforma fazendária não alterou a estrutura fiscal e bancária mexicana. O nível de tributação permanece extremamente baixo e desigual, penalizando os trabalhadores e favorecendo de forma extrema o grande capital.

Depois, nas eleições federais para a Câmara de Deputados, o PRI alcançou 29% dos votos, seguido pelo PAN, com 21% dos votos. O Morena firmou-se como a quarta força eleitoral do país, obtendo 8,4% da votação, e ficando atrás do PRD, com 10,9% dos votos. O Partido Humanista e o Partido do Trabalho perderam seu registro eleitoral por não alcançarem 3% da votação. E o pleito registrou o comparecimento de 48% dos eleitores, 3% a mais do que em 2009, apesar da campanha de setores da esquerda pelo abstencionismo e a eleição do primeiro candidato independente, Jose Heliodoro Rodriguez, conhecido como El Bronco, para o governo do Estado de Nuevo León. Apesar de se colocar como independente, El Bronco foi filiado ao PRI por 33 anos, desligando-se do partido em setembro de 2014.

Dados Estatísticos

Indicadores demográficos do México

1950

1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020*

População 
(em mil habitantes)

28.296

38.677

52.988

70.353

86.077

103.874

117.886

131.955

 Sexo masculino (%)

49,73

49,83

49,90

49,85

49,63

48,36

48,39

48,54 

 Sexo feminino (%)

50,27

50,17

50,10

50,15

50,37

51,64

51,61

51,46 

Densidade demográfica 
(hab./km
²)

14

20

27

36

44

53

60

67 

Taxa bruta de natalidade 
(por mil habitantes)**

47,99

44,71

42,45

31,74

27,47

22,82

18,6*

15,6 

Taxa de crescimento 
populacional**

3,02

3,18

3,05

2,03

2,06

1,28

1,21*

0,92 

Expectativa de vida 
ao nascer (anos)**

50,69

58,47

62,57

67,73

71,81

74,96

77,4*

79,5 

 Expectativa 
de vida masculina**

48,92

56,42

60,09

64,44

69,03

72,43

74,9*

77,3 

 Expectativa 
de vida feminina**

52,54

60,58

65,15

71,16

74,62

77,36

79,7*

81,5

População entre 
0 e 14 anos (%)

42,50

45,90

46,60

44,70

38,50

34,10

30,00

25,1 

População com 
mais de 65 anos (%)

3,50

3,40

3,70

3,80

4,30

4,90

6,0

8,1 

População urbana (%)¹

42,66

50,75

59,02

66,34

71,42

74,72

77,83

80,56 

População rural (%)¹

57,35

49,25

40,98

33,66

28,58

25,28

22,18

19,44 

A população do país 
na América do Norte (%)

14,15

15,91

18,63

21,64

23,37

24,77

25,39

25,99

Participação na população
latino-americana (%)***

16,86

17,55

18,43

19,32

19,33

19,74

19,77

19,94

Participação na 
população mundial (%)

1,120

1,278

1,436

1,581

1,618

1,695

1,705

1,710

Fonte: ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Database
¹ Dados sobre a população urbana e rural retirados de ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision 

* Projeção. | ** Estimativas por quinquênios. | *** Inclui o Caribe.

Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças ) são encontradas na base de dados indicada

 

Indicadores sociais do México

1970

1980

1990

2000

2010

2020*

Índice de Desenvolvimento 
Humano (IDH)¹

0,595

0,647

0,699

0,748

...
 

Analfabetismo 
na população 
acima de 15 anos (%)

...

...

...

9,9

7,2

...

 Analfabetismo 
masculino (%)

...

...

...

8,1

5,9

...

 Analfabetismo 
feminino (%)

...

...

...

11,5

8,3

... 

Matrículas no 
ciclo primário

...

14.126.414

14.493.763

14.765.603°

14.906.476

... 

Matrículas no 
ciclo secundário

...

4.285.016

6.795.244

9.094.103°

11.681.530

... 

Matrículas no 
ciclo terciário

...

853.384

1.314.027

1.962.763°

2.847.376

...

Professores

...

1.000.824

1.282.614°

1.491.691

... 

Médicos²

33.981

62.009

89.842

170.823

238.784

... 

Fonte: CEPALSTAT

¹ UNDP. Countries Profiles
² Para os anos posteriores a 200 não se incluem os dados da Secretaria de Defesa Nacional (SEDENA), pois esta não proporcionou a informação. Também para os mesmos anos os dados se referem ao número de pessoal médico do setor público e das unidades médicas privadas com serviços de hospitalização. Dentro deste dado se incluem os médicos generalistas e especialistas, os estudantes residentes e internos, assim como aos residentes e dentistas

* Projeção. | ° A partir do ano de 1998 os dados de matrícula passaram a ser calculados segundo nova classificação, sendo os dados até 1997 não estritamente comparáveis com os dados dos anos seguintes.

Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados ou no documento indicados.

 

Indicadores econômicos do México

1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020*

PIB (em milhões de US$ a
preços constantes de 2010)

617.851,6

869.293,1

1.049.924,7

... 

 Participação no PIB 
latino-americano (%)

23,34

24,28

21,11

... 

PIB per capita (em US$ a 
preços constantes de 2010)

7.241,8

8.545,9

9.105,9

... 

Exportações anuais 
(em milhões de US$)

860,6

18.031,0

40.711,0

166.395,9

298.859,8

... 

 Exportação de produtos manufaturados 
(em milhões de US$)

46,5

401,7

658,6

953,1

1.728,8

...

 Exportação de produtos 
manufaturados (%)

32,5

11,9

43,5

83,5

76,0

... 

 Exportação de 
produtos primários 
(em milhões de US$)

814,1

13.602,8

14.832,3

27.360,6

70.125,9

...

 Exportação de 
produtos primários (%)

67,5

88,1

56,5

16,5

24,0

... 

Importações anuais 
(em milhões de US$)

21.087,0

41.592,0

174.761,2

301.802,7

...

Exportações-importações 
(em milhões de US$)

-3.056,0

-881,0

-8.365,3

-2.942,9

... 

Investimentos estrangeiros 
diretos líquidos 
(em milhões de US$)

2.090,0

2.549,0

18.318,1

10.847,9

... 

População Economicamente 
Ativa (PEA)¹

10.739.300

12.615.400

21.874.405

26.687.773

38.473.337

49.068.772

60.028.383

 PEA do sexo 
masculino (%)¹

81,80

81,19

73,76

74,10

65,25

61,42

57,95

 PEA do sexo 
feminino (%)¹

18,20

18,81

26,24

25,90

34,75

38,58

42,05 

Taxa anual de 
desemprego urbano (%)

...

...

2,4

6,3

...

Gastos públicos em 
educação (% do PIB)

...

2,31

4,13

5,19

... 

Gastos públicos em 
saúde (% do PIB)²

...

...

2,38

3,09

...

Dívida externa total 
(em milhões de US$)

50.700,0

...

148.651,9

197.727,0

... 

Fontes: CEPALSTAT

¹ Para os anos de 1960 e 1970 a fonte é LABORSTA não possuindo a mesma precisão
² Calculado a partir dos dados de Global Health Observatory da Organização Mundial da Saúde

* Projeções.

Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados ou no documento indicados.

 

 

Mapas

 

Bibliografia

  • BARTRA, Armando. Los herederos de Zapata. México, D. F.: Era, 1985.
  • COSÍO VILLEGAS, Daniel (Coord.). Historia general de México. México, D. F.: El Colegio de México-Harla, várias edições.
  • __________. Historia mínima de México. México, D. F.: El Colegio de México-Harla, 1984.
  • EZLN. Documentos y comunicados. México, D. F.: Era, 1994-2003. 5 v.
  • GARCIADIEGO, Javier (Coord.). El TLC día a día. México, D. F.: Purrúa, 1994.
  • KATZ, Friedrich. La guerra secreta en México. México, D. F.: Era, 1992. 2 v.
  • MEYER, Eugenia; SALGADO, Eva. Un refugio en la memoria. La experiencia de los exilios latinoamericanos en México. México, D. F.: UNAM/Océano, 2002.
  • RAJCHENBERG, Enrique; GIMÉNEZ, Catalina. Historia de México: línea del tiempo. Barcelona: Plaza & Janés, 1998.
  • TORRES, Blanca. Hacia la utopía industrial. Historia de la Revolución Mexicana. 1940-1952. México, D. F.: Colegio de México, 1984.